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DIÁRIO DAS SESSÕES— N.º 150
Admiramos o valor e o esfôrço ciclópico dos Estados Unidos da América e, desviando os olhos da acção dos povos para a acção dos homens, destacamos êsse homem de ferro, essa figura extraordinária, verdadeiro Ministro da Vitória, que, antes de entregar a vitória ao seu país, a forjou no fogo da sua alma, com a sua vontade inquebrantável — maravilha da sua raça —, quando ainda à sua roda tudo eram incertezas, sombras e perigos.
No entanto, a satisfação que vivemos tem profundas razões no sentimento e no orgulho nacional. É que nesta hora acordou na nossa consciência a certeza que há muito nela se radicara de que a vitória marcaria para Portugal dois triunfos magníficos: o triunfo da sua lealdade de sempre e o triunfo do seu valor de amanhã na vida internacional.
Assim, o povo português sentiu a consoladora satisfação de ver confirmado uma vez mais que, sem necessidade de suportar as feridas horríveis dos campos de batalha, tinha cumprido com dignidade e lealdade os seus deveres para com a sua aliada e para com o mundo, conservando neste canto da Europa um abençoado lugar de paz!
O povo português neste momento lembra também as virtudes e os sacrifícios inigualáveis do venerando e respeitável Chefe do Estado; lembra êsse homem calmo e sereno, profundamente português e profundamente cristão, que, vivendo durante cinco longos anos, no silêncio do seu gabinete, as tragédias do mundo, o sentido do interêsse nacional e as exigências da honra portuguesa e que, pensando friamente, sem paixões, a não ser a paixão de servir a Pátria, a que se deu numa entrega total...
Vozes: — Muito bem, muito bem!
Estrepitosos aplausos.
O Orador: — ...guiou, conduziu e salvou Portugal!
Muitos apoiados e palmas.
Sr. Presidente: mas no entusiasmo do povo português há ainda o reconhecimento de uma utilidade, direi melhor, de uma missão a cumprir.
Quando o Sr. Presidente do Conselho fez a esta Assemblea a comunicação das facilidades cedidas à Inglaterra nos Açores disse que a paz não seria o fim da guerra, mas sim o começo da batalha da reorganização do mundo.
Pois bem, nós, que, como êle disse então, encontrámos para os nossos males remédios próprios que nos têm servido, nós, que vivemos sabendo limitar-nos pelo direito e pela moral, nós, que prestigiamos a autoridade como garantia das liberdades individuais, nós, que, neste extremo da Europa, representamos a guarda vigilante de princípios fundamentais que ainda guiam o mundo — o Direito, a Justiça, a dignificação da pessoa humana, o respeito pela liberdade e soberania dos povos, o ideal cristão —, temos de contribuir, embora com a modéstia da nossa pequenez, para que os sofrimentos horríveis desta guerra tenham um sentido e representem verdadeiramente um preço de resgate.
E ainda, por um imperativo geográfico, com o nosso império do ocidente e com parte dos vencedores desta guerra, a Inglaterra, os Estados Unidos, o Brasil, a França e com a irmã Espanha, constituindo as fronteiras do Atlântico, temos de manter e salvar uma civilização que ajudámos a criar o que espalhámos pelo mundo.
Muitos apoiados e palmas.
Sr. Presidente: todas estas razões e todos estes sentimentos dão sentido e grandeza ao entusiasmo do povo português.
Tenho dito.
Entusiásticos aplausos.
O Sr. Albino dos Reis: — Sr. Presidente: a Câmara, pela voz dos oradores que me precederam, pelos aplausos calorosos com que sublinhou as mais vivas afirmações de regozijo, manifestou com veemência, mas com dignidade, quanto a notícia do têrmo das hostilidades na Europa a alvoroçou de alegria e de contentamento, quanto êsse histórico acontecimento comoveu a sua compreensão e a sua simpatia pelos inarráveis sofrimentos de todas as vítimas da guerra.
Bemdita seja a paz! Maldita seja a guerra!
A Câmara interpretou como lhe cumpria os sentimentos profundos do País, os sentimentos generosos desta gente de Portugal, tam digna, na modéstia do seu viver, mas tam rica de dons no seu coração, que no meio das dificuldades e tribulações que a guerra lhe trouxe ainda lhe sobrou, para as tribulações e misérias maiores dos povos que o vendaval da guerra assolou, uma amplíssima compreensão e humana piedade!
Maldita seja a guerra! Bemdita seja a paz!
Malditas sejam a destruição e a morte! Bemditas sejam a edificação e a vida! Milhões de lares em todo o mundo reacenderão hoje a sua chama votiva e em milhões de almas atormentadas reflorirão a esperança e a vida!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas não foi para entoar hosanas à paz que me atrevi a usar da palavra. Não foi para avolumar o côro que acompanha sempre o cortejo triunfal dos vencedores. Nem o povo português nem esta Câmara, no sentido exacto da sua compostura e correcção, desculpariam atitudes sem elegância nem grandeza. Não foi, não, para tornar mais dura e mais amarga a derrota dos vencidos.
Todos os que tombam com honra no pôsto que a Pátria lhes atribuiu merecem a continência e o respeito das almas elevadas. Não para lisonjear os vencedores. Nós não somos, como uma vez disse o Presidente do Conselho, exprimindo a atitude de Portugal nos dias sombrios que a Inglaterra viveu em 1940, nós não somos dos que voltam a cara aos amigos nas horas da adversidade; mas também não somos, pelo nosso feitio moral, dos que aparecem a fazer-se lembrados nas horas da boa fortuna dos amigos.
Bemdita seja a paz, sim, porque ela representa já para uma grande parte da humanidade a libertação dos sofrimentos, das misérias, dos terrores e da servidão da guerra, ou, ao menos, uma rajada consoladora de esperança em dias de menos provação e desgraça.
É a esta luz e com esta esperança que o meu espírito se volve hoje para essa velha Europa ensanguentada e martirizada, para saüdar os povos libertados: em primeiro lugar êsses pequenos e pacíficos povos que a vitória das Nações Unidas libertou e restituiu à sua independência e autodeterminação: a Bélgica, a heróica nação mártir, duas vezes num quarto de século violada na sua independência, invadida e talada pelos exércitos inimigos, sem outro motivo que não seja o da fatalidade da sua situação estratégica e da falta de respeito alheio pelo seu direito e pela sua liberdade; a Noruega, um povo altivo e digníssimo, que com tanta valentia sustentou quási seis anos de ocupação. (Vozes: — Muito bem, muito bem!) (Palmas); a Holanda, a pacífica e laboriosa Holanda, que Ramalho tanto insinuou na simpatia, dos portugueses, êsse povo admirável em cujo trono se senta uma rainha expressão da unidade de um império, que foi um exemplo edificante de constância na adversidade e de inquebrantável fidelidade aos seus deveres de rainha, e aos compromissos do seu país; a Polónia, essa nação infinitamente simpática no seu heroísmo e no seu imerecido destino, que até pelas suas