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14 DE JANEIRO DE 1948 137

O Sr. Moura Relvas: - Em Os Espectros não vem qualquer referência que leve a afirmar categoricamente que o pai de Osvaldo era alcoólico.

O Orador: - Mas o que vem categoricamente afirmado é a consulta ao médico.
O médico, ao dizer-lhe qual a doença e que o seu mal o tinha desde que nascera, empregou um nome técnico que não compreendeu, pelo que lhe pediu se explicadde. Então o médico responde-lhe por estas palavras: «Os filhos pagam os pecados dos pais»!

O Sr. Moura Relvas (interrompendo): - Podem pagar com fenómenos de degenerescência, mas não se sabe qual era a tara do pai do Osvaldo. Suponho que era talvez a sífilis, mas isso não está bem averiguado.

O Orador: - Eu não emprego este argumento para comprovar as minhas palavras, mas apenas para dar a minha impressão do que é hereditariedade.
É o pavor da hereditariedade: o castigo cai sobre vítimas inocentes, chamadas à vida, sem culpa alguma, a pagarem os desmandos, os crimes dos pais.
O Dr. Mário Simões dos Reis, adjunto do Instituto de Criminologia de Lisboa, tem um trabalho notável, pelas indicações preciosas que dá, sobre A Vadiagem e a Mendicidade em Portugal.
Sobre a hereditariedade dos alcoólicos escreve ele:

O alcoolismo dos pais ocasiona quase sempre a delinquência dos filhos, quer pela alteração de germen, donde advém uma debilidade congénita da criança pela intoxicação, quer pela criação de um meio favorável, amoralité, quer pelo exemplo directo, porquanto muitas vezes se observa nas famílias, aos sábados e aos domingos, todos se embriagarem até caírem de bêbedos...
O alcoólico transmite aos seus descendentes os efeitos do terrível mal, pois que, numa percentagem considerável, a experiência tem demonstrado que os indivíduos procriados em estado de embriaguez soo raquíticos, fracos, impotentes, degenerados, cheios de mazelas e deformidades várias, o que já se pensava na mais remota antiguidade, e tanto assim que Hipócrates afirmava que uma lei cartaginense não permitia que se bebesse senão água na coabitação marital.

O Dr. Luís de Fina, que ao estudo destes problemas tem dedicado o seu alto valor cientifico, numa conferência que fez no Porto,- intitulada Etiologia e profilaxia do crime, põe perante nós, com uma evidência cristalina, o que é a herança, a hereditariedade do alcoólico.
Ele diz, apontando números, que os grandes criminalistas encontram percentagens assustadoras, que vão até 77 por cento, de indivíduos delinquentes cujos genitores eram alcoólicos.
E diz mais:

A acção do álcool sobre as células germinais é manifesta. A não ser possível uma abolição, ao menos restrinja-se o consumo do álcool.

E, desoladoramente, acrescenta:

Porém, num país de vinho como o nosso este problema há-de permanecer inatacável durante muito tempo. Todavia, algumas medidas poderiam ser postas em uso, como as adoptadas em alguns países...

Uma dessas medidas seria não permitir que se abrissem tabernas próximo das fábricas ou onde trabalham
operários, sendo certo que, como diz o Dr. Ramalho Fontes no seu livro O Alcoolismo, o álcool é o maior inimigo das classes proletárias.
E o que acontece?
E precisamente onde trabalham as massas operárias que as tabernas se abrem, onde passam as horas de descanso, apesar de recintos apropriados para tal dentro das fábricas.
Conheço casos em que as mulheres de operários vão junto das gerências das fábricas pedir que os salários lhes sejam entregues, e não aos homens, para que estes os não gastem nas tabernas.
O taberneiro vende fiado até ao pagamento da féria e aumenta o preço ao vinho na proporção em que é elevado o salário.

O Sr. Quelhas Lima: - Esse facto não se dá apenas com o vinho.

O Orador: - Mas aqui tratávamos do vinhos. Ora é precisamente junto das fábricas que propositadamente, ao que parece, abrem essas tabernas.
E o operário paga sempre e em qualquer condição, porque quer ter sempre a porta aberta. Quem sofre é a família. Mas que importa, se é preciso vender o vinho!

O Sr. Carlos Borges: - Há um decreto que regula a abertura de tabernas, e se o há é para ser executado, afastando-as das escolas e outros lugares...

O Orador: - Pois há um decreto; eu sei. Mas há mais.
A febre de abertura de tabernas é tal, e junto das massas trabalhadoras, que, mal há conhecimento de que uma obra de construção civil de certa duração se vai fazer, se instala imediatamente próximo uma taberna, em simples barracão de madeira, se é de pouca duração, e mesmo de pedra o cal, se a obra é para durar, e me acontece em Fão com a construção do posto radiogoniométrieo que está a fazer-se para a aviação da marinha.
Há cidades em que as tabernas pululam por toda a parte, com todos os seus malefícios, sendo constantes os pedidos de abertura de novas, apesar do que nelas se passa.
Para o Minho a taberna tem tal fama que nos tribunais o dizer-se de uma testemunha que é homem de taberna é suficiente para não se lhe dar crédito, para pôr de parte o que ela diz.
Em Braga e Guimarães, por exemplo, são inúmeros os conflitos que nas tabernas têm a sua origem e que aos domingos levam, por via de regra, gente ao hospital e à cadeia. Não é raro, de vez em quando, dar-se um crime de morte motivado por embriaguez. Ainda há quinze dias, contaram-me, apareceu morto um homem à porta de uma taberna numa das freguesias rurais do concelho de Braga.
Estes e outros factos levaram a imprensa desta cidade de Braga a encetar uma inteligente e moralizadora campanha no sentido de se condicionar a liberdade de abertura de novas tabernas e de se redobrar na fiscalização das mesmas para se evitarem os abusos, o que imediatamente foi secundado pelas autoridades e até polo próprio grémio do comércio. Ordenado um rigoroso inquérito, chegou-se à conclusão de não se dever admitir a abertura de novas, pela sua superabundância, e, quanto às existentes, cuidar do seu asseio e higiene, regulamentar e fiscalizar o seu funcionamento e frequência e mandar encerrar aquelas que, pelo local, comprometem a dignidade dos templos e dos monumentos e as que são inconvenientes pelas proximidades do escolas e quartéis, etc.