14 DE JANEIRO DE 1948 135
O Sr. Froilano de Meio:- Sr. Presidente: se o artigo 97.º da Constituição Política da República Portuguesa não tivesse na sua parte final a restrição que aí nos é imposta, tomaria eu a iniciativa de apresentar um projecto de lei para ser sujeito à discussão da Assembleia. Porque tenho a certeza de que nenhum colega nesta Câmara me recusaria o seu voto e das bandas do Govêrno, e muito particularmente por parte do nosso ilustre colega mesta Casa Sr. Ministro Teófilo Duarte, a quem se não podem regatear louvores pelo empenho com que procura desenvolver os nossos territórios ultramarinos em linhas modernas de progresso e civilização, haveria certamente a mais decidida vontade em dar a esse prometo a mais ampla execução.
Vista, porém, aquela restrição, tenho de limitar-ma a fazer uma simples sugestão para, ser tomada pelo Govêrno do País na consideração que merecer.
Afigura-se-me ela patriótica, humanitária e de uma alta projecção internacional. Ainda mais: constituirá, porventura, no presente momento, no tablado das nações, mais um testemunho irrefutável da nossa capacidade colonizadora e do cuidado que a Portugal merece o bem-estar das populações indígenas confiadas, desde há séculos, à sua guarda e tutoria.
Mas não sou eu, certamente, a voz qualificada para a classificar.
A sua aceitação ou rejeição só pode provir dos membros desta Casa, especialmente dos representantes das nossas grandes províncias africanas, às quais a minha sugestão de que sublinharei apenas o intento altruísta e totalmente desinteressado - mais particularmente diz respeito.
Estou neste momento a evocar as esplêndidas sessões do I Congresso de Medicina Tropical, reunido em Luanda em 1922, e as impressões aí trocadas e os votos aí emitidos por colegas nacionais e estrangeiros. E treze anos depois revejo o brilho com que na cidade de Lourenço Marques a medicina portuguesa se defrontou com a formidável técnica e organização sanitária dos cientistas da União Sul-Africana.
Conheço as nossas duas grandes províncias da África, a epopeia da sua colonização, a vastidão dos seus territórios, as intempéries dos seus climas de planície, a deliciosa amenidade dos seus planaltos, onde poderiam viver uma vida sadia milhões de colonos brancos, os sofrimentos torturantes dos pioneiros, em que se enfileiraram corajosamente tantos conterrâneos meus indo-portugueses, e a miséria do aborígene, de que o nosso ilustre colega capitão Henrique Galvão nos deu ainda no ano passado, em sessão, privada da Comissão das Colónias, uma imagem tão viva e que dia a dia o esforço português tenta chamar ao grémio da civilização. E ocorre-me à mente o conceito de Lyautey, de que por cada médico que se lhe enviasse dispensaria um regimento de ocupação.
Sr. Presidente: as nossas províncias de Angola e Moçambique estão atingindo um desenvolvimento cada vez maior. Nas suas capitais florescem presentemente serviços sanitários que nos fazem honra. Já há aí núcleos de investigação científica que chamam a atenção dos centros cultos das nações coloniais.
Mas tanto não basta! A assistência sanitária continua a ser escassa, a higiene e a puericultura estão na infância, sobretudo nas áreas rurais esparsas pela selva, onde vive o capital humano aborígene, que nos cumpre amparar e desenvolver.
E essa assistência e a educação e bem-estar que dela derivam nunca serão perfeitas, por mais eminentes que sejam as seus agentes recrutados na metrópole, se a não confiarmos ao elemento local, ao filho da terra que aí nasceu ou que dessa terra fez, em levas de colonos, a sua pátria de adopção.
No estado de adiantamento que atingiram essas duas províncias, à chegado o momento de criarmos eu Luanda e Lourenço Marques duas escolas médicas, destinadas a formar, por agora, médicos auxiliares, chamados a colaborar na grande obra de saneamento e assistência que está hoje sendo dirigida por distintos colegas metropolitanos.
Não seria uma política inteiramente nova em territórios africanos. Têm escolas médicas Madagáscar e o Senegal, para não falarmos das formidáveis Universidades do Egipto e da África do Sul. E só nós havemos de ficar atrás, quando foi a alta visão dos nossos estadistas que preconizou, há mais de um século, essas escolas no ultramar, das quais apenas a Escola Médica de Goa foi uma magnífica realização, que tanto contribuiu para o bom nome da medicina e da higiene portuguesa?!
Com os esplêndidos hospitais e institutos existentes nas duas capitais, muito escassos fundos seriam necessários para a criação dessas escolas. Um curso geral de dois semestres, em que os primeiros seis seriam destinados ao estudo da Introdução às Ciências Médicas (Anatomia, Química Biológica, Fisiologia, Bacteriologia e Parasitologia, Histologia Normal e Patológica, Anatomia Radiológica, Física Médica Aplicada, Dietética e Enfermagem), confiado à agência de professores full-time especialmente recrutados para esse fim, e quatro semestres de Patologia e Clínicas - Médica, Cirúrgica, Obstétrica, Ginecológica, com um curso especial de Pediatria - em serviços hospitalares e sob a direcção dos respectivos médicos do quadro, que por esse facto receberiam uma gratificação condigna, constituiria um empreendimento notável, susceptível de ser modificado mais tarde, segundo a experiência o aconselhasse.
Após essa preparação, um curso especial de seis meses de Higiene e Epidemiologia e de Medicina Legal, sob a direcção do chefe dos serviços de saúde ou seus adjuntos, completaria a educação profissional dos formados nessas escolas.
Compreendeis que não é meu intuito dar um plano completo para a fundação dessas, escolas. É apenas uma sugestão a que os competentíssimos colegas que trabalham em Angola e Moçambique dariam certamente os retoques finais.
Seria talvez conveniente que o número das inscrições fosse limitado, para um melhor aproveitamento profissional: supondo que a limitação fosse de vinte alunos apenas, saídos do 7.º ano dos liceus, e que atingissem a meta final 50 por cento dos matriculados, teríamos em cada escola os primeiros cinco anos de formatura, nada menos de cinquenta médicos auxiliares a colaborar na grande obra nacional de assistência e saneamento das terras africanas!
Que esplêndida messe no cultivo do continente africano e que magnífico título de glória para a História da Colonização Portuguesa!
Tenho dito.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Conselho Técnico Corporativo em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cortes Lobão.
Enviados pela Secretaria Geral do Ministério da Economia, estão também na Mesa os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Figueiroa Rego.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Mira Galvão.