164-(2) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 125
der-se o espírito nacional. Fundado foi, por isso, o juízo de Gonzague de Reynold sobre o nosso passado e o nosso presente. «Le Portugal lui-même est une fondation de la croisade. La grande ligue de force qui traverse 1'kis-toire portugaise a son origine au pied de Ia croix. Lê Portugal e&t predestine à être un Ëtat chrétien, un Ëtat catholique. Toutes les fois qu'il l'oublie, il se retrouve nu comine Adam après le péché. Nu, c'est-à-dire un petit pays, divise, décadent, sans raison dêtre. Lê regime de Salazar n'est-il point le préliminaire, la préparation de l'État chrétien? 1
O Estado Novo compreendeu bem a importância que para o próprio interesse nacional tinha a restauração dos costumes cristãos e a liberdade de consciência dos católicos, e por isso tem procurado sempre - mormente pela Constituição Política e pela Concordata com a Santa Sé - tomar em consideração na política superior do País a necessidade de respeitar a tradição cristã viva na alma nacional.
Mantêm-se, no entanto, alguns preceitos nas nossas leis, ditados pelo jacobinismo que dominou o regime demo-liberal, preceitos esses que constituem grave violação da consciência católica e nacional. Referimo-nos às disposições reguladoras dos feriados e, em algumas localidades, do descanso semanal, as quais o projecto n.° 170 visa remodelar; por isso ele nos parece ser digno dos maiores louvores.
Para bem se apreciar o valor do projecto, cremos ser útil dizer, antes de o analisar, alguma coisa sobre o significado cristão e nacional do domingo e dos dias festivos e da consequente importância da respeito deles para o fomento da civilização cristã.
2. Importância dá reforma preconizada. - Por exigência da própria natureza, deve o homem dedicar ao serviço directo de Deus algum tempo, por meio do culto em que participe de modo adequado à mesma natureza, ou seja, não apenas por actos internos, mas com todo o seu ser, não somente por actos individuais, senão também como membro da sociedade, portanto em colectividade. E o próprio Deus declarou essa obrigação, recomendando ao homem no Decálogo que não se esquecesse de santificar o dia do Senhor. A Igreja mais não fez em tal matéria que regulamentar esta lei divina.
Tão profundamente se quadra à natureza do homem a obrigação de santificar os dias festivos que o próprio organismo dele exige o repouso periódico, sob pena de o trabalho o escravizar e brutalizar e de o lançar no ódio e na revolta.
Como se vê, a santificação do domingo e dos outros dias festivos não é um simples rito nem tem importância secundária, antes constitui condição fundamental, não apenas da vida propriamente religiosa, mas de toda a vida digna do homem e da sociedade.
Desligado de todo o pensamento cristão, o repouso cria no homem o amor da ociosidade e do prazer vão e, por contraste destes com o trabalho, desgosta o homem do labor diário e cria nele sentimentos de inveja e de revolta; desprovido de utilidade positiva, o descanso passa a ser visto pêlos patrões como entrave ao seu lucro e, se não os leva simplesmente a negá-lo ao trabalhador (como aconteceu no domínio do liberalismo), é considerado como concessão gratuita, mero favor ou conquista violenta dos assalariados.
Deste modo, o descanso, que devia ser fonte de energias e de elevação moral, torna-se origem de egoísmo, de desleixo e de dissenções e contribui para enfraquecer as virtudes necessárias à vida familiar e social.
Pelo contrário, quando vivificado pelo culto divino, o repouso recorda ao homem o seu fim eterno e a sua dignidade, irmanando no serviço de Deus homens de todas as condições e mostrando-lhes que, como filhos de Deus, todos são iguais; contribui para fomentar o amor recíproco e diminuir as diferenças de classes; alimentando o ideal cristão da vida, dá sentido elevado e sagrado ao trabalho e enche-o de alegria; fortalecendo as virtudes naturais e sobrenaturais, é esteio imprescindível para a vida da família e da sociedade.
A vida litúrgica, que através do ano faz reviver os grandes factos e verdades do cristianismo, é ainda indispensável meio de educação cristã e precioso instrumento de cultura humanista. Não estará aí, até, a explicação dos verdadeiros, rasgos de pensamento, de poesia e de arte, que tantas vezes nos surpreendem nos velhos autos e canções populares? Não estará aí a razão da dignidade que, no simples vestir, apresentava o trabalhador medieval e que de todo desapareceu?
Esquecidos de que o repouso dominical e festivo é um mandamento divino, cujo cumprimento é essencial à vida cristã, vêem-no alguns como perda de tempo, e chegam por vezes a querer corrigir a negligência lançada na vida pública pêlos costumes materialistas com a redução do tempo dedicado ao serviço de Deus. Pensar e proceder assim - urge acentuá-lo - é pretender remediar o erro por ele próprio, em vez de restaurar a vida cristã, verdadeira fonte do zelo e do entusiasmo no trabalho.
Demorámo-nos nestas considerações porque nos parece indispensável mostrar que o preceito de guardar os dias festivos não é mera rotina ou decreto arbitrário da Igreja. Só assim se vê até que ponto escandaliza e violenta a consciência católica tudo quanto contribua para o desprezo dos dias santificados; e só assim se explica o empenho dos inimigos do cristianismo em desviar o povo do cumprimento deste dever.
A obrigação, que o Estado Português assumiu no artigo XIX da Concordata, de providenciar no sentido de tornar possível a todos os católicos, que estão ao seu serviço ou que são membros das suas organizações, o cumprimento regular dos deveres religiosos nos domingos e dias festivos, esta obrigação - dizíamos - não é, pois, de somenos importância, antes de alto valor cristão e nacional.
E deve advertir-se que tal obrigação não se satisfaz com simples ausência de obstáculos ao cumprimento do preceito da Igreja, nem com meras facilidades para à pressa se ouvir missa. O preceito ordena a santificação dos dias festivos, entendendo-se por tal o lapso de vinte e quatro horas, de meia-noite a meia-noite. E essa santificação envolve, no aspecto positivo, o dedicarem-se esses dias ao serviço divino, à cultura do espírito e à vida familiar e, no aspecto negativo, a abstenção de todo o trabalho servil e de quaisquer ocupações que impeçam a santificação desses dias. É elucidativa, por exemplo, a censura de S. S. Pio XI à prática exagerada do desporto aos domingos, em uso na Alemanha nazi; falando do desporto, diz a encíclica Mit brennender Sorge: «quanto ao tempo que se lhe consagra, alarga-se ele muitas vezes ao ponto de parecer não se ter em conta nem o desenvolvimento harmonioso do corpo e do espírito, nem as obrigações da vida de família, nem o preceito da santificação do domingo. Com tal indiferença, vizinha do desprezo, tira-se ao dia do Senhor todo o carácter sagrado e de recolhimento, embora conforme às melhores tradições alemãs 1».
Tudo quanto deixamos dito demonstra a importância do projecto de lei em exame; e se pensarmos em como
1 Portugal, Éditions Spes, Paris, 1936, p. 166.
1 In Lumen, I, p. 389.