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1384 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 97

presentear mais da décima parte dos votos conferidos por todas as acções emitidas, nem mais de uma Quinta parte dos votos que se aparecem na assembleia geral».
O Decreto n.º 12 251, de 30 de Agosto de 1926, rectificado no Diário do Governo, n.º 202, de 11 de Setembro do mesmo ano, aditou a esse parágrafo um novo período, do seguinte teor: «Exceptua-se o Estado, que, nas sociedades a que se refere o artigo 178.º, terá tantos votos quantos os correspondentes às acções que a seu favor estiverem depositados ou averbadas.»

3. O referido § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial, no seu texto inicial, terá sido ditado, no dizer do Prof. José Gabriel Pinto Coelho, por um intuito democrático: «destina-se a limitar o poder ou a influência que os grandes capitalistas, os possuidores de grande número de acções, detentores, portanto, de um capital avultado dentro da sociedade, poderiam exercer nas decisões sociais, apagando a vontade dos pequenos accionistas, portadores de número muito restrito de acções».
Para o aditamento introduzido pelo Decreto n.º 12 231 nenhuma explicação foi dada.
O decreto não é precedido de qualquer relatório justificativo: e se alguma ideia dele poderá extrair-se, é a de que se quis dar ao Estado um poder pràticamente ilimitado, contrariando a finalidade atribuída ao § 3.º pelo autorizado sector da nossa doutrina que fica referido.
Vamos ver, porém, se essa finalidade se justifica.
A nossa lei regula fundamentalmente cinco tipos de sociedades: em nome colectivo (artigos 151.º a 161.º do Código Comercial), anónimas (artigos 162.º a 198.º do mesmo Código), em comandita (artigos 199.º a 206.º, ainda do Código Comercial), cooperativas (artigos 207.º a 223.º do mesmo Código) e por quotas (Lei de 11 de Abril de 1901).
As primeiras são sociedades de pessoas, em que a responsabilidade dos sócios é solidária e limitada; e, por isso, bem se compreende que nelas predomine o sistema de se conferir um voto a cada pessoa, qualquer que seja o seu capital.
O mesmo acontece nas sociedades em comandita simples, em que não haja representação do capital por acções, pois tais sociedades são reguladas pelas disposições que disciplinam as sociedades em nome colectivo (artigos 199.º e 201.º do Código Comercial).
As cooperativas não merecem aqui referência especial, porque têm de adoptar para a sua constituição uma das for mas preceituadas no artigo 105.º (artigo 207.º).
Mas no que respeita às sociedades anónimas e às sociedades por quotas já o regime é mais complexo.
As sociedades anónimas são conhecidas de capital que se agrupam sem se entender a quem os subscreve. A responsabilidade dos accionistas é limitada ao valor das acções que possuíram. Por isso, o regime da formação da vontade social nas assembleias gerais é o da pluralidade de votos, claramente consignado no § 2.º artigo 183.º do Código Comercial.
Semelhante é o sistema que a nossa lei consagra para as sociedades por quotas, que são também sociedades de capitais, embora por força do artigo 39.º da Lei de 11 de Abril de 1901 e do § 2.º desse artigo6, as deliberações são tomadas à pluralidade de votos e a cada quota corresponderá, em princípio, um voto por 250$ do capital respectivo, nada impedindo que um único sócio, apenas com os seus votos, determine as decisões da assembleia.
Ora, não faz sentido que em dois tipos de sociedades de capitais a lei regide de modo diferente a forma de contagem dos votos, possibilitando situações anormais como a que se verificará na hipótese de numa sociedade anónima em que um accionista detenha 70 por cento do capital social, nove accionistas, apenas com 30 por cento desse capital, imporem soberanamente a sua vontade, votando com os seus 30 por cento em sentido oposto ao do accionista majoritário, uma vez que este, à face da lei vigente, só poderá ver contados votos correspondentes a 10 por cento de todo o capital.
Há, sem dúvida, que proteger as minorias, mas sem ofensa dos direitos daqueles que detêm a maioria dos votos; e as leis que em tal sentido se promulgarem é que terão um intuito democrático. A sobreposição da vontade das minorias à das maiorias é a negação da própria democracia.
O relatório do presente projecto de decreto-lei põe, aliás, este problema com toda a clareza, ao acentuar que «as verdadeiras medidas de uma eficaz tutela das minorias são de índole diversa» da que se contém no § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial.
De resto, este preceito ainda menos se compreende desde que em relação ao Estado foi abolida a limitação de votos que aos demais accionistas é imposta.
Bem se sabe que, como acentuou Joaquim Garrigues, a acção do Estado se exerce em medida cada vez maior, como concorrente na economia privada7.
Mas mesmo que se aceite, seguindo Duguit8, que hoje já não pode exigir-se do Estado que assegure apenas os serviços de defesa, polícia e justiça, pois também lhe compete organizar uma série imensa de serviços industriais, e velar pelo seu funcionamento, de modo a evitar a paralisação, ainda que instantânea, desses serviços, o que não se justifica é que ao Estado accionista se permita, mesmo quando minoritário, impor a sua vontade soberana nas assembleias gerais das sociedades anónimas de que seja accionista, através da limitação dos votos dos restantes accionistas.
Suponhamos uma sociedade em que o Estado tem acções correspondentes a 40 por cento do capital social. Há mais nove accionistas, um com 52 por cento do capital e os restantes com 8 por cento. Os votos utilizáveis de todos estes somam apenas 18 por cento, nos termos da lei vigente. O Estado dominará inteiramente a sociedade, sendo sócio minoritário.
Situações dês-tas não parecem plausíveis.

4. O regime estabelecido no 3.º do artigo 183.º do Código Comercial mostra-se ainda menos aconselhável, não só em face das dificuldades que em torno da sua interpretação têm surgido, mas também por via dos expedientes adoptados para frustar o que ele dispõe.

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2 Nas assembleias gerais das sociedades anónimas.
3 Sociedades anónimas que explorarem concessões feitas pelo Estado ou por qualquer corporação administrativa ou tiverem constituído em seu favor qualquer privilégio ou exclusivo.
4 Prof. José Gabriel Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, II, p. 48. Assim, também José Tavares, Sociedades e Empresas Comerciais, 2.ª ed., pp. 308 e 309; Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, 2.ª ed., I, p. 410.
5 Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, I, p. 333.
6 Com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 43 848, de 5 de Agosto de 1961.
7 Joaquim Garrigues, Nuevos Hechos, Nuevo Derecho de Sociedades Anónimas, p. 42.
8 Duguit, Les Transformations du Droit Publique, p. 17.