186 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 127
portanto, é indispensável que, tanto quanto possível, este dinheiro torne a entrar nos cofres do Estado, até mesmo para que se possam realizar todas as obras ainda julgadas necessárias e possíveis.
Mas não é menos necessário, Sr. Presidente, que aqueles que têm de usufruir as obras realizadas sejam postos em condições económicas de poderem continuar a viver, a agricultar e a ser úteis ao seu País, o que certamente se não dará se se lhes fizerem exigências incomportáveis.
E termino assim as minhas considerações, esperando que a Câmara tenha ficado elucidada sobre as intenções do meu projecto e sobre as razões por que eu (perfilho a proposta do parecer da Câmara Corporativa, a fim de que os Srs. Deputados possam colaborar comigo neste projecto, que eu julgo que corresponde de facto a uma necessidade real e para que as obras da hidráulica agrícola possam resultar úteis, visto que para outra, coisa o Estado não despendeu o seu dinheiro, e para que com isso lucre a economia nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente: pareceria perfeitamente dispensável que mais alguém acrescentasse quaisquer palavras acerca da discussão deste projecto depois idas considerações que sobre ele produziu o seu autor.
É evidente que a ninguém surpreendeu a clareza e o perfeito conhecimento de causa por ele revelado. Todos sabem, por de há muito se terem habituado a escutá-lo e a conhecê-lo, como ele, exaustiva e entusiasticamente, estada todos os problemas, mormente quando se trata daqueles que à terra dizem respeito. Por isso, bem podemos calcular o assédio que lhe deve ter sido feito de todos aqueles pontos do País a que a hidráulica agrícola estende a sua acção a pedir-lhe opiniões, outros a reclamar medidas de evidente necessidade e outros ainda a sugerir meras fantasias irrealizáveis. E de tudo isso o ilustre Deputado Sr. Melo Machado só nos trouxe aqui a síntese sensata do que ele entendeu ser a necessidade urgente da reforma do actual sistema de reclamações.
Depois do que lhe ouvimos, depois do que lemos ao parecer, será necessário acrescentar mais alguma coisa? Seria abrir uma «porta aberta», mas eu direi: vale sempre a pana fazê-lo para que se possa dizer neste momento a Assembleia aquilo que tenho o prazer de afirmar; esqueci-me, «por momentos, de que estava em Portugal, onde é costume dizer-se mal de tudo e onde, por vezes, as justas censuras despertam injustificadas indisposições. Assisti aqui a um torneio em que a lealdade vestiu «punhos de renda»: por parte do nosso querido colega Deputado Melo Machado, mostrando, mas sempre com a maior elegância, que as dúvidas que porventura se suscitem sobre a forma de julgamento das reclamações daqueles que se julgam lesados por realizações da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola não possam nem devam, porque além do mais seria injusto, ser decididas precisamente pela entidade que as tomou; por outro lado, o presidente da Junta, o Sr. engenheiro Trigo de Morais, vem também, aprumadamente e com igual elegância, como relator do parecer - a todos os títulos notável, pela sua minúcia e imparcialidade -, estudar mais do que uma ponte de passagem à crítica apresentada, porque vem ele próprio, com uma lealdade que muito o dignifica, não só reconhecer a razão da crítica feita, como até fazer crítica própria, proclamando a necessidade de, uma vez que se alterem certas disposições, que então se alterem ainda outras, para que não só mais justo seja o julgamento das reclamações como ainda diminuam ás suas causas. Justiça, pois, a ambos: ao nosso querido colega Sr. Melo Machado e ao Sr. engenheiro Trigo de Morais. Ambos a merecem.
Assim, ao pegarmos neste parecer, temos a sensação de estarmos a construir. Desperta em nós o entusiasmo da discussão - porque tudo é justo e oportuno. E sempre agradável quando as coisas correm assim.
Mas, dir-se-á: por que razão estou eu então aqui? Que razão me leva a tomar parte no que afinal está já esclarecido? Uma só: a de que faço parte do círculo de Leiria, por onde fui eleito e onde fica a região a que eu chamo «dos rios». Não sei se VV. Ex.ªs a conhecem. É que a região dos lagos ainda se pode identificar; a minha região, a dos rios, essa poucos talvez a conheçam. E recordo neste momento a frase romântica de Pinheiro Chagas: «lago que a brisa encrespa e já se julga oceano»... Ora os meus rios não se julgam assim; todos se julgam simples sulcos que cortam, paralelos, a veiga surpreendentemente ubérrima que vai de Alcobaça ao mar e que eles regam e fertilizam, imas na sua modéstia tranquila de rios pequeninos.
Há um que tem nome conhecido, é o mais viril, o primeiro da ordem daqueles quatro sulcos que parece terem sido abertos, em antiguidade remotíssima, por uma máquina gigantesca de uma hidráulica agrícola desse tempo. Esse tem nome - é o Alcoa - e tem panache no seu nome. Nasce logo à beirinha de Alcobaça e dir-se-ia que D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei, quisera que o seu mosteiro fosse erguido bem perto do sítio em que ele nasce, na ideia de que pudessem melhor ocupar-se dele os que nesse tempo mais sabiam de hidráulica agrícola e que eram os seus queridos, monges, de Claraval.
Os outros rios nesse tempo talvez que, de tão pequeninos, nem ainda irrigassem como hoje a planura fecunda que se estende até ao mar da Nazaré.
Mas, grandes ou pequenos, todos são rios, e, como se diz no parecer da Câmara Corporativa, o supremo objectivo da engenharia hidráulica deve ser o de fazei- com que os rios sejam amigos do homem e o sirvam docilmente.
Para mais, a maioria desses pequenos rios têm todas, as condições necessárias para bem servirem o homem e para se tornarem amigos dele.
Ao referir-me ao Alcoa não posso deixar de lembrar a grande obra realizada pela Junta Autónoma no paul da Cela, que lhe fica à beira.
O Alcoa já regava os campos do Valado, mas também os inundava. A hidráulica agrícola, porém, corrigiu-lhe os desmandos, não metendo-o num colete de forças, mas dominando-o o suficiente para tornar possível aos que à sua ilharga mourejam a forma melhor de eles assegurarem e melhorarem as suas culturas.
Mas - e em tudo há sempre um mas - perto deste rio existe o rio da Areia, nome por que vulgarmente é conhecido. Ele, por si, é amigo do homem, mas os homens é que têm sido muito inimigos dele. Os homens e a própria hidráulica, porque esse rio, que apenas poderia e deveria trazer benefícios em ocasião de cheias, só continua a fazer mal, e tudo só por descuido e por desleixo.
É para esse aspecto que eu penso que se deveria também olhar, porque a obra hidráulica da Cela, que honra a hidráulica e que não podia ser melhor para a economia nacional, está quase lado a lado de um rio que, se fosse convenientemente cuidado, mesmo apenas no seu curto percurso nos campos do Valado (para o que bastaria o pequeno dispêndio de 40 ou 50 contos), deixaria em ocasião de cheias de continuar a causar gravíssimo prejuízo: o de cobrir campos de cultura com a abundância da areia que lhe dá o nome.