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104-(4) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 62

são, e esta deve ser feita quanto antes e não abranger apenas o problema em causa.
Julga, porém, a Câmara Corporativa que os diminutos anos de vida de tão relevante monumento nacional de codificação administrativa, como é o Código de que nos ocupamos, em cujos trabalhos colaboraram os nossos mais reputados administrativistas e até S. Ex.ª o Presidente do Conselho, não fundamentam a revisão para já daquele diploma, cuja «orientação profundamente nacionalista, dentro da tradição municipalista que adoptou, foi recebida - são judiciosas palavras do Sr. Dr. Mário de Aguiar - com justificado júbilo por todos aqueles que vêem no progresso dos concelhos um dos mais poderosos factores do engrandecimento nacional».
Mas, reportando-nos ao assunto em apreciação, não vemos que ponderosas razões possam basear o pretendido restabelecimento.
Ressuscitar uma entidade cuja existência se vinha criticando, pelos malefícios que originava, sobretudo nos costumes políticos, e de que até o atrás citado decreto n.º 9:356 se fez eco, seria provocar a revivescência de processos que fizeram o descrédito do País e eram bem o atributo da orgânica demo-liberal.
Ora, se ao presidente da câmara foi, nos códigos do Estado Novo Corporativo, atribuída a concentração, nos seus poderes, de atribuições de magistrado administrativo e de autoridade policial, foi porque se vinha operando uma forte reacção doutrinária e legislativa no sentido de acabar com o lugar de administrador de concelho.
Com efeito, a lei n.º 621, de 1916, dava ao presidente da comissão executiva municipal competência para substituir o administrador de concelho; o decreto 11.º 9:356, de Janeiro de 1924, suprimia o cargo de administrador, ainda que promovesse o provimento das respectivas funções; e o decreto n.º 14:812, de Dezembro de 1927, extinguia as administrações de concelho, cujos serviços eram transferidos para as secretarias municipais, embora contraditoriamente mantivesse o cargo.
Assim, em face do desprestígio em que caíra a autoridade administrador de concelho, mercê dos vícios gerados pela política de campanário e pela máquina eleiçoeira e dos atritos e até conflitos entre a edilidarle e aquele magistrado administrativo, os quais nem mesmo a afinidade partidária evitava, porque era sobrelevada pela vaidade pessoal o pelas preocupações de mando, criara-se nu administração local e na opinião pública a atmosfera de desagrado e antipatia contra os administradores de concelho, ainda que nem sempre fossem arbitrários e mesmo prepotentes, visto que os havia exercendo o cargo com ponderação, dignidade e espírito de colaboração.

7. Independentemente das críticas já feitas ao lugar de administrador de concelho, a Câmara Corporativa não vê a necessidade da sua criação. E isto porque:

a) Quanto às funções de autoridade policial, são elas exercidas ou pelos próprios presidentes das câmaras naqueles concelhos em que naturalmente dispuserem do tempo suficiente para, além de cuidarem da gerência municipal, se ocuparem daquelas funções, ou pelos vice-presidentes, por virtude da delegação nos termos do artigo 81.º do Código Administrativo, ou pelo comandante distrital da polícia de segurança pública nos concelhos que forem sede de distrito, ou pelo comandante de secção daquela polícia nos concelhos em que a houver, sendo ainda de notar que onde há postos de polícia de segurança pública vêem os presidentes e os vice-presidentes a sua missão policial muito facilitada;
b) Quanto às funções de magistrado administrativo, elas são asseguradas pela sua atribuição aos presidentes das câmaras e harmonizam-se com a qualidade de delegados e representantes do Poder Central, cumprindo-lhes a executar e fazer executar no concelho as leis e regulamentos administrativos», além do dever de informarem o governador civil sobre todos os assuntos de interesse público que esse magistrado deva conhecer.
Como com todo o acerto escreveu o Sr. Dr. António Augusto Pires de Lima no seu livro sobre Administração Pública, a p. 91, e o presidente nomeado pelo Governo é o traço de união entre este e a vereação eleita; sem ele há o divórcio entre a administração local e o Estado, o que é dos mais perniciosos efeitos», sendo certo que «a existência de uma câmara eleita, representante directa do município, mas presidida por um funcionário nomeado pelo Governo, e por isso representante do Estado, é uma fórmula feliz, porque conjuga e harmoniza o princípio municipalista com outro princípio que obriga o Governo a fiscalizar o cumprimento das leis e o desenvolvimento da Nação».
A larga experiência tinha mostrado os inconvenientes e prejuízos resultantes dos excessos da descentralização, cometidos à sombra de um imperfeito entendimento das franquias dos municípios. Por sua vez, ca tutela administrativa já se não apresenta como instituição só defendida pelos inimigos dos foros e regalias municipais, mas como instituição necessária à defesa do interesse geral e até à defesa bem compreendida de certos interesses particulares dos povos, protegendo-os contra os erros de uma má gestão administrativa» (parecer atrás citado).
Ainda, por outro lado, ao mesmo tempo que se cercava de prestígio e autoridade o cargo de presidente da câmara, eram tidas em vista, para o caso de exorbitância no exercício das funções, as inspecções exercidas pelo conselho municipal, pela superintendência do Governo e pela própria opinião pública, como salientou acertadamente um ilustre Deputado aquando da discussão conducente à publicação do primeiro Código Administrativo do Estado Novo.
Houve, por isso, o melhor cuidado em procurar obter o rendimento e eficácia na gestão dos negócios municipais, em ordem a servir o melhor possível o interesse local, conjugado com o interesse nacional. Com esta finalidade é que a Constituição Política prescreve no seu artigo 127.º que «a vida administrativa das autarquias locais está sujeita à inspecção de agentes do Governo, podendo as deliberações dos respectivos corpos administrativos depender da autorização on exigir a aprovação de outros organismos ou autoridades e ser submetidas a referendum».
Tudo isto serve, afinal, para concluir que o legislador tomou as necessárias medidas do prudência para, respeitando as tradicionais liberdades municipais, prevenir abusos e exageros, para o que estabeleceu o elo de ligação entre o Estado e o município, ou seja o presidente da câmara com os seus poderes e atribuições de magistrado administrativo e até de autoridade policial.

8. Não se alcança, pois, onde reside a vantagem de retirar aos presidentes das câmaras tais poderes e atribuições, para os conferir a uma entidade a restabelecer, cujo descrédito está intimamente ligado à orgânica defeituosa e aos vícios de funcionamento do caduco estado liberal.
A despeito de todos os defeitos inerentes à entidade administrador de concelho, ainda se poderia compreender no tempo do liberalismo o sistema dualista, uma vez que o Poder Central precisava de alguém de sua confiança que o representasse no concelho e fosse o elemento informador da acção administrativa local, dado que a escolha de presidente do município era feita por eleição.