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16 DE MARÇO DE 1971 637

dosa e das relações do Estado com a Igreja Católica e demais confissões."

Artigo 45.°

62. O artigo 45.°, como aliás todo o título X, versando problemas constitucionais de ordem religiosa, como que se furta, pudicamente, a referir o nome de Deus, que é justamente a Quem se dirige o culto de que se fala. Se é discutível que num Estado aconfessional, como é o nosso, a Constituição se deva colocar sob a invocação do nome de Deus, como há quem pretende, se é ainda mais discutível que deva ser na altura de uma revisão dela que tal invocação se há-de introduzir no seu texto ou no seu pórtico, não parece sê-lo que, no lugar em que mais amplamente se alude àqueles referidos problemas constitucionais de ordem religiosa, seja censurável procurar o legislador constituinte fórmulas hábeis para se dispensar de a Ele fazer alusão. Proceder assim é quase, da parte do legislador constituinte, tomar uma posição confessional "ao contrário", uma atitude confessional de sinal oposto, quando na verdade não foi essa seguramente a sua intenção. Deverá, portanto, nesta oportunidade, o legislador de revisão, ao modificar várias das disposições do título X, usar, sem respeitos humanos, da linguagem apropriada, não deixando, como é naturalíssimo, de mencionar aí o nome de Deus, um nome que leis fundamentais bem modernas de países nada suspeitos de confessionalismo (a Câmara está a lembrar-se, por exemplo, da República Federal da Alemanha, da Tunísia, do Gabão, entre tantos outros) empregam e invocam sem reticências.
Entende a Câmara que, correspondendo a esta directriz, no artigo 45.° se pode começar por dizer que o Estado assegura a liberdade do culto de Deus.
Poderá objectar-se que na Igreja não se presta apenas culto a Deus, mas também à Virgem, aos anjos e aos santos e bem-aventurados. Todas as honras e homenagens dirigidas a estes se referem a Deus, e só são dignos leias porque são amigos de Deus, Lhe estão inseparavelmente unidos e participam da Sua glória (cf. J. A. da Silva Marques, "Culto", in Verbo - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 6).
É possível que surja ainda a crítica de que num país como o nosso, em que certas populações, sem chegarem a ser propriamente politeístas, praticam entretanto cultos animistas, não é legítimo ter em vista e garantir apenas as práticas religiosas monoteístas. Será, entretanto, fácil responder que não ó essa a intenção do legislador, e que politeístas e animistas encontrarão em tal texto, sem dúvida nenhuma, bom fundamento para reivindicarem a sua liberdade de culto e de ritos.

63. A Igreja admite que a liberdade religiosa e, consequentemente, a de culto e de organização sofram limites, como se pode verificar lendo a citada Declaração sobre a Liberdade Religiosa. O artigo 45.° respeita também, neste aspecto, a sua doutrina. A única questão que se pode pôr é a de saber se, de acordo com tal Declaração, é lícito consignar-se como limite à liberdade das confissões religiosas o respeito pelos princípios fundamentais da ordem constitucional e pela ordem social definida na Constituição. Para negar legitimidade a esse limite seria necessário demonstrar que a lei fundamental não consagra normas "conformes com a ordem moral objectiva, exigidas pela tutela eficaz e pacífica harmonia dos direitos de todos os cidadãos, pelo suficiente zelo pela honesta paz pública, que é a ordenada convivência na verdadeira justiça, e pela devida salvaguarda da moralidade pública". Tudo isto, que "constitui uma parte fundamental do bem comum e brota da noção de ordem pública", é o que precisamente a Constituição procura assegurar e promover. Não parece, portanto, haver qualquer fundada divergência entre o que se consigna na proposta, em matéria de limites à liberdade de culto e de organização religiosa, e os ensinamentos da Igreja.
Neste artigo, e quanto a este ponto, retoma-se, afinal, a posição que está hoje definida no § único do artigo 46.° e no artigo 139.° Falta apenas a referência aos tratados e convenções internacionais, a que se alude hoje no último destes preceitos, mas essa omissão é propositada e irrelevante, dado o princípio geral que se consigna nos artigos 3.° e 4.°

64. A Câmara sugere, assim, a seguinte redacção:

O Estado assegura a liberdade do culto de Deus, bem como a de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional, nem atentem contra a ordem social e os bons costumes e desde que o culto praticado respeite a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas.

Artigo 46.° (corpo do artigo)

65. A Lei n.° 2048, de 11 de Junho de 1951, veio introduzir no artigo 45.° da Constituição a afirmação de que é livre o culto da religião católica como culto da religião da Nação Portuguesa, com vista a pôr em realce a particular posição de que no nosso país, em comparação com as outras confissões religiosas, goza essa religião.
Esta declaração constitucional merece várias críticas. A primeira consiste em fazer notar que, deste modo, se disfarça mal um certo desvio ao "regime de separação", também proclamado na lei fundamental, na direcção do "regime de união" ou de religião oficial, tão inconveniente para a Igreja Católica como para o Estado. Depois, observa-se que na Nação Portuguesa não se professa só essa religião nem apenas uma das grandes religiões monoteístas - e que, em rigor, é mesmo inexacto que a religião católica seja hoje a religião da maioria dos portugueses, ao contrário do que, de algum modo, é sugerido por aquela fórmula. Finalmente, pode dizer-se que não faz grande sentido afirmar que o culto da religião católica é livre como "culto" da Nação Portuguesa: ele ó livre porque é tradução de um direito fundamental das pessoas e das comunidades religiosas em que estas se integram.
Na proposta em apareço transparece a ideia de que o legislador constituinte, se reconhece que o Estado não tem religião oficial, não pode ignorar as relações muito especiais que na realidade existem e estão consagradas entre a Nação Portuguesa e a Igreja Católica. Esta não é posta em verdadeiro pé de igualdade com as outras confissões religiosas. Enquanto estas são organizações de direito privado, meramente lícitas, que actuam sob a tutela ou contrôle do Estado, como outras organizações ou entidades de direito privado, a Igreja Católica é reconhecida como uma entidade soberana, dispondo do seu próprio direito e mantendo relações com o Estado Português, do tipo das que se estabelecem de Estado com Estado, isto é, relações bilaterais ou convencionais. Por outro lado, nos termos da Concordata em vigor, cabe à Igreja e à religião católica um certo número de regalias que não são concedidas em Portugal a nenhuma outra confissão ou religião - facto que inquestionavelmente se deve a que o Estado Português não toma uma posição inteiramente neutral perante os valores religiosos próprios do catolicismo, antes reconhece uma superioridade ética a esses valores ou, de qualquer modo, reconhece