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11 DE JANEIRO DE 1947 239

inteiras que já não podem viver sobre o mesmo pedaço de chão, aguardam nos Açores, a maior parte com os passaportes já tirados e as consequentes despesas feitas, um navio que lhes leve para o Brasil a pequena bagagem de emigrantes e a grande alma de trabalhadores.

Alguns, fartos de interrogarem os horizontes, largam a terra que cavaram ou o mar que venceram e afoitam-se até esta Lisboa, para onde convergem, a toda a hora, ambições esmaltadas de virtude, desejos animados de maldade, alegrias maciças, felicidades transitórias, desgraças perenes, bons e maus destinos.

Ao deixarem as suas ilhas, aquelas ilhas fiéis que nem os contras da distância nem os castigos do tempo desviam do amor a Portugal, esses bons açorianos pensam que junto deste Tejo magnífico, que é o rio por onde o nosso sangue se deu ao Mundo, mais depressa poderão alcançar o porto do sen destino.

Trazem as magras reservas que ganharam ou a negra importância que pediram emprestada, e, as portas a que se chegam não se abrem, os navios que partem não os tomam, a barra, por onde saem tantos, cerra-se para eles. Conhecem então a via dolorosa das maiores angústias: dia a dia o dinheiro se consome, dia a dia a esperança se fina. Emigrantes na própria Pátria, anuviam-lhes o primeiro adens de despedida, turvam-lhes a primeira lágrima de saudade.

Menor era o sobressalto dos antigos embarques de penedo, quando os veleiros, na calada da noite, bordejavam pelas ilhas quietas. Menor ora o sofrimento de partir, sem um abraço, de qualquer enseada escondida ou de um buraco de rocha, som luzes e sem almas.

Sr. Presidente: já aqui foram prestadas as devidas homenagens à nossa marinha mercante, ao devotado esforço das equipagens, heróico durante a guerra, incansável durante a paz.

A tonelagem não dá, diminuíram as linhas de navegação estrangeiras, carrega-se mais, viaja-se mais. É talvez o reabrir dos rumos tapados pelos bloqueios. Mas que não venha a ganância instalar-se no coração da dificuldade.

Não existe uma rigorosa escala de preferencias por datas de inscrições. Ressalvados os direitos dos que se deslocam em serviço público, não se fiscaliza o cumprimento da ordem por que cada nome é dado ao rol nas diversas agências, e, sem se saber como, nasceu e multiplicou-se um "mercado negro" que defrauda os que pretendem passagens nos navios sempre cheios.

Fala-se então em somas enormes, em milhares de escudos entregues a agentes e influentes sem escrúpulos; nos que também não tinham lugar e embarcaram à última hora; nos últimos que saltaram por cima dos primeiros; na sem-razão das escolhas; nos negócios o nos lucros pasmosos.

Sr. Presidente: isto não pode continuar!

Apoiados.

Eu sei que o "não furtarás" do velho mandamento é cada vez mais letra morta numa época em que a psicose da riqueza rola como onda sobre areia.

Eu sei que o fanatismo do ouro é todos os dias maior e que já se não pergunta donde vem o dinheiro para as mãos que o não tinham ontem e hoje o gastam sem dó nem rebuço.

Eu sei que o roubo se civilizou e veio do pinhal da Azambuja para a cidade, convertendo-se na arte de "desviar" ou na habilidade de "alcançar".

Mas não há palavras que nos tirem da consciência a distinção eterna entre o bem e o mal.

É preciso que se acabe com isso a que já alguém chamou "o tráfico de influência".

Persiga-se a desonestidade, por todos os modos e em todos os campos.

Não, eu não queria dizer, como Sá de Miranda:

Que eu vejo nos povoados
Muitos dos salteadores,
Com nome e rosto d'honrados.

Sr. Presidente: peço pela justiça, mas peço mais por esses açorianos que viveram a tortura de conseguir o dinheiro da sua passagem para o Brasil e nas ilhas distantes, ou nesta Lisboa que os sufoca nas agonias de o não ter, padecem o martírio de não poderem pagar essas outras passagens, que, sem os incómodos da viagem e a dureza da sorte, conduzem os exploradores da miséria aos brasis da nova idade.

Suponho que o remédio está em o Governo, pelos seus órgãos competentes, regulamentar e fiscalizar as inscrições de passageiros nas diferentes agências de navegação, estabelecendo a ordem das prioridades e fixando uma quota de embarque para os que vivem longe e não podem, vir para Lisboa esperar que lhes consigam, com as maiores dificuldades, um lugar muito difícil num navio dificílimo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, se esta fórmula não sorve, descubra-se outra, contanto que desapareça o "mercado negro" que suga os emigrantes e se ponha fim às dúvidas e aos desesperos dos que pretendem embarcar, pagando só o que é devido.

Ouvi e recebi queixas, lamúrias, revoltas, pedidos, para eu pedir. Cheguei a comover-me com alguns casos e a considerar o meu reduzido valimento pessoal. Depois pensei: prefiro pôr a questão no plano geral e defender o interesse comum, o interesse comum, Sr. Presidente, que nos manda ser leais sempre, verdadeiros sempre, honestos sempre.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - À proposta de lei sobre estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, cuja discussão na especialidade constitui a primeira parte da ordem, resta apenas acrescentar uma base nova, proposta pelo Sr. Deputado Franca Vigon.

Vai ler-se essa base nova.

Foi lida na Mesa. É a seguinte:

"1.º Proponho que às bases da proposta de lei n.º 68 se acrescente a seguinte, com igual ou mais conveniente redacção:

BASE

As condições do regime de trabalho nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra não poderão ser inferiores às estabelecidas na legislação geral sobre contrato de trabalho por que se regem as empresas privadas".

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.