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26 DE MARÇO DE 1971 623

Artigo 4.°, § 2.°

18. Já se disse atrás, com referência à redacção proposta pelo Governo para o corpo do artigo 4.°, que não é, rigorosamente, necessário afirmar-se senão que a externa do Estado Português, tal como a sua interna, se encontra limitada pela moral e pelo direito, uma vez que, conforme se esclareceu, entre os do direito natural referentes à comunidade internacional estão as normas pacta sunt servanda e consuetudo est servanda, e que a própria moral cristã impõe ao Estado Português que coopere com outros Estados na preparação e adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao progresso da humanidade.
Parece que esta última declaração é, em estritas contas, desnecessária, ante o facto de ficar agora explicitado que a soberania do Estado Português se considera, tanto no âmbito das relações internas como no âmbito das relações internacionais, subordinada à moral e ao direito (natural). Aliás um autor tão autorizado como P. de Visscher considera destituídas de todo o interesse e inteiramente supérfluas declarações deste tipo 4.
Rigorosamente, a própria declaração de que o Estado Português preconiza a arbitragem como meio de dirimir os litígios internacionais seria dispensável pela mesma razão, uma vez que se trata de uma simples directriz de ordem ética, que nada de especial acrescenta à afirmação geral de que a soberania do Estado Português reconhece (na ordem externa) as limitações impostas pela moral e pelo direito (natural).
Simplesmente, tais declarações já vêm de trás (a última vem da Constituição de 1911, artigo 73.°) e talvez que fosse mal interpretada a formal eliminação de tais cânones específicos, respeitantes às relações externas do Estado Português.
Assim, inclina-se a Câmara para a sua sobrevivência. Como entretanto se trata de matéria que representa uma simples especificação do que fica afirmado no corpo do artigo 4.°, sugere-se que o § 2.°, limitado a esta afirmação, surja como § 1.°, enquanto o § 1.° passará a § 2.°

Artigo 5.° (corpo do artigo)

19. O Estado unitário é compatível com uma certa descentralização da função legislativa, que pode caber em parte a órgãos electivos de comunidades territoriais mais ou menos amplas, e, inclusive, com órgãos executivos locais, eleitos pelos referidos órgãos legislativos ou pelo povo, directamente. Para se falar em uma tal "forma de Estado", não é, portanto, necessário pensar em que todas as funções estaduais sejam exercidas por órgãos centrais do ente público máximo, por órgãos do Estado, em suma, ou por eles e por órgãos subalternos locais, em favor de quem se opere uma desconcentrarão de funções. A descentralização administrativa e a própria descentralização legislativa (especialmente se a sanção das leis pertencer a um órgão central ou a um local subalterno ou agente daquele) são geralmente consideradas compatíveis com o princípio da unidade política do Estado. Um direito de legislação e administração autónomas, em domínios circunscritos pela Constituição do Estado, não contradiz a unidade deste. Em tais casos, as leis com esta origem descentralizada são leis do Estado de que faz parte a comunidade descentralizada.
O Estado só assume a forma de Estado composto na fedida em que a certas comunidades territoriais sejam conferidos ou reconhecidos poderes constituintes, dentro dos limites fixados na constituição do Estado. E esta autonomia constitucional das comunidades territoriais que faz delas "Estados membros" de um Estado composto (Estado federativo), e distingue este de um Estado unitário relativamente descentralizado no plano legislativo e no plano executivo. As comunidades territoriais personalizadas, quando dotadas de competência legislativa e administrativa própria, a exercer por órgãos próprios, não são Estados (Estados membros de um Estado federativo): são "regiões" ou "províncias", integradas num Estado unitário. A sua constituição é a constituição do Estado como um todo, como uma unidade, não a constituição de uma parcela territorial e populacional autónoma desse Estado. A competência constitucional, o poder constituinte, em suma, está inteiramente centralizado nas mãos de um órgão (o monarca), nas mãos de uma única assembleia constituinte ou directamente nas mãos de toda a população do Estado - de toda a Nação. Não há aqui nenhum dualismo constitucional, antes simples monismo - e é por isso que as "regiões" ou "províncias" não quebram a unidade política do Estado, que continua unitário, enquanto os Estados membros de um Estado federativo implicam com a sua unidade e fazem dele, neste sentido, um Estado composto. No Estado composto, os Estados membros têm, cada um deles, a sua própria constituição, que repousa sobre o seu próprio poder e vontade, sobre a sua própria soberania, embora limitada pela constituição federal. Os Estados membros ou federados têm poderes constituintes próprios, se bem que restritos - circunstância que legitima que deles se fale como de "Estados". Este poder de auto-organização constitucional, ainda que limitado pela constituição do Estado federal, é o sinal da estadualidade, um sinal que não existe nas "províncias" ou "regiões", as quais não possuem, na verdade, um poder próprio desta ordem, numa esfera própria: a sua organização vem-lhes do Estado, como lei deste Estado. Um Estado membro de um Estado federativo, auto-organizando-se constitucionalmente, institui os seus órgãos próprios, competentes para realizar funções estaduais, no seu domínio e extensão particulares: órgãos legislativos, órgãos administrativos e órgãos jurisdicionais próprios 5.

20. Não está prevista competência para as regiões autónomas, de que ora se fala, se darem a si próprias, desde já ou no futuro, constituições particulares.
As únicas regiões autónomas que na proposta se individualizam são as províncias ultramarinas (se bem que nada se oponha a que outras comunidades territoriais assim venham a ser consideradas, em legislação ordinária - por exemplo, os distritos autónomos das ilhas adjacentes, aos quais falta, hoje em dia, para o serem, competência legislativa propriamente dita).
Ora, se é certo que na redacção proposta para os artigos 133.° e 134.° da Constituição se prevê que as províncias ultramarinas terão estatutos próprios como regiões autónomas, em que se estabelecerá a organização política e administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do seu desenvolvimento, certo é também que

1 Cf. ob. cit., pp. 518 e segs.
5 Os pontos de vista expressos reconduzem-se, fundamentalmente, aos de J. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, 2.ª ed., pp. 475 e segs., e ed. francesa, II, pp. 147 e segs; e de Carro de Malberg, Téorie Générale de l'État, I, pp. 174 e segs. Ver, por último, com maior rigor, entre outros, H. Kalsen, General Theory of law and State, 1949, pp. 316 o segs. Ver também Prof. Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6.ª ed., I, pp. 133 e segs.; e Pietro Virga, Diritto Constituzionale, 6.ª ed., 1967, pp. 399 e segs., entre muitos outros.