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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 165
forma evidente, que essa regra é apenas aplicável às concessões futuras e não às anteriores.
O decreto n.º 13:829, quando estabelece disposições aplicáveis às antigas emprêsas concessionárias, declara-o expressamente, como acontece mos artigos 33.° e 36.°
Nem outra interpretação pode ser atribuída àquela disposição legal.
Muito se tem escrito acêrca da natureza jurídica dos contratos de concessão dos serviços públicos, mas é hoje doutrina assente que êsses diplomas têm normas de carácter geral, criadoras de situações jurídicas objectivas e regras de carácter estritamente contratual que criam situações jurídicas de natureza subjectiva. Só as primeiras dessas normas são susceptíveis de serem modificadas por lei, pois as outras apenas de comum acôrdo e em novo contrato se podem alterar, (Jèze, Les príncipes généraux de droit administratif, ed. 1914, p. 28; Dr. Magalhãis Colaço, Concessões dos serviços públicos, pp. 77 e seguintes; Dr. Marcelo Caetano, Manual de direito administrativo, pp. 87 e seguintes).
Não sofre dúvida alguma que as regras que estabelecem o preço da indemnização, no caso de resgate da concessão, são daquelas que criam situações jurídicas subjectivas e, por isso mesmo, são immodificáveis por via legislativa.
Das considerações expostas resultam as seguintes conclusões:
a) Nos antigos contratos de concessão dos caminhos de ferro portugueses não se estabelece que o Estado fique obrigado a pagar em separado, no caso de resgate, o preço do material circulante, pois antes se depreende que êste se considera incluído na respectiva indemnização;
b) Êsse sistema de indemnização está em desharmonia com os princípios que actualmente informam o direito administrativo em matéria de resgate e é susceptível de causar sérios prejuízos às emprêsas concessionárias;
c) A regra consignada no artigo 67.° do decreto n.º 13:829 é inaplicável aos contratos anteriores;
d) O Govêrno poderá, se assim o entender — e tanto não cabe à Procuradoria Geral da República propor —, obedecendo a motivos superiores de ordem económica e de interêsse geral, acordar com as emprêsas concessionárias que sejam alteradas as disposições contratuais em matéria de resgate, por forma a harmonizá-las com os princípios geralmente seguidos sôbre êsse assunto.
O Ajudante do Procurador Geral da República, Luiz Lopes Navarro.
Êste parecer foi votado por maioria do Conselho da Procuradoria Geral da República de 24 de Fevereiro de 1938, com a seguinte declaração de voto do Ex.mo Sr. Procurador Geral da República:
«Feita uma concessão para a construção e exploração de um caminho de ferro, a emprêsa concessionária é obrigada a fazer à sua custa as expropriações necessárias, os trabalhos da linha, incluindo pontes, assentamento de carris e edifícios, etc., e já se sabe — é corrente e é de lei — que tudo isso, a que se chama o material fixo, no dia em que terminar a concessão, pertence ao domínio pública do Estado, que pode continuar a exploração em régie ou dar-lhe o destino que mais convenha aos interêsses do País.
Até então a emprêsa concessionária era uma simples detentora ou usufrutuária.
Para a exploração é indispensável que a emprêsa adquira, à sua custa, o material necessário, designadamente as máquinas, carruagens, etc., isto é, o material circulante, e ainda provimentos, como carvão e óleo.
Tudo isto é propriedade exclusiva da emprêsa, o que me parece não sofrer contestação séria.
Estipulam os contratos que, terminada a concessão, o Estado se reserva o direito de adquirir o material circulante que lhe convier para continuar a exploração, excluindo aquele que, por estar deteriorado ou por outro motivo, pudesse vir a ser um encargo inútil.
Da mesma forma o Estado reserva-se ainda a faculdade de resgatar a concessão em qualquer época, findo um certo período de anos, que tem regulado quinze, pagando, neste caso, à emprêsa concessionária uma indemnização calculada sôbre as receitas que ela arrecadava.
Já se sabe, e acima o dissemos, que, terminada a exploração, o material fixo passa para o Estado; mas o material circulante e os abastecimentos, que eram propriedade exclusiva da emprêsa, que destino têm?
Não o dizem expressamente os diversos contratos celebrados antes do decreto com fôrça de lei n.º 13:829, de 17 de Junho de 1927.
Entende a maioria do Conselho da Procuradoria Geral da República que, se o Estado resolver fazer o resgate de uma concessão, em qualquer época, nos termos em que ficou a sua reserva, nada tem a pagar à emprêsa pelo material circulante que a esta pertencia, porque o preço dêsse material já foi incluído na indemnização que se calculou dar-lhe e, pagando-o além da referida indemnização, pagava duas vezes.
Pouco valor tem êste argumento desde que se faça a reflexão de que a quantia paga pelo Estado é sòmente a indemnização pelos lucros cessantes, por não ter completado o período de exploração durante todo o tempo do contrato.
Outro é, a meu ver, o sentido a dar à interpretação do contrato da concessão.
Resgatar a concessão é simplesmente fazer cessar desde logo a exploração, antecipando a época em que normalmente esta terminaria; e, então, creio eu que, lògicamente, se aplicam os mesmos princípios que regem o caso em que a concessão acabaria por ter terminado o prazo do contrato, salvo se nesta houvesse alguma cláusula que determinasse o contrário. Mas não há.
Omissão quando se fez o contrato? Não é de crer.
Tratando-se de assunto tam importante para ambas as partes, que tiveram o cuidado de se referir a cousas de menor valia e que decerto foi muito estudado e debatido, se a houvesse, teria sido remediada em alguns dos contratos subsequentes, o que não sucedeu, porque todos os contratos conhecidos até Junho de 1927 — e são êsses que para o caso interessam — têm redacção idêntica.
É a intenção, a vontade dos pactuantes que rege as estipulações contratuais. Ao interpretar um negócio jurídico é necessário ver qual seria o pensamento dos contratantes relativamente a êsse negócio, isto é, determinar o exacto alcance das palavras ou cláusulas que do contrato constem.
No caso que se discute, não posso crer que o Estado tivesse em mente deixar aberta uma porta pela qual, num dia, recebesse, sem dispêndio algum, o material que no dia seguinte teria de pagar, se tal porta não existisse; assim como não acredito que houvesse uma emprêsa que tal aceitasse.
Na realidade, a dar-se ao contrato a interpretação que a maioria do Conselho entende, o Estado, tendo a liberdade de fixar a época do resgate nos termos do artigo 27.° do contrato, podia, para tanto, designar qualquer ano: o penúltimo do contrato, a penúltima