16 DE MARÇO DE 1971 631
Entretanto, no modo de ver desta Câmara, o teor do preceito que se pretende ver agora introduzido na Constituição merece uma observação e carece de um retoque. O retoque a fazer visará prover a que neste novo preceito se englobem não apenas os recursos contenciosos de anulação de actos administrativos, os únicos considerados, mas também os recursos de "mérito" e os recursos de plena jurisdição (acções, na técnica das nossas leis), referidos a actos administrativos, em que se não trata apenas de averiguar em que medida esses actos são juridicamente incorrectos ou não foram praticados de acordo com uma norma, e também de decidir se e em que medida ofenderam os actos subjectivos de um administrado, terminando o tribunal eventualmente por condenar a Administração a uma prestação ou mesmo por se substituir a ela, rectificando ou reformando esses actos. No contencioso fiscal e aduaneiro, no contencioso eleitoral, no contencioso da responsabilidade extracontratual, no contencioso dos contratos administrativos e no contencioso administrativo penal, por exemplo, o recurso contencioso a utilizar, ante um acto da Administração lesivo de direitos de um particular, pode ser, não um recurso de anulação, mas um recurso de "mérito" ou um recurso de plena jurisdição. Na medida em que a lei admita só estes tipos de recurso, não se poderá dizer que aos particulares se não faculta uma tutela jurisdicional adequada, que é, por sinal, mais favorável.
Deverá, assim, de preferência à fórmula proposta, utilizar-se outra que traduza a ideia de que constitui garantia dos cidadãos haver recursos contenciosos de anulação dos actos administrativos definitivos e executórios de que não caiba outra forma de recurso contencioso; ou então, simplesmente, a ideia de que haverá sempre recurso contencioso dos actos administrativos.
Uma observação. Existe toda uma categoria de actos, relativos a administração dos serviços judiciais. Alguns deles são susceptíveis de impugnação perante instâncias independentes, que devem, enquanto julgam da regularidade jurídica desses actos, ser consideradas instâncias contenciosas, tribunais especiais do contencioso administrativo. E o que sucede com os presidentes das Relações, o Conselho Superior Judiciário, o Conselho Superior do Ministério Público e o Supremo Conselho Disciplinar, nos termos dos artigos 515.° e seguintes do Estatuto Judiciário. O controle contencioso destes actos definitivos e executórios está, assim, desde já, melhor ou pior; assegurado, em termos de se dar cumprimento ao preceito que ora se pretende adicionar ao artigo 8.° da Constituição.
Parece haver, entretanto, outros actos da administração dos serviços judiciais de que não há instituído recurso contencioso, conforme se depreende do artigo 407.°, 4, do Estatuto Judiciário. A aprovação deste novo preceito constitucional obrigará a que o legislador proveja à instituição dos recursos de que aí prescinde.
Convém, por outro lado, referir aqui que os actos dos vários agentes ou magistrados do Ministério Público que precedem os julgamentos e em particular os actos de polícia judiciária, não vêm sendo considerados susceptíveis, corridas as instâncias hierárquicas, de recurso contencioso de anulação. A doutrina comum entende que tais actos são, pela finalidade jurisdicional que visam, actos materialmente jurisdiciornais, ainda que da competência de agentes administrativos, excluídos por isso mesmo da acção fiscalizadora de tribunais, comuns ou especiais, do contencioso administrativo. (Problema diferente ó o de saber S8, dada, justamente, a natureza jurisdicional de tais actos, eles não deveriam, ante o artigo 116.° da Constituição, caber na competência exclusiva de um juiz, embora diferente do juiz da audiência de discussão e julgamento. Desse problema não se cuida, aqui.)
Não merecerá também contestação que não são susceptíveis de recurso contencioso (de anulação e de plena jurisdição) os actos do "Executivo" que tenham a natureza de "actos de governo" ou de "actos políticos". Já, porém, como se disse, os actos administrativos que a lei ordinária especialmente subtraia ao controle contencioso dos tribunais, aos quais poderemos chamar "actos formalmente políticos", porque são substancialmente actos administrativos, passarão a ser contenciosamente impugnáveis, passando a ser inconstitucionais os preceitos das leis ordinárias que consagram a sua subtracção à fiscalização contenciosa.
46. Em conclusão, parece que a melhor redacção para o proposto n.° 21.° do artigo 8.°, em apreço, será esta:
Haver recurso contencioso em caso de lesão de direitos ou interesses legítimos por actos da administração pública.
Aproveitam-se, nesta redacção, dados do direito constitucional comparado: do artigo 19.°, 4, da Lei Fundamental Alemã, e do artigo 113.° da Constituição Italiana.
Artigo 8.°, § 2.º
47. A diferença entre o texto proposto e o texto em vigor traduz-se, afinal, apenas em se prever que a lei (uma lei especial) regulará o exercício da liberdade religiosa. Não se levantam dúvidas sobre a conveniência de o exercício desta liberdade fundamental ser regulado pela lei ordinária, sobretudo tendo em conta que ela interfere com interesses sociais que o poder civil não pode ter por indiferentes ao bem comum temporal. Essa liberdade terá, aliás, que sofrer limites, como haverá ocasião de referir em comentário ao proposto artigo 45.°
Tome-se nota, entretanto, de que não entra no elenco das liberdades dos cidadãos portugueses, estabelecido no artigo 8.°, qualquer número que especifique a liberdade religiosa. Os vários direitos em que ela se analisa estão mencionados em mais que um lugar da Constituição, como em apreciação à proposta nova epígrafe do título x da parte i se referirá. Da "liberdade religiosa", formalmente, fala-se incidentemente neste § 2.° e volta a falar-se nessa epígrafe. Mas não há, por causa disso, nenhuma substancial inovação neste domínio, prevista na proposta de lei.
Artigo 8.°, § 3.º
48. Neste parágrafo perfilhou-se a ideia de que a prisão preventiva ó essencialmente excepcional. Sabe-se que o problema da prisão preventiva resulta da concreta antinomia entre o valor individual da liberdade e o interesse social da prevenção e da repressão criminais. Se aquele valor implica que ninguém seja privado da sua liberdade antes de ter sido julgado e condenado judicialmente como autor responsável de um delito, aquele último interesse justificará uma prisão anterior à condenação, para impedir que o delinquente se mantenha na possiblidade de, entretanto, cometer novos delitos, para assegurar que ele se não subtraia às consequências penais que lhe venham a ser impostas, e para prevenir a integridade das provas e de quaisquer outros elementos de esclarecimento e de fundamentação jurídico-criminais. Ora, sendo a Uberdade um valor superior e fundamental, a solução correcta, de iure condendo, será justamente aquela que sacrifique a liberdade apenas na medida estritamente necessária - e só enquanto o for - para dar satisfação às exigências de