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10 DE MARÇO DE 1972 1389

basta para acautelar a defesa de certos interesses públicos fundamentais contra as deliberações sociais que podem lesá-los.
Esse decreto determina que nas sociedades de que seja accionista ou em que tenha participação nos lucros, e bem naquelas que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não previstos na lei geral, o Estado pode participar, por meio de administradores por ele nomeados, na respectiva administração (artigo 1.º).
Além disso, II mesmo decreto, no artigo 2.º, permite ao Governo que nomeie delegados céus junto das sociedades concessionárias de serviços públicos ou de utilização de bens do domínio público, das que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos, das empresas de navegação consideradas de interesse nacional e das referidas na parte final do artigo 1.º
E os artigos 14.º o 17.º do decreto determinam que os delegados do Governo e, na sua falta, os administradores por parte do Estado, se oponham às deliberações e actos que reputem contrários à lei, aos estatutos da sociedade, aos contratos especiais por esta celebrados com o Estado ou ao interesse público, bastando a oposição deduzida por essas entidades contra as deliberações da assembleia geral ou dos outros órgãos sociais para se suspender à respectiva executoriedade e eficácia (artigo 15.°).
Reconhece-se, porém, que a intenção de não sujeitar o Estado, nem as entidades equiparadas, à limitação do direito de voto convencionada nos estatutos entre os sócios tem um fundamento muito diferente da simples defesa da colectividade contra as deliberações a que os delegados do Governo ou os administradores por parte do Estado se devem opor.
A limitação do número de votos de que cada accionista dispõe na assembleia é uma renúncia a um direito social de importância capital, que pode tornar-se indispensável, no arranjo dos puros interesses particulares, para assegurar a colaboração de certa pessoa ou empresa privada ou para garantir, dentro do novo organismo comunitário, uma posição relativa (seja de equilíbrio, seja de justa diferenciação) entre indivíduos ou sociedades interessadas.
Esse arranjo, perfeitamente legítimo e compreensível no plano dos interesses particulares, repugna de um modo geral, pela renúncia que envolve a um direito essencial de participação regular na vida da sociedade, relativamente a acções que, por serem do Estado, não pertencem a indivíduos ou empresas determinadas, mas à colectividade que todos integram, ou em relação a valores como os que determinam as mais das vezes a posição do Estado como accionista no seio de grandes sociedades anónimas.
A experiência ensina, por outro lado, que os indivíduos e as empresas particulares têm muitas vezes processo de se libertar das limitações ao direito de voto, sempre que as suas conveniências o exijam, através de expedientes que não estão nem podem estar ao alcance das pessoas colectivas públicas.
Trata-se, aliás, não de garantir uma posição de privilégio ou um tratamento excepcional em proveito do Estado ou das entidades equiparadas, mas de impedir que seja aplicada a essas pessoas morais uma limitação que os accionistas particulares tenham convencionado, afastando-se do regime normal da participação relativa de cada sócio no funcionamento da sociedade.
Tão-pouco impressiona o facto de a doutrina estabelecida passar a vigorar apenas em relação às sociedades anónimas e não ser aplicável às outras espécies de sociedades.
É das sociedades anónimas que trata o projecto submetido à apreciação da Câmara, e todos sabem, além disso, que às sociedades desse tipo se circunscreve, em regra, a participação directa do Estado na vida das empresas privadas.
Estas as principais razões por que a Câmara aderiu, por maioria, à excepção aberta pela proposta de lei em relação ao Estado e entidades equiparadas.
Se a doutrina vingar, os accionistas ficam de antemão a saber que, nos arranjos entre eles efectuados quanto ao número de votos de que cada um, estatutàriamente, pode dispor na assembleia, não podem contar com a limitação do direito de voto do Estado ou das pessoas colectivas equiparadas.

15. Consideremos agora outro problema: qual será o alcance da parte final do novo § 3.º?
Diz o projecto que a limitação estatutária não vale para o cálculo de uma maioria de capital exigida por lei ou pelos estatutos, salvo quando estes disponham diferentemente.
Parece que a ideia será esta: os estatutos podem limitar o número de votos de que cada accionista dispõe na assembleia; mas, se eles não o disserem expressamente, no caso em que para certas deliberações se exige determinada maioria de capital, como, por exemplo, acontece quanto à nomeação de liquidatárias, que só será vá ida sendo feita pelo menos por metade dos sócios que possuam três quartos do capital social (artigo 131.º, § 1.º, do Código Comercial), já a limitação estatutária não funciona.
Assim: há uns estatutos que determinam que nenhum sócio pode dispor na assembleia geral de mais de 20 por cento dos votos correspondentes ao capital social. Um sócio tem 80 por cento de todas as acções. Em regra, só poderá votar com 20 por cento; mas se se tratar de nomeação de liquidatários já poderá votar com os 80 por cento, porque o que há de ter-se em atenção é a parte do capital social que ele detém.
Se é esta a ideia que o projecto quer traduzir, a Câmara dá-lhe a sua concordância; mas sugerirá, nas conclusões. uma redacção mais dura.

16. O novo § 4.º deve ter sido inspirado pelo propósito de reprimir abusos muitas vezes praticados à sombra do privilégio de voto atribuído a certas acções.
Não se julga, porém, que seja aconselhável a determinação deste parágrafo.
A limitação de voto dos possuidores de tais acções, além de ir, como já se acentuou, contra os direitos individuais dos seus proprietários, peca por falia de simetria com o regime instituído para os portadores das acções comuns.
Haverá, decerto, que estudar e resolver o problema, adoptando providências que visem a reprimir os possíveis abusos.
Porque eles têm surgido, o § 12.° da lei alemã de 30 de Janeiro de 1937 determinou que "as acções com voto plural são inadmissíveis", abrindo, aliás, excepções a esta, regra se o .bem da sociedade ou os interesses da economia, nacional o aconselharem.
O Prof. José Gabriel Pinto Coelho, debruçando-se sobre esta importante quentão, já referiu algumas medidas preconizadas para evitar tais abusos: limitação dos votos das acções privilegiadas ao quíntuplo dos votos atribuídos às acções ordinárias; atribuição de voto duplo só a acções nominativas; rigoroso condicionamento da sua transmissão 43.

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43 Prof. José Gabriel Pinto Coelho, Estudo sobre as Acções das sociedades Anónimas, pp. 158 e segs.