O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

142 DIÁRIO DAS SESSÕES- N.º 123

ploma que nós aqui votámos e em sucessivas regulamentações, tem imposto condicionamentos, e restrições a tal plantio.
Ora, perante tais excessos de produção é que se pretende defender a multiplicação das tabernas para facilitar o consumo? Não agravemos um mal com mal maior.
Sr. Presidente: estes problemas são realmente complicados para quem tem de os resolver, conciliando os três interesses: o económico, o moral e o social.
A todos é preciso atender. Mas não sacrifiquemos o interesse moral e social ao económico. E este o aspecto delicado da questão.
Fez-se aqui a apologia do vinho, considerando-se o vinismo como o maior inimigo do alcoolismo.
A propósito, o Sr. Deputado Moura Relvas falou-nos da Grécia, onde o vinho era largamente usado.
E logo, aproveitando o ensejo, o Sr. Deputado Quelhas Lima, em aparte, afirmou terem sido os gregos grandes no génio criador da sua arte maravilhosa.
Tive desejo de intervir na ocasião. Mas o Sr. Presidente chamar-me-ia à ordem, porque as interrupções sempre demoram os trabalhos, e não o permitiria. Direi agora daqui o que esse aparte me sugere.
Não foi só na Grécia que o génio floresceu, iluminado muitas vezes pela morbidez de um estimulante perigoso.
Em vários séculos houve manifestações dessa ordem na literatura, na arte, na poesia. O século passado, em que floresceram Pöe, Verlaine, Baudelaire, como antes, na nossa literatura, o incorrigível Bucage, ilustra iniludivelmente o asserto.
Mas quem nos diz a nós, Sr. Presidente, que essas fulgurações não iriam além do que foram se não fossem eles vítimas do álcool? Diz-se que Goethe bebia garrafas de vinho por dia, e isso até aos 79 anos, e depois, até aos 82 anos, idade em que morreu, continuou bebendo, embora menos. Mas num caderno diário de notas da sua vida que deixou escrito lamentava-se do facto, confessando que não devia ter bebido tanto.
Se pudesse abster-me de vinho, declarava numa nota dessas, seria 'muito feliz.
Em vinho falava ele, não em bebidas espirituosas, mas do vinho se considerava vítima.
Certamente teria vivido mais anos se tivesse sido absténio, diz, em comentário, o higienista, brasileiro Dr. Renato Keln, num artigo «Efeitos do álcool», que a prestimosa Liga Portuguesa da Profilaxia Social fez espalhar pelo País quando da sua campanha antialcoólica.
Todos os grandes cultores do Belo que adoraram esse deus macabro e o turiferaram em libações exaltadoras, uma vez regressados às regras da continência, lamentaram os anteriores desvarios e confessaram o seu erro.
Musset, em versos tristes, assim o proclama, declarando «ter perdido a sua força, a sua vida, os seus amigos, a sua alegria, e até a sua altivez, que lhe fazia crer no seu génio».
Erro crasso o de muitos que julgam só ser possível o génio excitado pelo álcool. Alexandre Dumas fustigou tal erro, afirmando serem incompatíveis o génio e o vício. Excluem-se, mas, quando por acaso se juntam na mesma pessoa, um mata o outro, dizia ele.

Agora o caso da América, da sua «lei seca», da ineficácia da proibição ali decretada, que já aqui foi citado para demonstrar que se tratava de bebidas alcoólicas ou espirituosas e que a impotência da lei para acabar com tais bebidas foi manifesta, pois a fraude e o uso clandestino das mesmas bebidas nunca deixaram que ela fosse cumprida.
Elucido, porém, que a proibição decretada nos Estados Unidos não abrangia, apenas o álcool, mas o próprio vinho também, considerado assim igualmente como
bebida alcoólica. Num livro publicado em 1929 - Les Etats-Unis d'aujord'hui, de André Siegfried - que tenho aqui e vim lendo durante a minha viagem de hoje, assim se diz: «Segundo o Volstead Act, é considerada como espirituosa toda a bebida contendo pelo menos 0,5 por cento de álcool, o que significa que a cerveja, a cidra e o vinho são interditos, da mesma maneira que o álcool propriamente dito».

O Sr. Al bano de Melo: - Eram ...

O Orador: - Sim, eram. O autor escreve no domínio da «lei seca».
Como se vê, na proibição decretada não se julgou inofensivo o vinho e como bebida alcoólica foi considerado.
Mas elucida-nos mais o livro a tal respeito, afirmando o contrário do que, salvo erro, já aqui se disse quanto aos benefícios da proibição.
Leio essa parte do livro nesse mesmo capítulo a que me venho referindo.
Diz o autor, que comenta o facto, é claro, repito, em plena proibição:

Destas condições novas que alteram a psicologia anterior da tentação, o povo anónimo, aquele que não conheceis, tira incontestáveis vantagens para a sua saúde, o conforto da sua existência, a eficácia do seu trabalho, o acréscimo dos seus salários. O rendimento do operário sóbrio é maior; sem sobrecarregar o seu custo de produção, os patrões puderam aumentar a sua retribuição; e os salários deixados disponíveis numa proporção acrescida pelo desaparecimento dos saloons, transformam-se em Foras, em essência, em «pneus, em rádios, em casas e também em economias. A 18.ª emenda contribuiu por seu lado para elevar o trabalhador americano ao nível de vida mais alto que o Mundo jamais viu.

E acrescenta, em comentário final:

O estado maior da produção, que conhece este aumento do poder de compra popular, cifrando-se em milhões de dólares cada ano, não aceitaria voluntariamente voltar ao regime anterior.

Mas voltou, porque o vício tem muita força e venceu todas as resistências legais. Mas isso não quer dizer que a abstenção do álcool e do próprio vinho não tivesse trazido as vantagens que Siegfried refere.
Não há vinismo que bata o alcoolismo se não for usado com moderação. Tudo é função da quantidade. Quem bebe demasiado vinho ingere quantidade de álcool que o prejudica.
Mas, porventura, bebe-se vinho moderadamente na taberna? Quem o pode afirmar, se os tristes factos que acompanham a vida das tabernas o desmentem? Aqui é que está a questão.
Nas tabernas bebe-se aguardente e vinho, mas imoderadamente. Só quem não anda pêlos tribunais, como eu, há mais de quarenta anos de vida profissional, é que não sabe e não vê que é nas tabernas que se geram as maiores desordens; elas são por assim dizer focos de constantes desordens, causadas na sua maior parte pela embriaguez.
O uso em demasia do álcool é foco de tuberculose, de loucura, de criminalidade e até de suicídios, conforme o provam as estatísticas, baseadas em cuidadosos inquéritos, e o confirmam os congressos, como o Congresso de Haia em 1911, o de Londres em 1912 e o de Marselha em 1930, vendo-se nos relatórios deste último algumas notas interessantes como estas que vou ler a VV. Ex.ªs