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10 DE MARÇO DE 1972 1385

5. A nossa doutrina começa por estar dividida quanto ao problema de saber se a limitação de votos estabelecida no referido preceito abrange, ou não, o caso de um accionista ser ao mesmo tempo mandatário de outro.
Cunha Gonçalves sustenta opinião negativa, baseando-se no § 2.º do antigo 187.º do Código Comercial: «Se o mandante, comparecendo, podia representar as referidas décima ou quinta parte dos votos, não deve ficar privado deste direito só pelo facto de ter um mandatário, que em seu nome exercerá o mesmo direito.» Esse autor considera, ilegal e nula a restrição, por importar a privação da liberdade alheia e de um direito garantido pela lei; e afirma ser ela absolutamente inadmissível na hipótese do citado § 2.º do artigo 187.°, em que a lei expressamente permite ao mandatário representar tantos votos quantos, pelos estatutos, pertencem nos mandantes9.
Colocando-se em posição diametralmente oposta, Veiga Beirão, Adriano Antero, Mário Esteves e Pereira de Vasconcelos, opinam que o preceito se refere tanto às acções próprias do accionista como de outrem que lhe tenha dado procuração. No dizer de Adriano Antero. «o pensamento do Código, neste parágrafo, é não deixar monopolizar na mão de um só accionista, por meio de representação ou acumulação de grande número de acções, a preponderância nas deliberações da assembleia»10.
Mas Mário Esteves, partidário desta doutrina, não deixa de acentuar que as palavras explicativas do parágrafo- «qualquer que seja o número das suas acções» - parecem circunscrever os efeitos da disposição às acções do próprio accionista.
Ora, a primeira virtude das leis deve ser a sua clareza; e uma lei que se presta a interpretações díspares, como esta, sem dúvida carece de ser reformada.

6. Há, porém, mais e pior.
Ninguém desconheço que a disposição do § 3.° do artigo 183.º do Código Comercial é constantemente frustada, sem haver meio eficaz de se impor o seu respeito.
O legislador não pode abstrair das realidades nem deve ignorá-las; e é facto notório que, mediante o desdobramento de acções, a aplicação do § 3.º do artigo 183.º do Código Comercial é quotidianamente afastada.
O artigo 51.º da nossa lei das sociedades anónimas, de 22 de Junho de 1867, punia como crime o facto de alguém se apresentar a votar numa assembleia geral como proprietário de acções que lhe não pertencessem e todos os que tivessem emprestado as suas acções para falsificarem a constituição da assembleia.
O Código Comercial vigente não reproduziu, porém, esta disposição; e, embora a Relação de Lisboa, em Acórdão de 11 de Junho de 1910, ainda a houvesse considerado em vigor depois da aprovação desse Código pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, a doutrina firmou-se pacificamente no sentido de que ela fora revogada11.
O desdobramento de acções deixou, portanto, de constituir entre nós infracção penal, embora, ainda a tipifique em certas legislações, como a francesa, segundo a qual os que se apresentarem como proprietários de acções que lhes não pertençam, para intervir nas assembleias gerais, incorrem em sanções penais, nos ter-mos do artigo 13.º da Lei de 24 de Julho de 1867, modificada por decreto de 29 de Novembro de 1939)12.
É certo que a nossa lei, a nossa jurisprudência e a nossa doutrina tentaram reagir contra este estado de coisas.
A Lei n.º 1994. Na sua base VI, comina a pena do artigo 455.º do Código Penal para os que simularem a transmissão de acções de sociedades sujeitas au regime da nacionalização de capitais - mau só dessas sociedades; o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que o acordo simulatório entre os sócios votantes de uma deliberação social, com o fim de enganar e prejudicar nos lucros sociais os outros sócios em beneficio dos votantes, está incurso no referido artigo 455.º do Código Penal13; e na doutrina tem-se sustentado que a sanção contra o desdobramento ilícito de acções se encontra no artigo 146.º do Código Comercial, consistindo na nulidade da deliberação da assembleia em que um accionista tenha votado por interposta pessoa com ofensa do texto expresso do § 3.º do artigo 183.º do mesmo Código, se o excesso de votos tiver influído no resultado das votações 11.
A prova de simulação é, porem, extremamente difícil, o que praticamente impossibilita qualquer das apontadas soluções; e, por outro lado, como acima se referiu no n.º 3, nenhuma razão válida pode invocar-se, mesmo no campo da pura lógica, em favor do regime vigente em matéria de limitação de votos.
Daí que as mais modernas legislações se venham orientando no sentido de aboli-la, embora permitindo que nos estatutos se limite o número de votos de cada accionista, o que aliás se compreende porque os estatutos são, afinal, a lei directamente reguladora da vida das sociedades.
É assim que o artigo 80.º do decreto-lei brasileiro n.º 2627, de 26 de setembro de 1940, determina que a cada acção comum ou ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral, podendo os estatutos entretanto estabelecer limitações ao número de votos de cada accionista; que o § 134 da lei alemã das sociedades por acções, de 11 de Setembro de 1965, estabelece que o direito de voto se exerce em função do valor nominal das acções, podendo os estatutos, no caso de um accionista possuir várias acções, limitar o direito de voto, fixando um montante máximo ou estabelecendo gradações; e que os artigos 165.º, 166.º e 177.° da lei francesa n.º 66-537, de 24 de Julho de 1966, consignam que podem participar nas assembleias gerais ordinárias e extraordinárias todos os accionistas possuidores do número mínimo de acções exigido pelos estatutos para esse efeito, podendo, porém, ser estatutariamente limitado o número de votos de que cada accionista dispõe nas assembleias, contanto que essa limitação seja imposta a todas as acções sem distinção de categoria.
O projecto de decreto-lei insere-se precisamente; nesta orientação, que merece a concordância da Câmara.

7. O título II do projecto contém disposições tendentes a introduzir no nosso direito positivo medidas que permitam solucionar eficazmente as consequências resultantes de divergências entre sócios com igual poder do voto.
Há muito se impunha a promulgação de normas com tal finalidade.

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9 Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, I, p. 456.
10 Veiga Beirão, Direito Comercial Português, p. 72: Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, 2.ª ed., I, p. 410; Mário Esteves, «Limitação de votos dos accionistas», na Gazeta da Redacção de Lisboa, vol. 31.º, pp. 321 e 322; Pereira de Vasconcelos, Manuel das Assembleias Gerais das sociedades Anónimas, p. 263.
11 Alves de Sá, Primeiras Explicações ao Código Comercial Português, I, p. 106; Visconde de Carnaxide, Sociedades Anónimas, p. 337: Gazeta da Redacção de Lisboa, vol. 24.º, p.191.
12 Escarra, Conre de Droit Commercial, p. 514.
13 Acórdio de 31 de julho de 1963, na Receita dos Tribunais, vol. 81., p. 358.
14 Visconde de Carnaxide, Sociedades Anónimas, p. 356; Adelino da Palma Carlos, em O Direito, vol. 103.º, p. 245.