O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

354 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182

pulverização do latifúndio não aproveitaria a ninguém. Onde não há patrão todos são patrões; onde todos são patrões todos são servos. Vem a propósito recordar uma bela síntese do Sr. Deputado Pacheco de Amorim: «o latifúndio é socialmente um mal mas a pulverização da propriedade é economicamente um desastre».
Sobre o latifúndio, porém, parece-me conveniente aguardar as indicações do cadastro geométrico. Além de que em terras de sequeiro só o latifúndio é susceptível de afolhamento.
Nada me inibo entretanto de insistir na aplicação de um imposto acentuadamente progressivo sobre as grandes fortunas, os lautos proveitos e sobretudo, os negócios escuros, que aos agentes do fisco compete tornar claros, isto sem qualquer carácter socializante ou subversivo.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Com a opinião que V. Ex.ª esta a expender, quem vem a pagar são os grandes proprietários, que V. Ex.ª pretende defender!...

O Orador: - Não é bem assim, mas claro está que não são grandes proprietários o« mais atingidos.

O Sr. Melo Machado: - E os que têm o dinheiro na burra não pagam nada!...

O Orador: - Quem eu pretendo que pague mais são sobretudo aqueles que se metem em negócios escuros.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Mas esses são exactamente os que não pagam nada.

O Sr. Pinto Barriga: - Quem afinal paga são os que têm bens ao luar, porque há zonas intributáveis bem mitridatizadas contra qualquer tributação!

O Sr. Melo Machado: - Esse é que é o mal.

O Orador: - O que é preciso é que o Estado estude o processo de apanhar nas malhas do fisco os que se metem em grandes e rendosos negócios e os obrigue u pagar.

O Sr. Melo Machado: - Esses não consegue o Estado encontrar.

O Orador: - Nesta conformidade, não posse deixar de apoiar e aplaudir o Governo na sua resolução de manter em vigor na actual - proposta o artigo 8.º da lei vigente, que institui o novo imposto sobre os acumuladores.
E eis-me chegado enfim, Sr. Presidente, à «psicose», ao «complexo», ao «clima » das acumulações, que assume o aspecto duma «aberração estranha».
Neste capitulo, insiste o ilustre relator da Câmara Corporativa em reeditar a opinião exararia 110 «eu anterior parecer que, segundo declara, «por inteiro se mantém». E é sobretudo pela insistência que me resolvo a voltar um ano atrás.
Propõe-se naquele parecer a eliminação pura e simples do artigo 6.º da proposta de lei para 1952 que passou a ser o artigo 8.° do respectivo decreto, mantido em vigor na actuai proposta. Quer disser: não se aceita a tributação sobre acumulações, que o mesmo parecer considera nem mais nem menos do que uma «transparente iniquidade».
A argumentação desenvolvida é especiosa; isto, em síntese: alega-se que, sendo as nossas élites quantitativamente deficitárias, haverá necessidades de as atrair por meio de remunerações compensadoras, sob pena de as vermos optar pela actividade particular.
Ora eu não acredito que o escol nacional seja constituído por videirinhos insatisfeitos que imponham à Pátria o preço dos seus serviços. Se não se tratasse dum relator de comprovada categoria, figura destacada da mentalidade portuguesa, poderia imaginar-se que ele confundira élite com oligarquia e escol com camarilha.
Aceito e reconheço as élites; a dificuldade está em seleccioná-las sem cairmos no compadrio.
Mas, prosseguindo, o preço estipulado, ou seja o mínimo tributável, é, como se sabe, 240 contos por ano; menos do que isto não interessa discutir nem está em causa.
Quem acumula, desde que passe da necessidade ao apetite, tem de sujeitar-se às consequências.
A acumulação, dentro dum limite honesto, pode compreender-se e consentir-se. Transpor esse limite é entrar nos domínios do abuso e da insolência. Refiro-me evidentemente a cargos públicos; os outros estão à margem desta crítica. Estabeleceu-se que a carga máxima que, ao abrigo do fisco, os acumuladores suportam é de 240 «amperes». Fazer considerações analíticas abaixo desta amperagem é perder tempo e dialéctica.
Não me conformo. Em primeiro lugar, recuso-me a acreditar que a deserção de meia dúzia de descontentes possa abalar o Estado nos seus fundamentos. Mas não façamos tragédia com tão pouco. Não são verdadeiros servidores os que não se contentam com o quartel e a paga que lhes atribuem, e, a não ser que lhes toquem na dignidade, não se justifica a sua escusa.
Conta-se que, estando um dia no seu consultório um médico muito conhecido, entrou uma senhora, furiosa, porque a fizeram esperar a sua vez na sala. Para a acalmar o médico ofereceu-lhe uma cadeira: «Queira sentar-se, minha senhora». E ela, de pé, iracunda, continuava, a protestar, enquanto ele, atencioso, insistia, apontando-lhe a cadeira: «Então, queira sentar-se, queira sentar-se». E a senhora, sempre de pé, gesticulava, bramia: «Perdão, mas o senhor doutor não sabe quem ou sou; eu pertenço á élite, mereço atenções especiais ...». E logo o médico, interrompendo: «Nesse caso tem V. Ex.ª direito a duas cadeiras».
Assim, também indivíduos há que para se sentarem à mesa do Orçamento não lhes basta uma cadeira; e alguns deles, mesmo em plena digestão, repletos o eufóricos, apregoam aos quatro ventos, como títulos de glória, serviços que ninguém enxerga e sacrifícios que ninguém vê.
Ainda hoje pergunto a mim mesmo como puderam merecer acolhimento e tolerância certos sujeitos que, ausentes mi hora do perigo e alguns deles alistados no campo adverso, só compareceram depois da mesa posta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, presto justiça a todas as almas de eleição, afirmando que o primeira atributo das élites é a lealdade e a primeira virtude do escol é a isenção. Desde que elas condições essenciais se não verifiquem, não interessa a competência. As competências taxem-se, criam-se; em certos casos podem mesmo improvisar-se; mas raras, cada vez mais raras, são a lealdade e a isenção.
Foi tratado há poucos dias nesta Assembleia, com superior critério, pelo Sr. Deputado Carlos Moreira o assunto das acumulações e incompatibilidades, salientando a sua natural projecção sobre o problema moral e social dos comissários do Governo.
Aproveito o momento para daqui lie estender a minha rude mão de soldado, num gesto caloroso de solidariedade e apoio.