380 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 42
Como um dos aspectos da educação integral, exigida pela indiscutível unidade físico-psíquica da pessoa humana, ela há-de ter em conta, em racional actuação, a vida moral e intelectual de que o corpo e suporte e instrumento para a satisfação das múltiplas necessidades humanas: em tal sincronização e acordo se encontra o verdadeiro sentido da velha máxima mens sana in corpore sano.
A educação física visa em primeiro lugar, como e natural, o individuo em si mesmo, como unidade biológica, e sujeita-o a uma série de exercícios gimnásticos adequados ao sexo e a idade, os quais vão desde prevenirem na criança, como estimulante da nutrição, os desvios da curva do crescimento, até produzirem, a par da valorização plástica, os frutos morais que são a energia da vontade, o auto-domínio e a formação do carácter.
Porque se exerce num mundo de realidades, a educação física considera também os individuos na sua vida de relação, a começar pelos jogos, como expressão natural do movimento e da luta que a vida é, para utiliza-los como complementar exercício de aplicação, em contacto com a natureza, ou disciplina-los pela preparação e pela vigilante assistência, como competição desportiva, em que se cultivam igualmente elevados deveres morais de solidariedade e de lealdade.
As próprias necessidades colectivas, agravadas pela inquietação do mundo, impondo as novas gerações prepararem-se convenientemente para os duros combates da vida e para a mobilização integral das nações, ainda as mais pacificas, conduzem, pois que a guerra moderna, violenta e cientifica, exige não somente robustez mas tambem destreza e domínio psíquico, a organização nacional educativa e pré-militar da juventude, tendente a maior valorização e coesão da energia espiritual e física de cada povo.
0 problema da cultura física, sem que se perca de vista o sen objectivo directo e especifico da formação individual, assume deste modo um complexo de finalidades - fisiológica, estática, moral, recreativa e patriótica -, que lhe alargam os horizontes, aumentando as responsabilidades dos que hão-de realizar o harmonioso equilíbrio, que tanto interessa a vitalidade dos individuos e das nações.
3. Na obediência a principios racionais e no bom método de execução haveria de encontrar-se a garantia de um positive êxito, mas longa caminhada houve de ser percorrida, sob enganadoras aparências que comprometiam a formação, até que a educação física alcançou, graças a Ling, no alvorecer do século XIX, a sua fase de sistematização, para assentar em bases cientificas e pedagógicas.
Consideram-se os exercícios físicos como interessando, a um tempo, os aspectos anatómico, fisiológico e psíquico, e por isso, para que não se comprometa, antes se desenvolva, a vitalidade do individuo, hão-de ser orientados com consciencia, a luz das ciências biológicas, e executados com correcção.
Na criança, em evolução orgânica segundo leis fundamentais da natureza, hão-de preparar-se, por uma serie graduada de exercícios, as melhores condições fisiológicas e psíquicas, tanto para as aplicações de ordem material como para o trabalho da inteligência, por forma que não só se evite, pelo desequilíbrio funcional, o depauperamento do organismo, como se active o desenvolvimento normal da personalidade.
No adulto, fora já dos dominios da formação propriamente dita para entrar no dos exercícios correctivos e de aplicação, hão-de observar-se tambem as leis fisiológicas, nomeadamente as da função círculo-respiratória e do trabalho muscular, bem como as que regem as faculdades do espirito, primordialmente a vontade, elementos variáveis de pessoa para pessoa, e ate no mesmo individuo em momentos diversos, para que não se prejudique, antes se estimule, a capacidade vital.
Por isso mesmo, na pratica dos jogos desportivos ao ar livre, com que se alegra a própria gimnástica de formação, hão-de ter-se em conta, a par da variabilidade do ambiente, as condições especiais de cada individuo, por adequada selecção e preparação, para que se não destrua o equilíbrio psico-fisiológico, desde os exercícios meramente recreativos até se chegar, mediante aplicação progressiva e vigiada, às competições de virilidade ou demonstrações colectivas, a que há-de sempre corresponder em cada um, a par da consciência dos movimentos, mais como meio que como fim, uma atitude interior.
O Mesmo critério de diferenciação qualitativa e quantitativa leva a considerar a condição especial da mulher, que deve ser definida dos grandes esforços musculares do atletismo, masculinizadores, aberração feminista repelida pela delicadeza do sexo e pela natural função de futura mãi e educadora, mas que, por esta mesma sagrada missão, deve cuidar da sua valorização física, como condição de saúde e de sã alegria, por exercícios gimnásticos de técnica adequada, que nenhum disfarce ou producto de beleza pode suprir para a graça feminina.
Os próprios interêsses da defeza nacional, já atendidos na acção geral da valorização dos indivíduos, são directamente visados para a necessária especialização, preparadora da maior eficiência de cada um no serviço das armas, quando Ling proclama a «utilidade e necessidade da gimnástica para o soldado» e discorre «sôbre a esgrima de baioneta», com a orientação do respectivo ensino.
Afirma-se dêste modo todo um sistema de racional educação física, formativa e complementar, de base e método científico, que certamente não foi todo construído de um jacto, porque as técnicas de execução hão-de reflectir o progresso das ciências e a observação dos factos, no largo percurso de mais de um século de investigação e estudo, mas cujo travejamento doutrinal e autonomia pedagógica se devem ao grande sueco.
É, se é verdade, como se diz, que na Suécia há muitos gimnásticos, campos de jogos e balneários, mas relativamente poucas farmácias, o exemplo merecia bem ser seguido...
II
Balanço da educação física em Portugal
4. Ao recordar-se quer já em 1838 um técnico estrangeiro ministrava a educação física na Casa Pia, pelo que a esta benemérita instituição da Assistência Pública, entre todas as escolas oficiais portuguesas, cabe a honra de havê-la iniciado, ainda que à moda do tempo, pode ser-se induzido no êrro de que desde há um século o Estado dispensa verdadeiro interêsse a tam importante ramo de educação geral.
Todavia decorreriam muitas décadas antes que no ensino primário se incluíssem «exercícios gimnásticos» (1894), no quadro das disciplinas do ensino secundário entrasse a «educação física» (1905) e também ao ensino médio agrícola se dessem «instrutores de gimnástica» (1931).
Nos restantes estabelecimentos de ensino profissional não existe a obrigatoriedade da educação física, nem dela se cura oficialmente nas Universidades, ao mesmo tempo que as das escolas do ensino primário é como se de facto não existisse; e onde ela se pratica, ressalvados os estabelecimentos militares sobretudo no que