17 DE FEVEREIRO DE 1972 1143
É o afã de industrialização que se vive nas economias do Terceiro Mundo e que já vamos sentindo na agressiva concorrência sofrida por algumas das nossas exportações tradicionais. É a constituição de blocos «regionais» do mercado que acrescem a intercomunicação económica entre os países que deles participam e induzem novos arranjos de comércio internacional. É a pressão do mundo subdesenvolvido para obter «preferencias pautais não recíprocas» que facilitem o acesso das suas produções industriais aos mercados mais evoluídos e que começa a dar frutos bem concretos. É a presença crescente, nos mercados mundiais, das economias socialistas, cujo «comércio de Estado» largamente utiliza «preços políticos», tantas vezes sem relação normal com os custos de produção. É a utilização desordenada de certas formas de auxílio à exportação, igualmente susceptíveis de distorcer as condições de saudável concorrência. É a proliferação de tentaculares empresas multinacionais, destinadas a pesar mais e mais na afectação dos recursos produtivos e na modelação das correntes de troca e cuja orientação, maiormente definida em função de interesses alheios, nem sempre se casa, pelo melhor, com os interesses de cada economia nacional.
Outros tantos - e não são os únicos - factores que trabalham para um diferente ordenamento do comércio mundial e induzem nova trama de especializações nacionais cujos contornos se vão já esboçando. É, por exemplo, visível a tendência dos países industrializados a concentrarem recursos nos sectores que exigem mais volumosos capitais de investimento e que maiormente dependem da investigação científica, com relativa subalternização das produções ligeiras e tecnològicamente rudimentares.
Não pode a Câmara aprofundar muito esta linha de explanação. Mas afigura-se que quanto já foi dito legitimará a conclusão que por agora interessa: também este diferente condicionalismo exterior em que o nosso desenvolvimento terá de inscrever-se nos aconselha o realinhamento do dispositivo de política industrial.
§ 3.º - Os grandes lineamentos da política industrial
12. Registadas as circunstância que, no entender da Câmara, inculcam a reformulação da nossa política industrial, cumprirá agora um rápido aceno aos grandes lineamentos de uma tal política e às mais próximas condições da sua eficácia.
Tem-se presente a prática impossibilidade de aqui examinar a fundo um e outro desses temas - em muitos casos mal se passará da enunciação dos seus aspectos mais salientes. Mas entende-se, assim mesmo, que o seu rápido bosquejo fornecerá a necessária moldura - ou quadro de referência - para o subsequente exame da proposta: da sua economia global como das concretas disposições que a integram.
13. Toda a política se propõe realizar determinadas finalidades mediante a ordenada utilização de certos meios. Instrumentos e objectivos (que aqui se entendem na acepção mais ampla, como equivalendo às finalidades) são mesmo a primeira dicotomia dos manuais que se ocupam de política económica. Os quais também logo ensinam que a perfeição de uma política dependerá da bondade intrínseca dos objectivos do grau de compatibilidade entre eles, da judiciosa eleição dos meios, do seu correcto doseamento: e, quando se trate de políticas sectoriais, do seu alinhamento e coerência com a política económica geral.
A verdade é que, passados ao mundo das coisas, os esquemas deste género nos deixam um tanto desamparados pela sua manifesta incapacidade para colherem todas as dimensões da política concreta.
Desde logo, porque entre os «objectivos últimos» que a política prossegue e os «puros instrumentos» cuja manipulação desencadeará todo o processo se interpõe uma cadeia mais ou menos extensa de modificações, em diferentes esferas da realidade: modificações que por isso revestem, a um tempo, a dupla natureza de «objectivo» e «instrumento».
Tome-se, para exemplo, o impulso ao «ritmo de crescimento do produto industrial», que será, ao menos em perspectiva sectorial, um objectivo último. E um puro instrumento, qual seja a «isenção de direitos devidos pela importação de bens de equipamento».
A isenção pode estimular, por exemplo, a compra de máquinas adicionais e, através dela, a ampliação de uma empresa, que melhorará em dimensão, cem benefício da sua produtividade: o que lhe acrescerá a capacidade competitiva nalgum mercado aí a ajudando a expandir a sua posição: coisa que finalmente contribui para o crescimento do produto industrial.
Nem sempre o nexo entre o instrumento e o objectivo será assim tortuoso; mas raramente será directo e linear. E isso ajudará a esclarecer não poucos insucessos da política.
O que porém interessa, por agora, é sublinhar quanto são delicadas, em termos de construção de uma política, a sistematização e a seriação teleológica - e até valorativa - de tantos objectivos intermédios, ainda instrumentais relativamente a outros de ordem «superior», e que normalmente competem entre si, dada a natureza política e onerosa da generalidade dos instrumentos da política.
Exemplifique-se uma vez mais.
As isenções fiscais são um meio oneroso: pois erodem a base tributária e forçam o Estado a agravar imposições noutras zonas da economia. E são um meio polivalente: podemos usá-las para estimular a investigação aplicada, ou a constituição de agrupamentos, ou a reorganização interna das empresas, ou directamente a exportação, ou genèricamente os novos investimentos fim certos ramos produtivos, ou tantos outros «objectivos instrumentais». E entre eles (ou apenas alguns deles) haverá que reparti-las ou descá-las com critério de eficiência.
Mas isso supõe algumas necessárias e difíceis opções entre esses objectivos, que apenas poderiam decidir-se seguramente se seguramente pudessem hierarquizar-se sob o ângulo da sua eficácia instrumental relativamente aos objectivos derradeiros. Problema que não poderá resolver-se com o desembaraço de quem resolve um sistema de poucas equações a outras tantas incógnitas: mas que solicita e merece que se lhe busquem algumas soluções aproximativas, embora não primordialmente do foro de uma lei-quadro, apenas chamada a acolher «as normas básicas da política industrial».
Nem se pense que este problema da graduação dos objectivos seja meramente académico. A política industrial não poderá - nem obviamente o quer no caso presente - dispersar perdulàriamente os seus recursos no indiscriminado auxílio a quanto possa apresentar-se como indústria. Tem de fazer as suas opções: já atrás foi dito, e adiante se reiterará quando se abordarem as suas condições de eficácia. E o próprio projecto, nesta linha optativa., repetidamente condiciona os apoios ou estímulos nele previstos à prossecução dos «objectivos enunciados na base IV». (Cf. bases XVII e XXI do projecto.)
14. Os objectivos últimos da política industrial naturalmente farão eco, na esfera da indústria, às grandes