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20 DE DEZEMBRO DE 1941 85

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.

Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente saiu da sala, a fim de acompanhar S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, a quem toda a assistência continuou aplaudindo com entusiasmo.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 53 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Morna.

O Sr. Álvaro Morna: - Sr. Presidente: dificilmente poderia levantar a minha voz nesta Assemblea sob emoção mais forte do que aquela que neste momento me domina o espirito.
Há dois dias que a alma nacional vibra dolorosamente ante a agressão inesperada que acabam de praticar em Timor forças da Austrália e holandesas aliadas da Grã-Bretanha na labareda imensa da guerra que hoje avassala o mundo.
Apoiadas.
Os rumores confusos e inquietantes dos primeiros momentos na tarde de anteontem, triste preságio já da gravidade dos acontecimentos desenrolados na mais distante parcela do nosso domínio de além-mar, tiveram plena confirmação na nota oficiosa do Governo que os jornais ontem publicaram.
E à inanidade de razões com que certas emissoras estrangeiras, nas últimas vinte e quatro horas, pretendem justificar o ultraje vibrado em cheio contra a nossa soberania e atitude de neutralidade que honradamente temos mantido, responde agora o Governo com a verdade insofismável dos factos que o Sr. Presidente do Conselho acaba de pôr à Assemblea Nacional - que não respeita apenas à Nação, porque se dirige ao mundo inteiro.
Bem haja o Governo, Sr. Presidente, por tam alto conceito das responsabilidades e dignidade do Poder - dignidade em tudo igual à honradez com que tem sabido conduzir a Nação neste mar revolto de ódios e paixões que avassala o mundo e em que naufragam e se afundam, com tantos povos, as leis morais e princípios basilares de toda a civilização; dignidade em tudo igual à. correcção com que o Governo tem orientado e mantido a rigorosa neutralidade assumida perante a conflagração; dignidade em tudo igual ao civismo deste País - que em perfeita unidade nacional se irmana e abraça e apoia a atitude serena e firme da honrada política nacional.
Apoiados.
Sr. Presidente: muito se tem descido em princípios e conceitos da moral neste tenebroso negrume dos tempos que atravessamos!
Justiça, verdade, moral, respeito, como tudo isto é vão!
Quanto mudaram e se obliteraram as virtudes reguladoras da vida entre os homens, que não podem ser diferentes das virtudes que regulam a vida dos povos!
Por vezes, os que mais as referem e apregoam são quem menos as pratica e mais as esquece, não se olhando aos meios quando se atingem ou se procuram atingir os fins.
Num dos seus discursos, há tempos, nos Comuns, em Londres, dizia assim o Primeiro Ministro da Grã-Bretanha:
«A qualidade, a força de vontade, as vantagens geográficas, os recursos naturais e financeiros, o domínio do mar e, acima de tudo, uma causa capaz de suscitar
os mais belos e espontâneos impulsos do espírito humano em milhões de corações - são esses os factores que a história apresenta como decisivos.
E, se assim não fosse, como poderia a raça dos homens ter-se elevado acima dos antropóides?
Como poderiam eles ter conquistado e extirpado monstros e dragões?
Como teriam criado uma lei moral?
Como teria sido possível marchar através dos séculos para amplas concepções do Bem, da Verdade e da Justiça?».

E eu pregunto, Sr. Presidente: exerce-se, por acaso, a lei moral quando pela força se viola a terra alheia?
Pratica-se, porventura, a justiça quando se atenta contra a soberania de um país amigo?
Respeita-se a neutralidade quando se ocupa, para fins de guerra ou quaisquer outros, o território de quem, não sendo beligerante, tem rigorosamente cumprido as leis dos neutros?
Sr. Presidente: a guerra é um acto de força, todos o sabemos. Quando troa o canhão cessa a voz do direito, como soe dizer-se. Mas nem por isso a guerra deixa de ter as suas leis - leis de humanidade, leis de civilização, até mesmo para os beligerantes, e com muito mais razão, com mais latitude, mais estritas e mais severas no respeito obediência que lhes devem beligerantes e neutros em seus direitos e deveres recíprocos.
Portugal não faltou até hoje nesta guerra, não faltará jamais a nenhum dos seus deveres. Mas ferem-se os seus direitos!
O atentado praticado contra a nossa soberania não ofende apenas a consciência nacional, ofende a consciência de todos os homens de bem - de todos que sobre a terra se não deixaram ainda resvalar para esse abismo de degenerescência moral em que se pretende afundar o mundo.
Com esta agravante, Sr. Presidente: de a agressão ter sido dirigida contra um país pequeno, pacífico e laborioso, que por si próprio, pelas suas qualidades e virtudes soube, numa Europa revolta e desfeita, reconstruir-se e organizar-se material, espiritual e moralmente e que, com legítimo orgulho, no campo social, político e do espírito, pode servir de exemplo a grandes nações e potentados do mundo.
Apoiados.
Palmas.
E porque tudo isto se esquece por parte do beligerante que não hesita na afronta à neutralidade de Portugal, estou eu certo, Sr. Presidente, de que o futuro se encarregará de mostrar ao agressor que ele não colherá do feito o êxito que teve em mente.
Se politicamente esse facto foi um erro, o futuro indicará, no campo militar, que estrategicamente o erro não foi menor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: como homem, como português, como Deputado, quero lavrar aqui o meu veemente protesto contra a- agressão sofrida, cônscio de que interpreto o sentir unânime da Assemblea e o sentir de todos os portugueses, e de que por ele traduzo o apoio e confiança de todo o País no Governo, neste momento tam delicado d» vida nacional, abraçando a acção com que tem sabido, dirigir a política e a neutralidade da Nação, em face, do conflito que devora, o mundo e que ameaça os destinos da própria humanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Palmas.

O orador foi muito cumprimentado.