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15 DE DEZEMBRO DE 1952 353

«vaga e irresponsável opinião pública», a que se refere o Dr. Marcelo Caetano - considerada, claro está, na sua acepção gregária -, mas daquela força social que a Constituição prevê como elemento fundamental da política e administração do País.
Nesta Câmara não nos podemos embrenhar na metafísica; temos de sobrepor à origem das causas a consequência dos factos; procurar nos acontecimentos não a sua virtualidade esotérica, mas a sua projecção nacional.
La politique d'abord - como dizia o indefectível Maurras -, entendendo por política, evidentemente, a arte de conduzir a opinião pública na defesa do bem comum.
Invoco para mim a autoria desta definição, não pelos direitos que me caibam, mas pelas responsabilidades que me toquem. Ninguém ignora o largo alcance político da lei fundamental do País; a Administração não pode alhear-se da política. Nesta conformidade, entendo que faltam na actual proposta algumas despesas que conviria fazer e algumas receitas que interessaria cobrar.
Entre as primeiras figura em lugar destacado a actualização integral das pensões post mortem. E a este apelo angustioso não presidem apenas razões de política, mas sobretudo de humanidade. Não se pode exigir, está bem de ver, que todo o funcionário, vivendo exclusivamente do seu ordenado, deixe a sua família solidamente instalada na vida sem as perturbações que a sua falta necessariamente acarreta.
Nem o Tesouro comportaria semelhante encargo. Mas também não se pode esquecer que o valor da moeda, por mais alto que seja o seu prestígio na balança externa - como de facto é -, reside, paxá estes efeitos, exclusivamente no seu poder de compra.
Além disso, está determinado que uma das condições indispensáveis para receber o subsídio é a apresentação de um atestado de bom comportamento moral e civil, obrigatoriamente confirmado em cada ano.
É certo que esta precaução não pode deixar de ser meramente platónica, porquanto, num país como o nosso, onde abundam os trovadores e os cavalheiros, não será fácil encontrar um homem que se recuse a assinar qualquer atestado de bom comportamento feminino.
Em todo o caso, essa exigência formal pode levar a supor que o montante dessas pensões, só por si, permitiria às respectivas pensionistas o exercício incondicional da virtude.
A verdade é que, sem a eficiência mínima do socorro que se presta, todo o gesto filantrópico resulta em pura perda. E, demais, porque não havemos de actualizar as pensões, se a própria esmola automaticamente se actualizou?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outra despesa que parece impor-se: o aumento do abono de família e a correspondente revisão dos diplomas que o regem, de modo a torná-lo uma realidade palpável e uma instituição procedente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Antes de passar às receitas que interessaria cobrar, permito-me apresentar uma objecção que redundaria ainda em despesa. Com efeito, lê-se no artigo 11.º que «não poderão ser providas as vagas do pessoal civil dos Ministérios, salvo os casos especiais em que o provimento seja justificado pelos serviços, com o acordo do Ministro respectivo e a aprovação do Ministro das Finanças».
É a quarta vez que esta determinação se reproduz, agravando sensivelmente o problema do desemprego; e se alguns Dignos Procuradores o contestam é talvez porque não vivem de perto essa angústia nem silo porventura assediados, todos os dias, por quem procura em vão colocar-se.
«Baixa percentagem de desemprego» ou «restritas manifestações de desemprego» ou ainda «continua praticamente a não haver desemprego», são estas as afirmações textuais daqueles Dignos Procuradores signatários dos respectivos pareceres. E, todavia, permito-me invocar o testemunho do muitos colegas meus desta Câmara, com quem tenho trocado impressões e ... memoriais, para poder concluir que aquelas afirmações são demasiadamente optimistas (apoiados calorosos), o que afinal é naturalíssimo. Pois, se o desemprego aflige todos os outros países, porque havia de Portugal fazer excepção?
É o próprio Governo que declara nas contas públicas de 1951:

Gastámos mais com administrações e serviços, mas ainda bastante menos do que aquilo que aparece como legítimo para vencer o desemprego.

Creio que se trata de um testemunho insuspeito.
Não verificar nem sentir o desemprego deve ser realmente uma felicidade.
Ë justo no entanto registar que desde as crises periódicas de trabalho que lavram no Alentejo, e um especial no distrito de Évora, até ao chômage endémico em certos meios industriais e marítimos, o Governo por todas as formas tem procurado resolver o problema e conseguido atenuar os seus efeitos.
Pode, portanto, supor-se, no que respeita à doutrina do artigo 11.º, que o Governo deseja sobretudo controlar directamente a admissão de pessoal, dispondo-se no entanto a abrir a porta se os imperativos sociais surgirem. Será este o pensamento do Governo?
São estes, em qualquer caso, os nossos votos.
Quanto às receitas, duas me parecem plausíveis: a primeira relacionada com os impostos, a segunda com as acumulações.
Entendo e entende muita gente que as grandes fortunas não sofreram ainda em Portugal a carga tributária que lhes corresponde, sobretudo em relação aos pequenos e médios rendimentos. Se a taxa progressiva é a tendência geral nos outros países, porque não há-de aplicar-se ao nosso sistema tributário?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que o imposto complementar foi instituído nesta ordem de ideias, mas a sua progressividade fica muito aquém do limite suportável. Para se chegar a uma solução equitativa bastaria escalonar essa taxa ao longo de uma progressão mais acelerada. Não se trata, evidentemente, de um ataque sistemático às grandes fortunas. A riqueza tem direito à vida porque riqueza representa prosperidade; e só os ricos podem garantir aos pobres o direito ao trabalho e, portanto, ao pão e ao lar.
Todos nós conhecemos grandes proprietários - na lavoura e na indústria - que merecem pela sua obra social o respeito do Estado e a gratidão do povo. Os outros que o dinheiro embota e miserabiliza só interessam para estabelecer o confronto e realçar o contraste. Contra estes todos os impostos são poucos.
O velho bordão «a propriedade é um roubo» foi a maior mentira do século XIX. Mas razão tinha mesmo Proudhon quando disse: «Dai-me o direito ao trabalho e ou desistirei do ataque à propriedade».
E não se pense que uma reforma agrária baseada apenas na extensão e no valor da terra, resolveria o problema social. Pelo contrário, agravá-lo-ia, porque a