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22 DE JANEIRO DE 1948 183

ciações organizadas e com existência oficialmente reconhecida.
Vem a 4.ª étape: as câmaras municipais são suprimidas e substituídas por comissões municipais nomeadas in toto pelo Governo.
Vem a 5.ª étape, que é determinada pelo decreto n.° 35:229, de 8 de Dezembro de 1945, e contém os seguintes princípios, que abrigam o germe do vírus que há-de matar para sempre a vida municipal: o administrador do concelho, devendo ser em regra o presidente do corpo administrativo; a fusão das secretarias do corpo administrativo e da administração do concelho, continuando, porém, os funcionários municipais a ser pagos pelo respectivo município, segundo categorias dadas a esses funcionários pelo Governo, que os pode, por decisão sua, promover, transferir por conveniência de serviço para outro lugar idêntico do quadro geral e punir disciplinarmente.
A estas doutrinas, que, com o devido respeito por opinião alheia, reputo atentatórias das regalias municipais, veio dar a machadada final a portaria n.° 4:409, de 22 de Maio de 1947, do governo da índia, inspirada em moldes absorcionistas ainda mais rígidas que os do próprio decreto que os ditou.
Atentai nos termos deste diploma: «Artigo 8.° Os chefes das secretarias municipais - que, note-se bem, eram providos pelo Município, mediante concurso de provas públicas, e tinham os seus direitos garantidos por lei - terão no quadro geral da administração civil a que todos pertencem a categoria: e vencimentos de segundos-oficiais».
O texto do artigo 14.° afigura-se-me, além de absorcionista, uma espécie de isca destinada a silenciar qualquer reclamação dos interessados, com mira em sonhos dourados de ambições futuras. Ei-lo: «Os actuais chefes das secretarias municipais e os amanuenses destas secretarias (repartições centrais) de nomeação definitiva serão considerados funcionários de nomeação definitiva do quadro geral da administração civil» e (artigo 15.°) «Serão colocados nas vagas que houver no quadro geral da administração civil, por despacho do governador geral. Mais além (artigo 16.°): «os actuais chefes das secretarias municipais (repartição central) e amanuenses (de todas as secções? Porque não há-de haver clareza no enunciado de uma disposição, a fim de se evitar recursos futuros?!) de nomeação provisória poderão, por despacho do governador geral, preencher as vagas que sobrarem, depois de executado o disposto nos artigos 14.° e 15.°».
E para complemento: «na vaga que ocorrer na secretaria municipal, o corpo, por sua iniciativa, ou dentro do prazo que lhe for marcado pela Direcção da Administração Civil, solicitará que esta Direcção abra concurso para o provimento». E a administração civil que comunica ao corpo administrativo o nome do candidato apurado, devendo este provimento efectuar-se na primeira sessão do corpo administrativo e ser comunicado àquela Direcção.
Com uma tutelagem tão pronunciada não se compreende, com franqueza, para que tanta perda de tempo e de papel; bastaria mandar apresentar no corpo administrativo o candidato apurado com uma guia da administração civil.
Reparai bem nessa evolução regressiva do nosso municipalismo! Onde se foi anichar a doutrina do artigo 536.° da Reforma Administrativa Ultramarina, que respeitava a regalia camarária de o título da nomeação dos serventuários dos corpos administrativos ser um alvará fundado na deliberação respectiva e expedido pelo respectivo presidente?
A que cantinho foi relegada a doutrina que, fundada na Constituição Política e no Código Administrativo, serviu ao comentarista Amândio Pinto Garção para pôr em relevo que a prática de todos os actos em relação aos funcionários dos corpos administrativos é da competência do respectivo corpo administrativo?
Onde está a doutrina de que as câmaras municipais coloniais deliberam, definitivamente sobre a nomeação, exoneração, disciplina dos funcionários do município, contratados e assalariados?
Sr. Presidente: comecei por vos dizer - e acho dever frisá-lo mais uma vez - que não se cometeu nenhum atropelo à lei fazendo-se das câmaras da índia o que elas actualmente são. Mas não é o ponto de vista legal que discuto. E o espírito da própria lei!
E ao ,fazê-lo não é a estrutura nem a concepção do nosso direito social privativo que tenho ante os meus olhos. É o confronto com o estatuto orgânico do povo quo nas cerca; é a sua repercussão intramuros e sobretudo além fronteiras que tem servido para, a propaganda quo na índia vizinha se está fazendo contra a nossa administração e contra a nossa soberania na índia Portuguesa.
Não ignoro que o regime camarário de sufrágios, eleições, votações, deu muitas vezes lugar a abusos de partidarismos e clientelas, que tanta vez foram prejudiciais à boa marcha dos negócios municipais. Não ignoro que o trabalho real das comissões municipais foi muita vez de uma surpreendente eficácia em muita terra portuguesa. Mas ninguém deve também ignorar que o direito público não pode ser uno para todas as parcelas, que formam um aglomerado não homogéneo, constituído por esse grande Império que é o Portugal continental, insular e ultramarino. A própria ressalva jurídica da observância dos códigos de usos e costumes que não afrontem os princípios básicos do direito natural, que é fundado na ética humana, é a demonstração evidente da tolerância dos estadistas perante a força da tradição, que é de bom aviso respeitar.
Notai que a contextura municipal na índia não data do regime português: o germe dos municípios que Afonso de Albuquerque lançou ao criar o primeiro senado de Goa vinha de largos séculos atrás na vida indiana, impregnando a própria orgânica aldeã nos seus magníficos panchayets, que hoje mais que nunca se procura restabelecer em toda a península indiana no seu prístino esplendor.
Sr. Presidente: tenho sincera pena que não se discuta nesta sessão legislativa o Estatuto Político do Estado Português da índia - de que só a promessa, feita no ano passado, calmara como por encanto a agitação dos espíritos, que ainda hoje, e porventura na sua grande maioria, estão sinceramente empenhados em continuar integrados na grande família portuguesa.
Mas, enquanto se não decreta esse Estatuto, não seria possível dar um passo precursor, restaurando na nossa índia as antigas regalias municipais? Temos de encarar os factos no seu aspecto real e adaptá-los no sentido de fortalecer e encorajar o sentimento do agregado nacional.
E, pois que uma sã política não é feita de dogmas intangíveis, mas de inteligentes e cautelosas adaptações às realidades da vida social, não me repugnaria certamente aceitar que, para estabelecer uma transição entre o conceito actual da vida municipal portuguesa e a concepção indiana, os presidentes das câmaras fossem nomeados (pelo governo entre pessoas de sua confiança que servissem de elo de ligação entre o governo e o povo.
Mas que os vogais das câmaras sejam eleitos por sufrágio popular e que as suas regalias sejam restauradas no seu antigo esplendor, sujeitas embora à tutela do Estado, senão nos termos do Código Administrativo de 1896, pelo menos nos termos da Reforma Adminis-