16 DE JANEIRO DE 1948 164-(5)
Imaculada Padroeira de Portugal, e ainda há pouco o ilustre Deputado Sr. Ribeiro Cazaes proferiu a esse respeito justas e vibrantes palavras que não podem deixar de ser atendidas.
8. Dias santificados de preceito, em geral. - Como se disse, o artigo 3.° do projecto incumbe o Governo de rever os feriados nacionais, de modo a ajustá-los aos dias santificados e às grandes datas da história nacional; no preâmbulo expõem-se os motivos por que não se entende conveniente propor a Assembleia Nacional que tome a seu cargo a reforma projectada. Examinemos primeiro (referindo-nos por ora apenas às festas de carácter religioso) a restauração dos dias santificados como feriados; Em seguida ponderaremos as razões invocadas para não regular directamente em lei esta matéria:
a) Os feriados nacionais que nos dias santos de preceito (então em maior número do que hoje) se guardaram em Portugal até à implantação da República foram abolidos pelo decreto de 26 de Outubro de 1910; apenas se mantiveram dois - Natal e Circuncisão do Senhor -, declarados feriados pelo decreto de 12 de Outubro do mesmo ano, embora designados- com nomes laicos, a fim de, na impossibilidade de os fazer esquecer, lhes tirar todo o sentido religioso. A precipitação e empenho que se puseram nesta, reforma1 mostram quão sectário era o espírito que a ditava e como ela era importante para a campanha de descristianização do País. Não obstante a intenção com que foram abolidos estes feriados, e apesar de assim se violentar gravemente a consciência dos católicos, nunca se restabeleceu o regime anterior.
É certo que o artigo 26.°, § 1.°, do Estatuto do Trabalho Nacional estabelece que as exigências do serviço (na agricultura, comércio e indústria) serão quanto possível harmonizadas com o respeito dos feriados civis e religiosos observados pelas localidades. É certo também que, segundo referimos, o Estado se obrigou, pelo artigo XIX da Concordata, a providenciar no sentido de tornar possível a todos os católicos que estão ao seu serviço ou são membros das suas organizações o cumprimento regular dos deveres religiosos nos dias festivos. A verdade é, porém, que nenhuma providência genérica se tomou - que saibamos - para dar cumprimento a estas disposições.
Entre parêntesis, observemos até que ainda há pouco se proibiu rigorosamente no Estatuto do Ensino Liceal (artigo 349.°) a concessão de quaisquer outros dias feriados (além dos domingos e feriados nacionais, das férias escolares e... da terça-feira de Carnaval) ou tolerância total ou parcial de ponto aos professores ou aos alunos.
Tem esta disposição por fim evitar possíveis abusos; simplesmente, pode entender-se que com ela se aboliram anteriores decisões oficiais que mandavam transferir para o sábado seguinte as aulas que caíssem em dia santificado. Esta última orientação, além de satisfazer ao disposto na Concordata, constituía um meio indispensável para assegurar a educação cristã, nos termos da Constituição Política, e garantia a eficácia do próprio ensino da religião e moral legalmente estabelecido. Por isso é de esperar que o novo regime não inutilize o progresso que deste modo se alcançou, e a forma de o conseguir - possivelmente já no pensamento do Governo - é consagrar agora, em lei geral, os dias santos como feriados nacionais.
Ora restaurar os feriados nacionais nos dias festivos de Igreja é, para o Estado, como sabemos, obrigação assumida, pela Concordata, pois já pusemos em evidência que os deveres religiosos a que este se refere são o de repouso festivo e o de santificar integralmente esses dias. Ainda, porém, que não houvesse tal obrigação, exigi-lo-ia o respeito pela consciência da maioria doa portugueses e a necessidade de fortalecer as virtudes nacionais neste momento em que o Mundo se debate na mais grave das crises, originada fundamentalmente na desorientação ideológica e no desregramento de costumes. É, portanto, a todos os respeitos um dever e uma necessidade restabelecer os aludidos feriados, e não seria compreensível ter-se, para o fazer, menos coragem e firmeza do que tiveram os que em 1910 calcaram as mais profundas convicções da maioria nacional.
b) Diz-se no preâmbulo do projecto em exame que, embora a Assembleia Nacional pudesse tomar a seu cargo resolver o problema, prefere-se incumbir a revisão dos feriados ao Governo, em virtude de se considerar a primeira solução, por unilateral, pouco conforme à política concordatária e se entender que os feriados assim decretados poderiam afigurar-se excessivos.
Salvo o devido respeito, não nos parecem convincentes estas razões.
A resolução do problema pela Assembleia Nacional não pode ter-se por unilateral, pois é satisfação de um dever imposto pela Concordata, como referimos; ainda que assim não fosse, porém, parece-nos que a solução unilateral em nada contraria a orientação definida pela Concordata.
Quanto ao número de feriados que resultaria de se acrescentarem aos existentes (ainda que todos devessem subsistir) os dias santificados de preceito, não nos parece que deva considerar-se excessivo.
Advirta-se, antes de mais, que o critério para apreciar este assunto não pode assentar em interesses de ordem puramente material. É sobretudo à luz da importância que, segundo dissemos, o respeito dos dias santificados tem para a vida cristã e cívica que o problema há-de resolver-se; ora, analisando-o desse ponto de vista nunca o número actual dos dias santos de preceito pode considerar-se demasiado.
Aliás, impõe-se notar que a febre de trabalho, que leva a desprezar um dever religioso que - como mostrámos - é fundamental, não tem origem na preocupação virtuosa de exercer utilmente as faculdades humanas, para servir a Deus e ao bem comum; é, antes, fruto do espírito materialista que subordina os valores morais ao puro interesse material e tende a escravizar o trabalhador ao Estado e aos patrões e a fomentar a revolta, além de, como reacção natural, senão lógico efeito daquele mesmo espírito, desenvolver a negligência e a resistência passiva, as exigências do trabalho. O tempo, como factor do trabalho, tem importância muito menor que a vontade, e esta só pelos grandes ideais pode fortalecer-se.
Por outro lado, cumpre ter presente que o número actual dos dias santos (dez, dos quais dois já são feriados) é muito menor que o dos observados em outros tempos e inferior ao dos que ainda hoje são oficialmente respeitados em outros países.
As Ordenações Afonsinas (L. III, III, XXXVI e § 1) mandavam guardar como férias judiciais os dias de Na-
1 O decreto de 12 de Outubro fixou os feriados nacionais, sem nada dizer quanto aos anteriormente consagrados nas leis nem quanto aos dias santificados. Num artigo sobre o assunto a Gazeta da Relação ao Lisboa (ano 24.°, n.° 35, de 27 de Outubro de 1910) sustenta que era intenção daquele diploma revogar a legislação anterior sobre feriados e dias santificados, aduzindo, entre outras razões, os «princípios e ideias do partido republicano» e a pressa com que o decreto foi promulgado; afirma até que pode assegurar ser aquela a intenção legal. Foi o citado decreto de 26 de Outubro de 1910 que veio remediar esta sôfrega precipitação, consignando no § único do artigo 1.° um preceito que, pelo sabor sectário, merece transcrever-se: «Os dias até agora considerados santificados serão dias úteis e de trabalho para todos os efeitos».