16 DE JANEIRO DE 1948 164-(3)
o cristianismo contribuiu no passado para a glória de Portugal, maior alcance e valor lhe atribuiremos. Só a civilização cristã pode salvar o Mundo e engrandecer o nosso País; e onde não se respeitar o carácter sagrado do domingo e dos dias- festivos, onde se julgar que o produto do trabalho ou as simples comodidades são mais valiosos que .a santificação desses dias, a civilização cristã não será uma realidade viva, mas uma aparência vã e enganadora.
Se pensarmos agora nos dias festivos meramente civis, diremos que devem inspirar-se nos mesmos princípios que enformam o repouso cristão. Feriados que recordem factos indiferentes à maioria dos cidadãos ou de carácter, sectário serão ineficazes ou nocivos; só os que fizerem vibrar os cidadãos num sentimento unânime, profundo e elevado poderão afervorá-los no ideal patriótico e no serviço nacional.
3. Plano da exposição subsequente. - Contém o projecto n.° 170 três artigos: no primeiro declara feriado nacional o dia 8 de Dezembro, festa da Imaculada Conceição; no segundo generaliza o descanso dominical a todo o País; no terceiro incumbe o Governo de rever os feriados nacionais.
Ao analisá-lo, na especialidade, não seguiremos: esta ordem, não porque não seja aceitável para o texto da lei, mas porque nos parece necessário, para clareza da exposição, separar dois aspectos fundamentais do projecto: o que respeita ao descanso dominical e o tocante aos feriados nacionais. Começaremos pelo primeiro destes aspectos.
II
Análise na especialidade
A) Descanso semanal:
4. Obrigatoriedade do descanso dominical. - Preceitua o artigo 26.° do Estatuto do Trabalho Nacional que «os trabalhadores da agricultura, da indústria e comércio têm direito a um dia de descanso por semana, que só excepcionalmente e por motivos fundamentados pode deixar de ser o domingo». Por seu lado, o artigo 19.° do decreto-lei n.° 24:40,2, de 24 de Agosto de 1934, dispõe o seguinte: «Todos os estabelecimentos comerciais e industriais deverão encerrar-se durante um dia completo, em cada semana. A determinação do dia de encerramento, que só excepcionalmente pode deixar de ser o domingo, é da competência das câmaras municipais, depois de ouvidos os organismos corporativos interessados, e sujeita à aprovação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência».
Como se vê, as nossas leis declaram-se nitidamente partidárias do descanso dominical, conformando-se aliás com os costumes universais 1. E o pensamento oficial do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência -estamos autorizados a dizê-lo - é inteiramente favorável à generalização deste princípio.
No entanto, e mau grado os porfiados esforços daquele organismo, há ainda em Portugal, onde outrora o domingo era respeitado e festejado, diversos concelhos que adoptam dia diverso para o descanso semanal.
(Esta prática, tão altamente atentatória da consciência da quase totalidade dos portugueses e tão notada pêlos estrangeiros que nos visitam, é inteiramente injustificada.
Pelos inquéritos efectuados pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência conclui-se que as razões por que geralmente nesses concelhos não se adopta o descanso dominical se reduzem à pretensa comodidade dos povos e à concorrência feita ao comércio local pelo de outros concelhos ou freguesias que descansam em dia diverso do domingo.
O argumento fundado na pretensa comodidade dos povos respeita à utilidade que haveria para as populações rurais, geralmente respeitadoras do domingo, em poderem aproveitar este dia para compras nas sedes dos concelhos.
Se é essa a razão do trabalho no comércio ao domingo, ela mesma o condena. Com efeito, esse sistema de descanso semanal consiste como se deduz do próprio argumento, em obrigar a trabalhar uns para que outros aproveitem o domingo em negócios que igualmente o profanam, facto duplamente reprovável, que de forma nenhuma pode justificar excepções ao preceito dominical.
A verdade, porém, é que a experiência de alguns concelhos que espontaneamente restabeleceram o descanso dominical demonstra que tal reforma em nada prejudicou os povos, que logo se adaptaram às novas circunstâncias. Por seu lado, o trabalho de parte da população ao domingo tem graves inconvenientes que urge suprimir.
Além do respeito devido ao domingo, que só com inteira inversão de valores pode subordinar-se a interesses materiais, graves inconvenientes do regime vigente exigem a generalização do descanso dominical.
Assim, nas localidades em que o dia de descanso para o comércio tem lugar fora do domingo, em dia, portanto, em que estão abertas as repartições públicas e outros serviços, cujo descanso é neste último dia, é frequente os patrões prevalecerem-se deste facto para forçarem os empregados a tratar de diversos assuntos junto dessas repartições e serviços no próprio dia de descanso, o qual assim fica prejudicado.
O uso do domingo como dia de mercado obriga os lavradores a deslocarem-se à sede do concelho mais de uma vez, uma para o mercado dominical e outra para tratarem de assuntos oficiais nas repartições públicas, encerradas no domingo.
Finalmente, a falta de uniformidade no dia de descanso semanal entre as populações, rurais e urbanas e entre as diversas localidades divide as famílias, pois não permite o convívio dos parentes nos dias dedicados ao repouso.
Deve ponderar-se ainda que esta falta de uniformidade coloca o trabalhador na situação desagradável e desmoralizante de ter de trabalhar quando os seus iguais repousam. Perde-se assim aquele sentido de comunhão espiritual criado pelo convívio no culto e na família, que tão grande valor humano dá ao descanso semanal.
Conclua-se, portanto, não só que são ilusórias as vantagens do repouso fora do domingo, mas também que essa prática tem graves inconvenientes. Acima de tudo, porém, condena tal sistema o preceito da santificação do domingo, o qual, na hierarquia dos valores que à sociedade cumpre observar, supera quaisquer interesses de ordem material.
Quanto à segunda razão apontada - a de pelo descanso dominical se permitir a concorrência de estabelecimentos pertencentes a localidades em que ele não é adoptado -, cumpre reconhecer que ela se baseia num facto real. A verdade é, todavia, que tal consideração não pode impedir a solução justa do problema, antes deve levar a generalizar, quanto antes, o repouso dominical; é essa, aliás, a aspiração de mui-
1 Vide Rapport sur le repos hebdomadaire dans l'industrie et le commerce, da 3.ª sessão do B. I. T., de Genebra, em 1921.