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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 150
mos, na medida em que os deveres resultantes da aliança, no-lo permitiram. E mantivemo-nos escrupulosamente fiéis ao pensamento da aliança, carregando de conteúdo a sua letra e não hesitando em consentir em todas as formas de colaboração que, em nome dela, nos foram pedidas. Fomos mais longe: chegámos a organizar os pressupostos da colaboração, na previsão de que poderiam vir a ser utilizados! Creio estarmos em condições de demonstrar que a própria atitude de neutralidade se apresentou como uma forma de colaboração e como tal foi interpretada.
Colaborámos na vitória. Está agora a procurar-se o sistema da organização da paz. Não fomos chamados, apesar disso, a colaborar na preparação dêste sistema.
Nem por isso deixaremos de colaborar na paz!
Saüdemos a vitória, Sr. Presidente; e Deus queira que amanhã possamos saüdar a organização da paz como sempre saüdámos e saüdaremos a própria paz se ela tiver a animá-la e a engrandecê-la o sopro de cristianismo que a derrama no peito da humanidade!
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
Grande salva de palmas.
O Sr. Fernando Borges: — Sr. Presidente, Sr. Presidente do Conselho, Srs. Ministros, Srs. Sub-Secretários de Estado, Srs. Deputados: data memorável é esta que estamos a celebrar e que — seria redundância dizê-lo — fica assinalada nos factos da História.
Porque, na verdade, acaba de ter o seu têrmo a maior conflagração em que o mundo foi ainda envolvido.
Nunca o poder das armas se apresentou com tantos meios de destruição; nunca o potencial dos beligerantes em qualquer guerra ou conflito se apresentou em tam vastas proporções. Meios de destruição que iam, mesmo, em apavorante crescendo, com o emprêgo e anúncio de armas novas, que ameaçavam destruir toda a civilização. Por isso os anseios desta hora solene são por um sistema de segurança que nos garanta uma paz, senão perene, pelo menos duradoura.
Uma nova conflagração seria a destruïção completa da civilização, como o previu o ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra ao abrir a Conferência de S. Francisco, fazendo um apêlo pela paz, porque êste era o momento solene de a garantir duradouramente. Ou agora ou nunca.
Sôbre êste anseio do ilustre Ministro dos Estrangeiros inglês cumpre-nos congratular com ela, no momento em que surge, como um grande alívio e uma fagueira esperança, muito embora deva ser dura e ingente a sua tarefa, tantas foram as devastações e ruínas da grande fogueira que incendiou a Europa. Continua ainda a guerra no Oriente, mas sôbre si não deixará de reflectir-se o têrmo da luta na Europa, onde se digladiaram os mais poderosos beligerantes.
E não é em Portugal êste momento menos apreciado, pois até nós chegaram também, por diferentes modos, os malefícios da guerra, embora nós tenhamos, por uma política sábia e previdente, ficado fora do conflito. Não deixaram ainda assim de vir até nós angústias, angústias e sacrifícios, mas essa política sábia e previdente afastou-nos, porém, dos maiores malefícios que ensangüentaram todos os outros povos.
Mas, Sr. Presidente, nem por nós termos adoptado de início uma política de neutralidade, ressalvando sempre os nossos deveres para com a nossa histórica e velha aliada, deixámos de estar presentes onde o aconselhava o interêsse nacional ou onde o indicava o pensamento da nossa política externa.
É de salientar, Sr. Presidente, especialmente a cooperação que em dado momento tivemos de dar ao nosso
aliado na importante posição dos Açores. Depois, no evoluir da guerra, outros actos e resoluções tomámos, todos no sentido de uma cooperação tendo em vista os altos interêsses nacionais e os compromissos da nossa aliança.
Toda essa política clarividente nem sempre foi devidamente apreciada. Fica para o balanço da História nas horas serenas da paz e então se verá o alcance de toda a nossa preparação, de toda a nossa acção e de todos os nossos sacrifícios. Entre êles figuram avultadas despesas militares com o nosso rearmamento, algumas já bem conhecidas da Assemblea pelo exame das contas de gerência dos anos económicos findos.
Além, Sr. Presidente, de nos conservarmos fiéis aos compromissos da velha aliança sempre que nos fôra pedido, por nossa parte não deixámos de realizar um importante esfôrço militar, mobilizando forças para guarnecer as nossas ilhas e colónias quando se julgou necessária a sua presença para assegurar o interêsse nacional e afirmar a nossa soberania em próximas e remotas paragens.
Agora, que se entra em período de paz, será possível tornar mais explícito êsse nosso esfôrço de guerra, apesar da nossa neutralidade, e que o fragor das pelejas e os segredos de guerra, com as suas naturais restrições de publicidade, não deixaram pôr até agora em mais completa evidência. Seja como fôr, esta hora é do júbilo e congratulamo-nos com ela, porque com ela passa a grande tormenta e aproxima-nos numa Nova Era nimbada pela paz, embora envolta ainda na névoa das suas ingentes tarefas e inevitáveis complicações.
Portugal, que viveu, apesar de tudo, os duros anos da guerra, continua a viver e viverá.
Nesta hora, Sr. Presidente, que bem podemos dizer de júbilo nacional, como Deputado e como militar creio não ser demais saüdar daqui, do seio da representação nacional, as forças militares que foram mobilizadas para ocupar os diferentes pontos dos nossos territórios das ilhas e ultramar, umas que já regressaram, depois de ali cumprirem disciplinadamente a sua missão, outras que ainda por lá permanecem — algumas em remotas e longínquas paragens.
Tenho dito.
Aplausos vibrantes.
O Sr. Mendes de Matos: — Sr. Presidente: tomei a palavra, nesta hora solene da história e nesta Assemblea política da Nação, para me associar ao regozijo alvoroçado que enche e sacode o mundo, àquele «contentamento de alma, devido e justo» a que há pouco se referiu, tam sentidamente, o Sr. Presidente do Conselho.
E faço-o, efusivamente, na dupla qualidade de sacerdote e de português.
Os bispos norte-americanos disseram há dias, em documento notável, que esta guerra foi o fruto de monstruosas ideologias que, encorporadas em sistemas políticos e sociais, primeiro incendiaram o mundo de ódios vermelhos, depois o cobriram com um mar de sangue e de fogo.
Desse mar de sangue e de fogo emergiram dois cimos claros e luminosos que, pela beleza dos seus contornos e pelas afinidades históricas que os ligam, nos merecem particular interêsse: a Rocha do Vaticano e o Promontório de Sagres.
A Rocha do Vaticano, que tem sido através dos séculos a muralha de aço contra a qual se têm quebrado todas as vagas do êrro e da violência, tornou-se, desde a primeira hora da tormenta, a heróica cidadela dos valores e direitos do espírito, dos princípios eternos da civilização.