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16 DE MARÇO DE 1971 621

trata de outra coisa senão de dizer numa fórmula mais sintética o que já hoje se encontra dito ou subentendido na segunda parte do vigente artigo 4.°
Crê-se - encurtando razões - que o sentido útil deste inciso é evidenciar que os órgãos da soberania, no exercício desta, devem proceder em termos de não infringir as normas fundamentais da moral cristã, relativa às relações entre o Poder e os súbditos e entre potestades soberanas; e bem assim as do direito natural, entendido este como o vêm concebendo os jusnaturalistas católicos.
Há todo um conjunto de preceitos e directrizes ético-religiosas e ético-jurídicas que têm os órgãos da soberania, os poderes do Estado, como destinatários, quando estes actuam, seja no âmbito da ordem jurídica interna, seja no âmbito das relações internacionais. Por força de uma locução como aquela de que se está fazendo sintética comentário, constitui limite à actuação discricionária os órgãos da soberania, além dos preceitos da constituição escrita, explicitados em regras melhor ou pior formuladas, um certo número de princípios não escritos, um certo número de "princípios gerais de direito constitucional" a que o legislador constituinte se não considerou capaz de dar a devida expressão formal. As constituições não têm, ao menos não têm hoje em dia, um carácter estritamente positivo; são de preferência um simples instrumento de moralização do poder. Devem entender-se fundamentalmente como descrevendo um ideal de vida comunitária, proclamando os princípios fundamentais da ética nacional e internacional 1, pelo que bem se compreende que, em vez de ser ambicioso na pormenorização técnica de uma regulamentação positiva da acção do Estado, o legislador constituinte se contente com devoluções para os domínios normativos que, com um mínimo de precisão, incorporem esses princípios fundamentais.
Ora, entre as normas de direito natural ou, se se quiser, entre os princípios gerais de direito constitucional, respeitantes às relações internacionais, estão os seguintes: pacta sunt servanda e consuetudo est servanda; e deles resulta, portanto, que o Estado Português deve, nas suas relações internacionais, submeter-se ao direito internacional, tanto ao pactício como ao consuetudinário, como o texto actual explicitamente se diz.
Quanto ao dever de cooperar com outros Estados na preparação e adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao progresso da Humanidade, trata-se, na realidade, de um imperativo da moral cristã.
Julga-se, assim, que a especialização que sobre a vinculação da soberania externa portuguesa por normas deste tipo é feita no vigente corpo do artigo 4.° e no texto do § 2.° deste artigo, agora proposto, è (c)m rigor dispensável. Entretanto veja-se o que, em comentário à redacção de tal • 2.°, adiante se dirá.

Artigo 4.°, § 1.º

15. Um primeiro reparo se impõe fazer ao parágrafo proposto, agora em apreço, que ó o seguinte: nada se diz neste preceito sobre como se passam as coisas quando é o direito internacional comum ou geral (direito consuetudinário internacional e princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas) a vincular o Estado Português, a impor-lhe que se conforme, na sua ordem interna, às obrigações que desse direito constam.
Entende esta Câmara que, uma vez que o problema dos processos ou dos meios segundo os quais ao Estado cabe dar execução às normas de direito internacional é abordado pela Constituição, convirá encarar também aquele outro aspecto desse problema, consagrando-se explicitamente o sistema mais geralmente seguido, a este respeito, nos ordenamentos constitucionais ou, de qualquer modo, normalmente observado pelos tribunais internos. Refere-se a Câmara ao sistema da adopção automática global em direito nacional das normas de direito internacional comum, segundo o qual a integração destas normas no direito interno se faz independentemente da incorporação dele por um acto estadual criador de normas correspondentes ao conteúdo preceptivo desse direito. Mas, na esteira do que se verifica ser prática constante dos tribunais da maioria dos Estados, deve ficar esclarecido que o sistema da recepção automática e directa só funciona em relação às normas de direito internacional geral (ou geralmente reconhecido) a que Portugal tenha dado adesão, expressa ou tácita. Desta sorte, será inquestionável que em direito interno não valerão aquelas normas de direito internacional geral cuja aplicabilidade seja afastada por um preceito de direito interno em contrário, não se afigurando, portanto, aconselhável seguir, no nosso direito, a directriz perfilhada em certos outros, de acordo com a qual o direito internacional geralmente aceite tem sempre supremacia sobre as normas contrárias de direito interno. Julga-se, nestes tempos que vão propícios à criação de costumes internacionais contrários aos interesses das pequenas potências ou de algumas delas e até contrários à sua expressa vontade, que não é a altura de se perfilhar, no plano constitucional, um sistema segundo o qual o direito internacional comum tem superioridade, pro foro interno, sobre o direito nacional. Seria pagar um tributo a uma concepção internacionalizante, que nada nos obriga a satisfazer de pronto. Fiquemo-nos pela consagração explícita do velho princípio blackstoneano "international law is part of the law of the land", com o significado que tanto os tribunais ingleses como a generalidade dos restantes lhe vem dando - e que é aquele que acaba de ser fixado.

16. Se não se pronunciou sobre a forma de dar cumprimento na ordem interna ao direito internacional geral, a proposta toma partido quanto ao mesmo problema em relação ao direito internacional convencional ou particular.
A este respeito, convém salientar, preliminarmente, que o direito internacional não contém disposições que imponham um certo processo ou uma certa técnica sobre a incorporação dos tratados na ordem jurídica interna, exactamente como também sucede com o direito internacional geral. Os Estados apenas estão internacionalmente obrigados a introduzir ou receber na sua ordem jurídica própria as normas do direito internacional pactício, destinadas a serem aí incorporadas.
Costuma dizer-se, para exprimir incisivamente esta ideia, que o Estado está submetido a uma obrigação de resultado e não a uma obrigação de meios.
É assim que o legislador constituinte tanto pode prescrever que as estipulações dos tratados só serão recebidas na ordem estadual por meio de um acto específico de direito interno (sistema da recepção especial, individual, individualizada, formal ou específica, também chamado sistema da transformação), o qual tanto pode ser um acto normativo interno (sistema da transformação explícita) como a lei de aprovação desse tratado (sistema da transformação implícita), como pode dispor que os tratados em que o Estado seja parte penetram na sua ordem jurídica pelo simples facto da sua entrada em vigor na ordem jurídica internacional, em seguida à observância de um

1 Cf. P. de Visscher, "Les tendances internationales des constitutions modernes", in Recueil des Cours, Académie de Droit Internationale de la Hahie, I, 1952, p. 516.