1388 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 97
Pelo menos em relação ao caso do artigo 155.º do Código Comercial, sempre se entendeu que a revogação da cláusula conferindo a administração só poderia alcançar-se mediante a rescisão do contraio de sociedade, e não mediante a revogação daquela cláusula.
Os sócios tinham à sua opção dois caminhos: ou a nomeação de um administrador ou a dissolução da sociedade.
Agora, pelo projecto, podem sempre, desde que ocorra justa causa, e qualquer que seja a espécie de sociedade, obter a destituição do administrador ou gerente, nomeado ou não no pacto social, sem serem forçados a pedir a rescisão do contrato da sociedade. A inovação é judiciosa.
11. Por todas as razões expostas, a Câmara Corporativa dá parecer favorável, na generalidade, ao projecto do decreto-lei n.º 9/X.
II
Exame na especialidade
12. O projecto mantém a redacção do corpo do artigo 183.° do Código Comercial e dos seus §§ 1.º e 2.°, dá nova redacção ao § 3.°, adita-lhe um § 4.° e passa a §§ 5.º e 6.º os actuais §§ 4.° e 5.º
O princípio estabelecido na primeira parte do novo § 3.° merece, como já se disse na apreciação na generalidade, a concordância da Câmara.
Não é fácil, contudo, apreender o alcance da expressão «e sem distinção de categoria» que nessa parte figura.
É sabido que dentro da classificação das acções das sociedades, na base dos direitos atribuídos ao seu possuidor, existe a categoria das chamadas acções privilegiadas, preferenciais ou especiais.
Como escreve o Prof. José Gabriel Pinto Coelho, essas acções caracterizam-se por atribuírem aos respectivos possuidores direitos mais fortes ou mais extensos do que os que correspondem às acções ordinárias ou ao comum das acções representativas do capital da sociedade 37.
Esses direitos podem respeitar à repartição de lucros, à partilha do activo social ou a outras vantagens respeitantes à vida da sociedade, como, por exemplo, a atribuição de um maior numero de votos a cada acção.
A sua principal finalidade, se o privilégio consiste na atribuição de voto plural, é salvaguardar a administração das sociedades das perturbações de que poderia ser vítima por parte de novos capitalistas adquirentes das acções em circulação e também das provocadas por pequenos grupos de sócios 38.
O voto plural não dá, pois, pelo menos directamente, benefícios de natureza patrimonial e visa apenas fins de carácter administrativo e pessoal, isto é, assegurar os chamados direitos políticos, ao invés do que acontece com outros privilégios, como seja o relativo à repartição de lucros 39.
Este tipo de acções, que, segundo a melhor doutrina, já era admitido pelo artigo 114.°, n.° 6.°, do Código Comercial 40, foi expressamente reconhecido entre nós pelo Decreto n.° 1645, de 15 de Junho de 1915, que autorizou as sociedades anónimas a criar acções privilegiadas, conferindo aos seus possuidores preferência quer sobre lucros, quer sobre o capital, quer sobre uns e outro, e ainda vantagens quanto ao direito de voto, salvo se os estatutos contiverem disposição proibitiva expressa.
O § 1.° do artigo 1.° do referido Decreto n.º 1645 diz que «nos estatutos poderá também estabelecer-se, em favor dos accionistas possuidores de acções privilegiadas, desigual representação de votos nas assembleias gerais».
Suspenso pela Lei n.° 340, de 2 de Agosto do mesmo ano, esse decreto foi reposto em vigor pelo Decreto n.º 4118, de 18 de Abril de 1918, e em vigor se mantém.
Ora pode perfeitamente acontecer que numa sociedade haja acções privilegiadas que dêem. por exemplo, aos seus possuidores um voto duplo: enquanto por cada acção ordinária os accionistas comuns têm, por hipótese, um só voto, os privilegiados têm dois.
Se, agora, em face do novo texto proposto para o § 3.º do artigo 183.° do Código Comercial, cada accionista pode, salvo disposição estatutária em contrário, votar sem limitação com todas as suas acções (o que parece acertado), a Câmara, entende que desse direito não devem ser privados precisamente os accionistas privilegiados a quem tiver sido atribuído voto plural.
Isso equivaleria, pura e simplesmente, a privar os accionistas privilegiados de um direito pessoal ou individual, que não pode ser-lhes retirado.
A permanência de direitos é característica das acções preferenciais, devendo tais direitos manter-se inalteráveis para a gestão administrativa e exigindo-se duplo acordo, dos interessados e da sociedade, para as reformas estatutárias , a não ser que se caminhe para a supressão da categoria dos direitos individuais dos sócios, justificando o receio manifestado por Pavone La Rosa no relatório que apresentou ao último convénio internacional de estudos sobre a reforma das sociedades por acções a.
Por isso a Câmara alvitra que as palavras «e sem distinção de categorias» sejam eliminadas do preceito.
13. A disposição da segunda parte do novo § 3.° deu lugar à manifestação de opiniões díspares, no que respeita à sua primeira disposição, e não pareceu suficientemente clara, no concernente a segunda.
14. Os estatutos poderão, à face do novo texto, limitar o número de votos de que cada accionista dispõe em assembleia. Está perfeitamente certa esta determinação.
A limitação não valerá, porém, segundo o projecto, em relação aos votos que pertençam ao Estado ou a entidades para o efeito a ele equiparadas.
A Câmara hesitou bastante na resolução do problema de saber se tem ou não suficiente justificação a excepção fixada em relação às pessoas colectivas públicas. Alas acabou por fazer maioria a posição que aceita a doutrina da proposta.
Dir-se-á que o Estado já hoje goza de uma posição especial nas sociedades de que seja accionista e que essa posição, resultante do disposto no Decreto-Lei n.° 40 883, de 29 de Outubro de 1956 (regulamentado pela Portaria n.° 24 440, de 27 de Novembro de 1969),
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37 Prof. José Gabriel Pinto Coelho, estudo sobre as Acções das Sociedades Anónimas, p. 116.
38 Heinsheimer, Derecho Mercantil, tradução espanhola de Vicente Gella, p 157; Gasperoni, Las Acciones de Las Sociedades Mercantiles, tradução espanhola de Javier Osset, pp. 169 e 170; Olaret y Martí, Sociedades Anónimas, p. 187.
39 Heinsheimer, loc. cit.
40 Prof. José Gabriel Pinto Coelho, Estudo sobre as Acções das Sociedades Anónimas, p. 119; Prof. Inocêncio Galvão Teles, «Acções privilegiadas», em O Direito, 87.º, pp. 301 e segs.
41 Girón Tena, Derecho de Sociedades Anónimas, p. 225; Neoburguer, Le Détournement de Pouvoir dans les Sociétés Anonymes, p. 166.
42 Pavone La Rosa, «Sopressa la categoria del diritti individuali degli azionnisti?», em Rucolta di Testi e Documenti della Società, La Riforma Delle Società di Capitali in Italia, vol. II, pp. 1060 e segs.