644 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 67
Sendo assim, uma vez que se aceite a cláusula de urgência do § 1.° do artigo 93.°, julga a Câmara que é também de aceitar a correspondente alteração do § 2.° do artigo 70.º Na verdade, não faria sentido permitir ao Governo legislar sobre impostos nos casos de urgência, dispensando-se, deste modo, para tal efeito, a convocação extraordinária da Assembleia, e exigir depois esta convocação para obter a autorização da cobrança dos tributos; e seria absurdo, por outro lado, pensar-se numa autorização de cobrança concedida ao Governo previamente, por isso que a hipótese prevista no § 1.° do artigo 93.°, e que se pretende acautelar, é justamente a de ele não dispor de autorização legislativa da Assembleia.
A maneira como no relatório da proposta de lei se fundamenta a alteração em apreço faz supor que, no entender do Governo, ela apenas vem explicitar o entendimento que já hoje deve ser dado ao 1 2.° do artigo 70.° Não é líquido que seja assim, pelo que respeita aos impostos (e eram até agora quase todos) criados por decreto-lei. Mas, ainda que seja esse o caso, a alteração justifica-se, pois tem a vantagem de eliminar qualquer dúvida acerca da* correcção, constitucional de uma prática que logo a força dai circunstâncias imparia seguir, e, no fundo, com compreensível legitimidade.
A Câmara faz notar, porém, que a redacção agora sugerida para o § 2.° do artigo 70.° não cobre todos os possíveis casos de legislação tributária governamental - ou só os cobre entendida em termos bastante hábeis. É que o Governo, ao abrigo do § 1.° do artigo 93.°, além de poder "criar" impostos novos, pode simplesmente "modificar" os existentes, alargando a sua incidência ou agravando as suas taxas; e a autorização para a cobrança dos impostos assim modificados, no período financeiro em que o Governo procedeu à sua alteração sem consentimento prévio da Assembleia Nacional, não pode, obviamente, considerar-se dada por esta última na Lei de Meios para o respectivo ano económico. Pensa-se, por isso, que, em lugar de redigir o preceito como vem proposto, melhor será incluir nele uma ressalva visando directamente a utilização pelo Governo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 93.°, § 1.º
De acordo com esta sugestão, o § 2.° do artigo 70.° ficaria redigido como segue:
A cobrança de impostos estabelecidos por tempo indeterminado ou por período certo que ultrapasse uma gerência depende de autorização da Assembleia Nacional, sem prejuízo, porém, da faculdade conferida ao Governo pelo § 1.º do artigo 93.º
Artigo 80.°, § 2.º
87. A Lei n.º 1885, de 23 de Março de 1935, substituiu a redacção primitiva do § 2.º do artigo 80.°, na qual se mantinha a solução consagrada na Constituição de 1911, sobre a substituição do Presidente da República enquanto se não realizasse a eleição dele e na hipótese de, por qualquer motivo, haver impedimento transitório do exercício da função presidencial - e veio dispor que, em vez de ser substituído pelo Governo no seu conjunto, o seria pelo Presidente do Conselho.
Na sua redacção actual, que é a que lhe foi dada pela Lei n.° 2048, citada, esta solução manteve-se. Mas na proposta de revisão que veio a converter-se nessa lei considerou-se que conviria providenciar para dois grupos de hipóteses: as de o Presidente da República e o Presidente do Conselho morrerem simultaneamente, de ficarem ao mesmo tempo impossibilitados de exercer os seus cargos, de conjuntamente abandonarem ás suas funções ou juntamente sofrerem impedimento transitório; e as de o Presidente do Conselho, encontrando-se temporàriamente nos termos do § 2.° deste artigo 80.°, no exercício da função presidencial, faltar, em consequência de qualquer daqueles factos, ou sofrer impedimento transitório. Na proposta em causa sugeria-se que, em tais casos, seria chamado ao exercício da função presidencial o Ministro que devesse substituía o Presidente do Conselho, pela ordem de precedência.
A Câmara Corporativa considerou então desnecessário contemplar as referidas hipóteses, que qualificou de catastróficas. De qualquer modo, aconselhou, para o caso de se considerar indispensável regular o assunto, que a substituição do Presidente da República, nas hipóteses figuradas, competisse ao Presidente da Assembleia Nacional por uma série de razões que se podem ver expostas no seu parecer n.° 13/V, e aqui inteiramente se perfilham, de novo, e se dão como reproduzidas. O que se não mantém é o ponto de vista, então expresso, de que as hipóteses de falta e de impossibilidade física simultânea do Presidente da República e do Presidente do Conselho, em tampos como os de hoje, sejam, de per si, de todo inverosímeis, pelo que se explica perfeitamente que o legislador de revisão não deixe em aberto uma lacuna sobre a forma de cujo preenchimento ou integração bem poderia, chegado o momento, não haver acordo, ou não o haver com a prontidão requerida.
Mas a regulamentação ora proposta suscita, por sua vez, problemas que convém deixar esclarecidos.
Em primeiro lugar, a entrada transitória do Presidente da Assembleia Nacional no exercício da função presidencial, que consequências há-de importar para o exercício da sua função própria na Assembleia? A proposta não o diz - mas parece que, durante a sua permanência no exercício daquela função, o exercício da presidência da Assembleia Nacional deve passar necessariamente para os vice-presidentes, pela respectiva ordem. Dispondo a Assembleia Nacional de vice-presidentes, não custa a admitir que o seu Presidente seja considerado impedido, nas sobreditas circunstâncias, e que, assim, aqueles sejam, nos termos regimentais, chamados ao exercício da presidência desse órgão da soberania - e com toda a competência, honras e regalias que ao Presidente se reservam.
Mas a chamada do Presidente da Assembleia Nacional ao exercício da função presidencial cria imediatamente para este, nas circunstâncias figuradas, o dever de nomear um Presidente do Conselho, que, por hipótese, falta ou está impedido de exercer as suas funções próprias (de acordo com o princípio da continuidade do funcionamento dos órgãos constitucionais). Esta nomeação suscita, por sua vez, o problema de saber se o exercício da função presidencial passa logo para o novo Presidente do Conselho - que é o primeiro substituto do Presidente da República, por força do § 2.º do artigo 80.° -, voltando o Presidente da Assembleia Nacional, praticado e executado o acto da nomeação, ao exercício exclusivo das suas funções próprias, ou se, pelo contrário, o exercício das funções de Chefe do Estado é conservado pelo Presidente da Assembleia Nacional até ao momento da eleição presidencial (para só falar da hipótese de maior relevo). A Câmara prefere esta última solução, que, aliás, resulta dos termos da proposta. E que um Presidente do Conselho nomeado nas condições figuradas é, por força das circunstancias, uma figura politicamente transitória, uma pessoa que, em princípio, será mantida em funções apenas até que haja um novo Presidente da República, em cuja confiança se apoia.
Não carece de solução expressa - e, se houvesse que o resolver, sê-lo-ia, em sentido negativo - o problema