O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

638 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 67

que eles são os valores a que um largo sector da população portuguesa presta adesão e rende culto.
Crê-se que, quando agora, na proposta em apreço, se afirma que "a religião católica apostólica romana é considerada como religião tradicional da Nação Portuguesa", se não pretende outra coisa senão continuar a sublinhar, com esta nova fórmula, a situação especial em que a religião católica se encontra no nosso país, bem diferente daquela em que as outras confissões se encontram, que é uma pura situação de direito privado, confinada, como atrás se disse, ao domínio do juridicamente lícito e eticamente indiferente. Sem a afirmação dessa especial situação, Ida qual resulta que a Igreja Católica coopera com o Estado na realização das finalidades que este constitucionalmente julga dever realizar, numa perspectiva neutralista, muitas das normas de direito ordinário resultariam incoerentes e a maioria das próprias disposições do nosso direito concordatário sê-lo-iam também.
Simplesmente, a melhor forma de expressar esta ideia ou este propósito não parece consistir em se afirmai- que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa (como se diz hoje no artigo 45.°) nem, como agora se propõe, em se declarar que ela é considerada como religião tradicional da Nação Portuguesa. Afirmar, que ela é a religião da Nação Portuguesa é, ante o pluralismo de crenças religiosas nacionais, em que sobressai, além do catolicismo, o maometismo, ser-se claramente inexacto. Dizer que ela é considerada como religião tradicional da Nação Portuguesa também é inexacto, pelo menos, na medida em que é só parcialmente verdadeiro: quanto mais não seja a partir do momento histórico já recuado em que a Nação se alargou para fora do seu primitivo quadro europeu e passou a compreender outros povos e outras gentes, outras creanças passaram a ser próprias da Nação Portuguesa, de tal maneira que, com rigor, bem se pode dizer que várias são hoje de considerar religiões tradicionais da Nação. Acresce que a expressão também se pode entender - ainda que com deslealdade, é certo - no sentido de que a religião católica não é uma religião que os Portugueses professem com autenticidade, antes é apenas algo de tradicional, algo que, por isso tende a deixar de ser.
A melhor fórmula para traduzir o significado fundamental da declaração em causa ainda a esta Câmara parece ser uma decalcada na que advogou na seu parecer n.° 13/V (Diário das Sessões, n.° 74, de 24 de Fevereiro de 1951). Nessa altura, a Câmara Corporativa sugeriu que o artigo 46.° começasse por esta afirmação: "O Estado reconhece a posição especial da Igreja Católica, em que professa, a maioria dos portugueses." A última parte deste período, pelais razões já ditas, não pode perfilhar-se, mas a primeira merece consagração. A esta Câmara afigura-se que a formulação mais apropriada à finalidade tida em vista será esta ou outra semelhante: "E reconhecida a posição especial da religião católica entre as várias crenças professadas pelos portugueses."
A propósito, note-se que não se afigura necessário identificar como "apostólica romana" a religião católica. Quando se fala de "igreja católica lusitana" é que é imperioso adjectivar suplementarmente a locução "igreja católica".

66. Prossegue-se, na redacção proposta para o artigo 46.°, com a declaração de que "a Igreja Católica goza de personalidade jurídica", omitindo-se o mais que a isto se segue no texto vigente do artigo 45.° e corresponde, aliás, ao que consta da Concordata. Francamente, a Câmara não sente o peso da razão, invocada no relatório da. proposta, que conduziu o Governo a omitir aqui que a Igreja Católica se pode organizar de harmonia com o direito canónico e constituir por essa forma associações ou organizações cuja personalidade jurídica ó igualmente reconhecida - e, por via disso, sugere que o texto actual subsista.

67. Seguidamente, enquanto no actual artigo 45.° 8e diz que o Estado mantém em relação à Igreja Católica o regime de separação, no proposto artigo 46.º declara-se que o regime das relações do Estado cora as confissões religiosas - portanto as confissões religiosas em geral - é o de separação.
Ora não parece a uma parte da Câmara que as relações entre o Estado e a Igreja Católica e as relações entre o Estado e as demais confissões religiosas se pautem pelo mesmo sistema. Não pode esquecer-se, na verdade (e a Constituição italiana não o esqueceu, dizendo-o expressamente no seu artigo 7.°), que a Igreja é uma comunidade soberana que o Estado Português reconhece como tal, de tal modo que as suas relações com o Estado são relações entre entidades independentes na sua respectiva ordem reguladas, no mais alto escalão, por normas de direito internacional - ao passo que as relações do Estado com as demais confissões religiosas são relações de direito interno, visto tais confissões não serem nem soberanas nem independentes. Não se pode, assim, dizer que o Estado será independente em relação a essas confissões ou que estas sejam independentes em relação ao Estado. O Estado regula unilateralmente as suas relações com elas por meio da sua própria legislação, e elas estão em relação ao Estado numa dependência de ordem "policial", razão por que se lhe torna possível evitar que elas se evadam do domínio do licito ou reprimir as suas contravenções ao estatuto que para cada uma delas tenha sido aprovado unilateralmente por ele. E esta a posição que, para todas as confissões religiosas (incluindo a religião católica), foi fixada pelo artigo 2.° da "Lei da Separação" de 20 de Abril de 1911, na esteira de idêntica lei francesa de 1905 e da correspondente do cantão de Genebra, de 1909: "Todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito público português."
Essa parte da Câmara entende, assim, que não é apropriado associar todas as confissões religiosas para efeito de as considerar constitucionalmente submetidas ao mesmo sistema de relações com o Estado. É preciso, para se ser exacto, assinalar, numa fórmula adequada, que o Estado e a Igreja Católica são duas entidades soberanas e independentes na sua respectiva ordem, são duas entidades cujo direito próprio não tem a fonte ou o fundamento da sua validade numa norma, pertencente à outra entidade soberana; e que têm naturalmente de regular as relações entre si, como partes colocadas em pé de igualdade jurídica, par acordos e por "concordatas" - dado que os fiéis são, ao mesmo tempo, cidadãos portugueses e que os interesses que uma e outra prosseguem não se encontram separados, requerendo uma colaboração entre ambas. As relações do Estado com as outras confissões são diferentes: estas sim, são separadas do Estado, no sentido de que este não interfere com a sua autonomia privada, salvo na medida estrita em que lhe cumpre salvaguardar os interesses da "ordem pública"; e o seu respectivo "direito" tem o fundamento da sua validade na própria ordem jurídica estadual.
A parte majoritária da Câmara, sem embargo de também entender que as relações do Estado Português com a Igreja Católica se baseiam na independência e subentendem a colaboração entre os dois poderes, propende para