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16 DE MARÇO DE 1971 639

que se deva acentuar no texto do artigo em análise que é de separação o regime das relações do Estado com todas as confissões religiosas. Considera ela que o regime de independência e colaboração (concordatária) não tem autonomia conceitual em relação ao de separação.
Assim, entenda a Câmara que se deve aproveitar o ante ensejo para exprimir com o desejável rigor técnico-jurídico o sistema de relações do Estado Português com a Igreja Católica e com as demais confissões religiosas. Em vez da fórmula proposta pelo Governo, deverá dizer-se que "as relaições do Estado Português com a Igreja Católica assentam na independência dos dois Poderes na respectiva ordem e na colaboração que, sobre matérias de interesse comum, seja definida em concordatas e acordo". Após estas afirmações, no artigo em análise há-de dizer-se que "o regime das relações com as confissões religiosas é o da separação".

68. Esta Câmara considera apropriado suprimir-se a afirmação de que haverá relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal, mediante recíproca representação. Tudo quanto se impõe afirmar na Constituição é que o Estado Português reconhece a independência da Igreja e portanto, a sua soberania, na respectiva ordem. Daqui decorre que os dois Poderes, justamente porque soberanos, poderão manter relações diplomáticas, mediante recíproca representação, entre eles. Mas o legislador constituinte não pode impor unilateralmente que essas relações sejam bons e muito menos que elas sejam permanentes. São sempre possíveis crises nas relações entre as duas soberanias - e nada exclui que se possa chegar, em alguma oportunidade, por iniciativa de qualquer delas, ao corte ou suspensão de relações diplomáticas. Aliás, e por último, não pode ignorar-se que já foi sugerido, no próprio seio da Igreja, que esta suprima o seu actual sistema de representação internacional, o que, a vingar, implicará que a Igreja elimine o seu serviço público diplomático.

69. Por último, no artigo cujo texto ora se aprecia deixa de se fazer alusão à esfera do Padroado Português do Oriente, ao contrário do que hoje sucede com os artigos 45.°, 133.° e 140.° Transcreve-se o que a este respeito pensa autorizadamente o P.° António Leite: "Parece-nos oportuna a omissão de tal referência, o que, evidentemente, não significa a abolição do Padroado. Deixar-se-á apenas aberta a porta a negociações futuras", que se tornariam "quase impossíveis se se mantivesse na Constituição a referência ao Padroado do Oriente" (in Alguns Aspectos da Reforma Constitucional, separata da Brotéria, vol. XCII, 1971, p. 10). E que, por um lado, o 2.° Concílio do Vaticano pediu aos Estados que renunciassem aos privilégios relativos à nomeação dos bispos, como pode ver-se no Decreto sobre o múnus pastoral dos bispos, o que, como também lembra o P.e António Leite, virá a impor um entendimento entre o Estado Português e a Santa Sé sobre o assunto. Por outro lado, torna-se muito problemática a possibilidade de Portugal exigir, na altura própria, o cumprimento das obrigações da Santa Sé no que respeita à apresentação do Patriarca das Índias, cuja sé se encontra em Goa. O Governo Português- deseja ficar com as mãos livres para negociar sobre tais problemas, no momento oportuno, com a Santa Sé.

70. Ante o exposto, a Câmara recomenda para o corpo do artigo 46.° a redacção seguinte:

É reconhecida a posição especial da religião católica entre as várias crenças professadas pelos portugueses. A Igreja Católica goza de personalidade jurídica, podendo organizar-se de harmonia com o direito canónico 6 constituir por essa forma associações ou organizações, cuja personalidade jurídica é igualmente reconhecida. As relações do Estado Português com a Igreja Católica assentam na independência dos dois Poderes na respectiva ordem e na colaboração que, sobre matérias de interesse comum, seja definida em concordatas c acordos. O regime das relações do Estado com as confissões religiosas é o da separação.

Artigo 48.°, § único

71. Esta disposição vem a ser a reprodução, com adaptações, do actual artigo 140.° da Constituição. As alterações traduzem-se, fundamentalmente, na falta de referência à personalidade jurídica das missões e às concordatas e mais acordos celebrados com a Santa Sé, a elas relativas.
A referência específica à personalidade jurídica das missões justifica-se tanto menos quanto se venha a perfilhar a sugestão desta Câmara, feita atrás, em comentário ao corpo do artigo 46.°, de que subsista a alusão hoje feita ao direito da Igreja de constituir associações ou organizações cuja personalidade jurídica é reconhecida.
A menção das concordatas e acordos, se tinha justificação, deixa de a ter, por o assunto das missões vir agora tratado sob a forma de um parágrafo do artigo em que, de um modo geral, se trata das relações entre o Estado e a Igreja e onde precisamente se prevê que estas serão objecto de concordatas e acordos.
A Câmara sugere, entretanto, que, para actualização do preceito no campo das ideias e da terminologia, se diga que as missões têm, em quanto especificamente interessa ao Estado, fins de educação e de promoção social. O parágrafo ficaria assim redigido:

As missões católicas portuguesas do ultramar e os estabelecimentos de formação do seu pessoal serão protegidos e auxiliados pelo Estado como instituições de educação e promoção social.

Artigo 49.°, n.° 2.°

72. É conhecido o alcance do artigo 49.º da Constituição: é opinio communis, hoje em dia, que neste preceito apenas se faz uma enumeração das coisas públicas do Estado, a que o legislador ordinário não poderá retirar esse carácter. O âmbito do domínio público fixado na Constituição não pode ser reduzido pela legislação comum; mas nada impede que continue em vigor toda a legislação que considere outras coisas, além das aí indicadas, como públicas, nem que nova legislação submeta ao estatuto da propriedade pública outros bens, diferentes dos elencados no artigo 49.°
Assim, a Lei n.° 2080, de 21 de Março de 1956, aplicável na metrópole e no ultramar (onde foi em especial confirmada pelo Regulamento da Concessão de Terrenos nas Províncias Ultramarinas, aprovado pelo Decreto n.° 43 894, de 6 de Setembro de 1961), veio declarar que pertencem ao domínio público do Estado o leito do mar e o subsolo correspondente nas plataformas submarinas contíguas às costas marítimas portuguesas, continentais ou insulares, que se denominam plataformas continentais, mesmo fora dos limites do mar territorial.
A inclusão de uma norma na Constituição, segundo a qual a plataforma continental pertence ao domínio público do Estado, não pode, pois, ter outro sentido que não seja vedar ao legislador ordinário revogar a norma da base 1.ª da Lei n.° 2080, na parte em que declara essa plataforma pertencente a tal domínio.