9 DE MAIO DE 1945
431
fraquezas e pelas suas virtudes parece um pouco da alma latina esparso nos céus frios do norte, para além da Alemanha e para cá da Rússia, vibrando o seu incorrigível idealismo nas páginas cristianíssimas de Sienkiewicz ou nas notas dolentes de Chopin. A Grécia, a pátria antiga do alto pensamento e das nobres artes e cuja incomparável bravura na defesa do seu solo sagrado assombrou o mundo.
Mas, meus senhores, de entre as nações que a guerra submergiu e que voltaram à luz eu quero saüdar de todo o meu coração a França, imortal, a França que num momento inexplicável sucumbiu e cujo eclipse trágico envolveu de sombras funestas as mais altas esperanças dos povos.
Somos latinos, formámo-nos nas letras e na cultura francesa, amamos desinteressadamente a França. Sentimos que o seu espírito é indispensável à defesa dos altos Valores espirituais da humanidade, sabemos que a sua fôrça é indispensável no equilíbrio político da Europa, o seu império ao equilíbrio político do mundo.
Saüdemos a França renascente que voltou a ocupar na cena do mundo o lugar que lhe compete. Confiemos nela. Quatro longos anos de cativeiro não lhe quebrantaram a fé nos seus destinos. Dobrada sôbre si mesma, a França sofreu, chorou, retemperou-se no sofrimento e nas lágrimas. Acreditemos que o seu espírito e a sua sensibilidade se depuraram nas privações e na dor. Esperemos que retomem o seu vôo em curvas ainda mais amplas e mais altas.
Alas. Sr. Presidente, se não pedi a palavra para entoar hosanas aos vencedores, não quere isto dizer que o sentido da decisão da guerra me fôsse indiferente, e sobretudo fôsse indiferente aos interêsses e às simpatias do País. Liga-nos à Inglaterra uma aliança secular. Somos velhos companheiros de viagem pela história.
Há seiscentos anos que as gerações vêm passando, as tempestades cavando de abismos aqui e além os mares por onde vogamos, as revoluções alterando as instituïções fundamentais dos dois povos, mas sempre a aliança tem permanecido constante. Pelo mundo fora, em quási todos os continentes mantemos há muito longa e boa vizinhança.
É um facto. E os factos, na frase de Malebranche, que o nosso colega Ângelo César se compraz em repetir, nem Deus os revoga. Não nos podia ser, pois, indiferente a sorte da Inglaterra na guerra. E não o foi: nem o é neste momento. A Inglaterra sai no conflito com sinais evidentes de fundas cicatrizes na sua armadura, mas com imenso prestígio moral: o da bravura dos seus soldados e marinheiros... O da sua fidelidade aos compromissos internacionais. A comunidade britânica mantém-se. Ela é a expressão mais alta do prestígio europeu no mundo.
Prestar justiça às qualidades e virtudes que a Inglaterra exibiu durante a guerra, e, sobretudo, naqueles tempos em que, na frase de Churchill, lhe foi preciso deitar a cabeça de fora para não se afogar, é um elementar dever de homenagem à verdade, não chega a ser um cumprimento de amigos.
Afirmar-lhe a confiança na sua experiência política é para mim apenas a repetição de um pensamento que já em 1943, numa entrevista ao Daily Express, exprimi: na sua experiência política, na sua sensibilidade aos problemas europeus e no seu espírito de justiça.
Não nos podia ser indiferente o desfecho de uma guerra à qual estava ligado o Brasil, quere dizer, a nossa pátria de além Atlântico, o nosso maior orgulho no mundo.
Não nos podia ser indiferente o desfecho da guerra: de solo tam nosso como êste que agora pisamos se levantaram aviões aliados para cobrirem as rotas do Atlântico contra os ataques submarinos.
Somos uma nação atlântica. Se temos o nosso solar neste recanto da Europa, deixámos, através da história, «a nossa vida», «pelo mundo em pedaços repartida». E êsses pedaços dispersos pelo mundo são ainda hoje a mais sólida razão da nossa independência nacional. O mar que os rodeia e banha ou a êles nos conduz estabelece entre os povos que êle une especiais e preciosas relações. A prudente e patriótica política do Presidente do Conselho reconheceu-o: e, graças a ela, laços estreitos de amizade nos unem à grande República Norte-Americana, uma das grandes forças do mundo, o grande polo e refrigério de tantas inquietações...
Não nos podia, ser indiferente: somos portadores de um conceito de civilização e de vida fundamentalmente dominado pelo valor infinito do homem, em quem Deus acendeu uma inextinguível chama espiritual. A existência, fora deste ambiente não nos interessa. A guerra pôs em causa esta concepção da civilização e da vida. A sua sorte não podia ser-nos indiferente... Nem a sorte da guerra, nem, portanto, a da paz... Mas há efectivamente paz? Houve a rendição das forças armadas alemãs.
Neste momento milhões de soldados que se bateram como bravos pela sua pátria marcham pelas estradas do seu país, vencido, sob a humilhação da derrota; e, com êles, um povo inteiro sente que desce sôbre o seu destino uma das noites mais sombrias da sua história. E eu, Sr. Presidente, que nunca perdoei aos êrros e à violência de uma política de factos consumados que é responsável pela guerra, sentir-me-ia comovido perante a imensa tragédia dêsse povo, a quem a cultura europeia deve inegáveis serviços, se o espectáculo degradante de brutalidades inomináveis, engendradas numa filosofia sem balizas de ordem moral, não paralisasse inteiramente o sentimento... Mas há efectivamente paz? Apenas se pode afirmar que cessou na Europa a forma espectacular da guerra. Não há tiros, não há bombas, não há explosões de metralha, nem o ruído sinistro dos aviões de bombardeamento, nem o fragor dos desmoronamentos. Há um alívio nos corações palpitantes das desgraçadas populações flageladas pela guerra. Infelizmente não há ainda uma segura e inteira confiança entre as nações; e sem ela não há confiança na paz, nem pode haver a verdadeira paz, a dos espíritos.
A guerra vai redobrar de intensidade no Pacífico, e nela estão empenhadas as nações nossas aliadas e amigas: cruzam-se de vez em quando nos céus do mundo sinais pouco tranquilizadores; êles não nos deixam entoar em pleno júbilo um cântico à paz.
Mas há uma cousa que devemos fazer: acompanhar com os nossos votos os esforços generosos das nações que trabalham afincadamente para organizar a convivência internacional em bases de segurança e de justiça.
Não fazemos nisso o menor esfôrço: cumprimos apenas um dever de cristãos e um preceito do estatuto fundamental da Nação que proclama há doze anos que Portugal é uma nação pacífica. Que Deus abençoe êsse esfôrço. Que não tenham sido vãos para a paz do mundo tanto sofrimento, tanta miséria, tantas ruínas, tanta vida ceifada e em flor e tanto sangue derramado.
Formulemos estes votos, que são fecundos; cultivemos esta esperança, que Deus há-de permitir não seja vã.
E, se nos é permitido um pouco de egoísmo no meio da alegria geral, voltemo-nos para dentro da nossa casa lusitana: evoquem todos os portugueses o quadro trágico da desolação das batalhas e pensem que chegaram ao fim de quási seis anos de guerra em paz, com os seus lares, ricos ou pobres, intactos e que a política que conseguiu tais resultados merece o reconhecimento da Nação; merece a união de todos os portugueses de boa vontade, para que Portugal, que conservou o seu pres-