16 DE MARÇO DE 1971 641
Artigo 89.°
76. 0 objectivo deste preceito foi, até agora, não apenas legitimar, mas mesmo impor que certos tipos de empresas privadas (por via de regra, sociedades comerciais) estejam sujeitas, não obstante essa sua natureza de empresas privadas, a um regime que não é puramente de direito privado, como em princípio deveria ser para exprimir o domínio e direcção dos capitalistas e empresários privados sobre o que legalmente lhes pertence. Só na base de uma disposição constitucional específica, ante o valor genérico do princípio geral da subsidiariedade, deduzível de várias normas constitucionais, do preceito que consagra o direito fundamental de propriedade (dos meios de produção de bens ou serviços) e do que consagra a liberdade de indústria, é que se pode conceber a legitimidade de uma Intervenção do Estado que tão profundamente restringe e comprime, ou pode restringir e comprimir, a liberdade de empresa, a iniciativa e a propriedade privada, conformando compulsòriamente as decisões dos empresários e capitalistas e convertendo em larga medida certas empresas em estabelecimentos públicos à ordem da Administração, excluídas do sector privado. As empresas privadas de que se fala no artigo 59.° ficam em grande medida sujeitas às decisões económicas da Administração, a heterodecisões, ainda que os empresários sejam mantidos na propriedade dos estabelecimentos e ainda que essas decisões devam vinculativamente manter-se no quadro dos objectivos sociais e económicos fixados no próprio artigo 59.° 11.
A finalidade do artigo 59.° não deve ser alterada. Do que se trata ó justamente de dar fundamento constitucional às normas de direito ordinário que, em relação às "empresas de interesse colectivo" (as quais são, repete-se, empresas privadas), instituam uma sujeição mais ou menos intensa delas à Administração.
Nesta ordem de ideias, afigura-se à Câmara não se impor que se preveja a legitimidade da atribuição, nos regimes especiais de cada categoria dessas empresas, de certos direitos. O legislador ordinário pode conceder-lhes, ante as imposições do bem comum, os direitos ou prerrogativas que entender adequados, sem com isso contender com qualquer princípio ou preceito constitucional, designadamente o que dispõe sobre a igualdade jurídica. Assim, se, por exemplo, na lei ordinária se lhes conferir o direito à expropriação por utilidade pública dos imóveis de que careçam, ou se se lhes permitir beneficiarem do regime das empreitadas de obras públicas, não se requer para tanto qualquer base constitucional específica.
Em rigor, parece que a matéria da nacionalidade das empresas de interesse colectivo (exigência de que sejam nacionais e não estrangeiras, pelo menos em alguns casos) também não tem de ser aqui prevista: no artigo 7.° prevê-se a equiparação entre nacionais e estrangeiros no campo dos direitos privados "se a lei não determinar o contrário". Daqui resulta, sem necessidade de outro qualquer fundamento constitucional, que o legislador pode estabelecer que as empresas de interesse colectivo, ou algumas delas, devam ter a nacionalidade portuguesa. Ver hoje, em geral, sobre este ponto, o Decreto n.° 46 312, de 28 de Abril de 1965.
Em matéria de pessoal, quererá a proposta aludir, provavelmente, às limitações já previstas no artigo 25.°, com referência ao artigo 24.°, ambos da Constituição. Mas aquele já alude a "empresas que exploram serviços de interesse público", expressão que deve, parece, equiparar-se a "empresas de interesse colectivo". Na dúvida, porém, transige-se com a inclusão da referência ao pessoal destas empresas.
Parece, por sua vez, requerer-se a menção dos corpos gerentes. Além do mais, desaparecerão quaisquer, dúvidas sobre a constitucionalidade de normas como as da Lei n.° 2105, de 6 de Junho de 1960, sobre remuneração, acumulações e incompatibilidades dos corpos gerentes de empresas desta ordem.
Não se concorda com que se não mencione que as empresas de interesse colectivo possam estar sujeitas a regime especial quanto a concurso, como no texto actual do artigo 59.º se estabelece. Trata-se de um assunto para que, à primeira vista, se não requer base constitucional especial. Mas não é assim. Designadamente para incrementar o desenvolvimento económico (um dos fins indicados no artigo 59.°), pode justificar-se que o Estado tenha de autorizar novas indústrias, em sectores que interesse desenvolver, por concurso público, como recentemente procedeu no sector dos petróleos e da petroquímica, atribuindo aos adjudicatários benefícios do tipo fiscal, creditício, auxílios e garantias directas. As restrições à liberdade de indústria, que o concurso implica, carecem de apoio constitucional, segundo se crê.
Cuida-se, em resumo, que a parte inicial do texto do artigo 59.° deverá ser esta:
São consideradas de interesse colectivo e sujeitas a regimes especiais, no tocante aos seus deveres, concurso, administração e gerência, pessoal e intervenção ou fiscalização do Estado...
No texto proposto, como aliás também no actual, consigna-se a seguir o quadro de interesses colectivos cuja relevância, em relação a cada tipo de empresas, ditará o regime especial da intervenção estadual que a lei lhes há-de respectivamente fixar - regime que, portanto, não tem de ser, e efectivamente não é, uniforme. (Por isso, prefere a Câmara falar em regimes especiais e não, como vem proposto, em regime especial). O Governo sugere algumas alterações em relação ao que se encontra hoje dito no artigo 59.°, a este respeito.
É necessário ponderar a alteração advogada, no que concerne à definição das empresas de interesse colectivo. Segundo a "redacção em vigor, são todas e apenas "as empresas que visem ao aproveitamento e exploração das coisas que fazem parte do domínio público do Estado" - quer dizer: as empresas concessionárias de serviços públicos (ou de obras públicas e serviços públicos, conjuntamente) que impliquem a utilização ou o aproveitamento privativo de coisas públicas (aproveitamento mediato); e as empresas concessionárias da exploração das coisas públicas.
Na primeira parte da sua enumeração - "empresas concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou da exploração, de coisas do domínio público - os dois textos, o actual e o proposto pelo Governo, coincidem, portanto.
Mas há um certo número de outras empresas, a respeito das quais, tanto e às vezes mais do que em relação
11 É certo que já no Código Comercial (artigo 178.°) se admitia que. as sociedades anónimas que explorassem concessões feitas pelo Estado ou por qualquer corporação administrativa, ou tivessem constituído em seu favor qualquer privilégio ou exclusivo, poderiam ser, segundo o caso, também fiscalizadas por agentes do Governo ou da respectiva corporação administrativa - mas essa fiscalização limitar-se-ia à do cumprimento da lei e dos estatutos e ao modo como fossem satisfeitas as condições exaradas nos diplomas das concessões e cumpridas as obrigações estipuladas em favor do público. Tal fiscalização não representava, portanto, nenhuma intervenção no âmbito próprio das decisões dos empresários, nenhum domínio das empresas, em contradição com o sentido normal das garantias fundamentais estabelecidas na lei fundamental (Carta Constitucional e, depois, Constituição de 1911).