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9 DE DEZEMBRO DE 1950 133

Mas, passemos adiante:

No capítulo IV) Eficiência das despesas e custo dos serviços, notei que o Governo providenciaria no sentido de limitar ao indispensável as compras no estrangeiro, tornando assim efectiva a protecção à indústria nacional.
Perfeitamente de acordo, com uma ligeira objecção: é que a protecção à indústria nacional, quando incondicional e sistemática, pode tornar-se desmoralizante, revertendo muitas vezes em prejuízo dos próprios interesses que se pretendem acautelar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Além da defesa do consumidor, há que considerar a vida dos enfermos. Parece-mo, portanto, que se impõe, sobre todas, a livre importação dos produtos farmacêuticos, pelo menos enquanto os nossos laboratórios não puderem competir em igualdade de circunstâncias. Além disso, também não é com monopólios, sem beneficio algum para a Nação e que às vezes se outorgam em prejuízo de direitos legitimamente conquistados, como não é com privilégios concedidos à sombra de influências em que o favoritismo transparece ou pode transparecer, que se protege a indústria nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mais adiante, no mesmo capítulo, o Sr. Ministro das Finanças, com o desassombro e a independência que lhe são peculiares, insurge-se contra os abusos que por aí se cometem com automóveis do Estado e propõe, para regular os seus serviços, certas medidas enérgicas.
Entende a Câmara Corporativa que essas medidas são simples pormenores de regulamentação que não interessam à Lei de Meios, propondo apenas que se diga de passagem que o Governo providenciará no sentido de regulamentar o uso dos automóveis oficiais.
É pouco, é muito pouco! Quanto mais se pormenorizar nestes assuntos tanto melhor, sob pena de vermos morrer à nascença, reduzida à insignificância de uma alínea, por lembrança, esta magnífica intenção moralizadora do Sr. Ministro das Finanças.
É certo que a fiscalização destes serviços não podo deixar de ser precária, a não ser que fosse por sua vez fiscalizada. Senão, quantos se escaparão peias malhas?!
Isto faz-me lembrar um caso sucedido em Viana do Castelo, que me foi fielmente narrado por alguém que o presenciou, alguém que é nosso colega nesta Câmara e que nos merece, por todos os títulos, a máxima confiança.
Passou-se o caso, há anos, por ocasião duma viagem que o Sr. Presidente da República fez ao Norte do País. Quando a comitiva presidencial entrava em Viana do Castelo foi forçada a parar na estrada, diante duma passagem de nível. O comandante da Polícia, que seguia à frente, apeou-se do sen carro e dirigiu-se à guarda das cancelas, convidando-a a abri-las, dado o atraso do comboio e, portanto, a possibilidade de atravessar a via sem perigo, sobretudo numa recta aberta a todas as vistas. Respondeu-lhe a mulher, firme e resoluta, que estava ali para cumprir o seu dever; que, se o comboio vinha atrasado, podia também vir adiantado, e que a sua responsabilidade naquele lugar era perante a Companhia, e não perante a Polícia.
Procurando ainda convencê-la, o comandante invocou a pessoa do governador civil, que interveio por sua vez.
Ela, contudo, insistiu na sua atitude.
Observou-lhe o governador que o Sr. Presidente estava com pressa.
«O Sr. Presidente»?! -volveu a mulher- «mas o Sr. Presidente da República também aí está?! Nesse caso é muito maior a minha responsabilidade. Agora é que eu não abro as cancelas de maneira nenhuma».
Enquanto esperavam, o governador foi explicando ao Sr. Presidente o motivo da demora e contou-lhe, a propósito, a formosa resposta que lhe dera a guarda das cancelas quando soube da presença do Chefe do Estado.
O Sr. Presidente, é claro, achou muito bem e determinou que lhe fornecessem um apontamento com o nome da mulher, no generoso propósito de a recomendar à Companhia, para ser louvada -e com toda a razão - pelo seu zelo no serviço.
Entretanto chega às cancelas um automóvel do praça; o motorista apeia-se, trava conversa com a mulher e, disfarçadamente, passa-lho para as mãos uma «placa». E a mulher inacessível, ultrajada em plena via, cuspiu na cara do homem? Mais do que isso; foi correctíssima! Num gesto olímpico, lavrou em última instância a decisão suprema de abrir as cancelas.
A história é esta, e oxalá, meus senhores, que ela só . não repita com os serviços de fiscalização dos automóveis do Estado.
Por isso insisto na minha afirmação: quanto mais se pormenorizar neste assunto tanto melhor.
Não me refiro, evidentemente, aos carros distribuídos a pessoas idóneas. Receio apenas que consigam iludir a vigilância certas viaturas que por aí vegetam à margem do código.
Diria Guerra Junqueiro, que vem a propósito neste momento em que o seu nome se glorifica:

Viola, seduz, furta, assassina.
— Milhão, és rei.
Que prostituta está cantando àquela esquina?
- A Lei!

Estas palavras, que ressoam como o grito subversivo dum revoltado, traduzem no entanto um conceito mais alto e uma intenção mais construtiva.
Eu não vejo, de facto, outra ilação a tirar senão esta: é que uma lei que se deseja ver cumprida tem do fundir-se em moldes precisos, redigir-se com todos os pormenores; tem de revestir-se de todas as defesas, para não ser violada a cada passo pela hipocrisia de Caifús ou pela cobardia de Pilatos.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Mas é tempo de terminar.
Um extracto do relatório do Tribunal do Contas, respeitante ao ano económico de 1948, acompanha, entre outros elementos justificativos, a actual proposta do lei. Conclui-se da sua leitura que a administração da maior parte dos fundos autónomos e semi-autónomos, ou como queiram chamar-lhe, é um verdadeiro caos.
Registam-se nesse relatório afirmações dolorosas que já passaram ao domínio público muito antes do momento em que falo. Não perco tempo a transcrevo-las, porque O Século as publicou em artigo de fundo e, antes disso, já por toda a parte se murmurava.
O homem da rua lê tudo isso e fica assombrado; formula as suas conjecturas e conclui naturalmente o pior.
Mais uma voz, como sempre, urge esclarecer.
Não acredito, não posso acreditar que nas afirmações desse relatório se levante qualquer suspeita de peculato. Se os tribunais se não pronunciam e as sanções se não manifestam, como poderia eu acreditá-lo?
Mas seja por negligência, por insubmissão ou por inconformismo, a verdade é que isto não pode continuar assim. Para que se exibe todo este sudário de desordem administrativa? Para quê, senão para pôr tudo no são, o quanto mais depressa melhor? Não há dúvida de que o