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86 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 112

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: Que palavras podem exprimir a angústia, e mais do que a angústia, a raiva, com que o povo português viu subitamente agravada a sua honra? O que resta, sob o sol, de uma consciência jurídica universal teve agora a última e suprema, palpitação de vida; depois disto não há lugar na terra senão para o assalto à mão armada, para a cilada, para o embuste, para o instinto guerreiro de espoliação e de saque.
A posição de Portugal no mundo era a de uma cidadela onde se guardavam intactos certos valores espirituais, que presidiram durante séculos à vida da cidade cristã. A primazia desses valores parecia ainda indiscutível na medida em que era indiscutível e indiscutida a independência, deste povo. Portugal erguia nas mãos o último facho de luz que ilumina a treva europeia, e, avistando-o de todo o mundo, enchiam-se de esperança as almas que não descrêem do Direito e da Razão.
Nós definimos a nossa posição de neutralidade não como uma- atitude egoísta e de desinteresse em face dos males que pungem o mundo, mas como expressão de um alto sentido da vida internacional, baseada na solidariedade efectiva dos povos fiéis aos postulados fundamentais da civilização cristã e da ordem tradicional. Defendendo no Brasil este sentido da neutralidade portuguesa, evoquei a frase de Bui Barbosa quando dizia que não há direito de ser neutral entre o erro e a verdade, entre o crime. e a virtude; mas esperamos que o crime e o erro não mudem todos os dias de acampamento, esperamos que a virtude e a verdade ergam os seus pendões bastante alto sobre os apetites imperialistas e as alianças esquivas, para que os vejam e reconheçam finalmente os homens de boa vontade!
Nós vimos com indignação a violência de que foi vítima, a soberania holandesa, esmagada entre dois inimigos que transformaram a Holanda em campo de batalha.
Mas agora, o crime e o erro mudaram mais uma vez de acampamento; e sem nenhuma justificação urgente de ordem militar, sem pudor e sem vergonha, o crime e o erro, erguendo o pendão flibusteiro que já nos fins do século XVI tivemos de -combatei1, encarniçam-se contra um pedaço longínquo de um património, velho de cinco séculos, arrancado por sábios, navegadores e missionários aos atros mistérios de um mundo ignoto e que é o fruto do heroísmo, não da rapina!?
Sr. Presidente: esta idea de uma honrada neutralidade entre contendores que, sob o império da ambição, da fome ou do medo, fazem tábua rasa do direito e da razão não penetrou bastante talvez a consciência do País, não se fez bem clara aos olhos dos patriotas.
O Governo tem menosprezado a formação de uma opinião sincera e inteligentemente neutral. Ele tem consentido que uma propaganda parcial, alimentada e organizada pelos inimigos da ordem social que o Estado Novo defende, tenha incutido no espírito de muitos portugueses a idea de que a violência, a espoliação, os atentados contra- a soberania dos povos partem sistematicamente dum dos grupos em luta. É necessário que esta propaganda cesse; porque ela tende, em última análise, a criar atitudes de hesitação e de incompreensão no momento em que o Governo precisa de ter a seu lado todos os portugueses para defender, com unanimidade, com raiva, com unhas e dentes, a honra e a dignidade de Portugal.
Mas os portugueses foram advertidos a tempo, dolorosamente, e cerram fileiras em volta do Governo. Temos receio de estar tem frente do fosso obscuro e tenebroso que separa um povo pacífico da guerra. E ternos receio de que, antes de transpor esse fosso, deixemos cair nesse fosso uma ilusão secular, amortalhada no velho pergaminho que durante quinhentos anos regulou as nossas relações com a Grã-Bretanha. De uma cousa podemos estar certos: de que no julgamento que a história fizer deste incidente não haverá lugar para a figura de Pôncio Pilatos, lavando cèpticamente as suas mãos do crime praticado contra o justo. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Palmas.
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: depois da exposição feita pelo Sr. Presidente do Conselho sobre os graves acontecimentos de Timor e das calorosas manifestações com que pela Assemblea foram sublinhadas as palavras de S. Ex.ª e as dos oradores que me precederam nesta tribuna, parece que esta Assemblea não deve encerrar os seus trabalhos de hoje sem exprimir, em assunto de tanto interesse para a honra e para os interesses de Portugal e em hora tam perturbada, os seus sentimentos, que são, seguramente, os sentimentos do País, numa moção que os sintetize.
Vim à tribuna quási só para submeter à apreciação da Assemblea essa moção, que passo a ler:

A Assemblea Nacional, em face da exposição do Sr. Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre os recentes acontecimentos de Timor, no decurso dos quais, não obstante a honrada, escrupulosa neutralidade portuguesa e a completa fidelidade aos seus compromissos internacionais, foi desrespeitada a nossa soberania, interpretando serenamente o sentimento e os votos da Nação, resolve:
a) Dar à política externa do Governo o seu mais incondicional aplauso;
b) Proclamar como intangível e imprescritível a soberania portuguesa sobre todo o território nacional;
c) Exprimir a sua mais formal repulsa pelo atentado cometido em Timor contra a secular e pacífica soberania portuguesa;
d) Afirmar a sua absoluta confiança em que o Governo resolverá a pendência com honra e dignidade para a Nação e em harmonia com o sentimento patriótico de todos os portugueses.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 19 de Dezembro de 1941. - O Deputado Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: direi breves palavras dentro .da orientação dessa moção.
A exposição clara, serena e objectiva do Sr. Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros deu aos acontecimentos as suas justas e reais proporções. Mas o facto por si só a ocupação dos pontos estratégicos de Timor por forças armadas estrangeiras tem um significado tal que, sejam quais forem as explicações que porventura se lhe pretendam dar, elas não podem destruir na consciência nacional o justo ressentimento contra a violação pela força da nossa soberania nessas paragens longínquas do Oriente, soberania, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós, portugueses, não conquistámos em guerras de rapina nem mercê da liquidação de conflitos históricos das grandes potências, mas só devemos à expansão civilizadora do génio português, ao nosso esforço e sacrifícios inalteràvelmente mantidos durante séculos pelo progresso moral