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13 DE JANEIRO DE 1955 289

Gustavo Thibon pois é o seu nome, fez-nos ver como este irrealismo, esta falta de comunhão, de intercâmbio vital, entre o sujeito e o objecto, é talvez o mais grave mal da nossa época, em que assistimos ti exposição de opiniões que não têm relação com a realidade profunda das coisas.
E lembrou-nos como isto resulta inevitavelmente das condições la vida moderna, em que demasiado número de Homens estão colocados, feias suas funções, fora do contacto das realidades; a ausência de laços humanos, de responsabilidades pessoais, embora neles o Sentido do real vivem nas ideais puros porque as forcas das coisas, com as quais se não medem, nunca os contraditaram.
Gravem, verídicas palavras, que na sua humana sabedoria quadram tão bem até ao mundo da administração pública, apesar de dirigidas ao do pensamento. Falhos todos nós - quase todos!- da antiga cultura do ofício herdado com o saber infuso de gerações, chamados a conhecer a vida ,pelos simples canais da memória e do raciocínio sobre dados que as próprias exigências didácticas fazem esquematizar, e do mesmo modo a absorver as novidades que a cada passo se nos deparam, informados do Mundo pela síntese necessária do documento escrito, isolados dele por paredes de gabinetes o montanhas de papéis, acicatados pela urgência dos problemas e pela pressa das soluções, acaso desprendidos de consequências que não vemos ou nos não atingem, somos muitos, somos demais, os que temos de trabalhar 110 campo das ideias punis, medindo mal a força das coisas e aceitando pior a sua contradição.
É trabalhando no campo das ideias puras, ou filtradas pulas armaduras multíplices da burocracia, é apenas humano que legisladores e fazedores de regulamentos caiam por vezes numa espécie de perfeccionismo de escrivaninha e, seduzidos por encantadoras miragens, persigam ideias abstractas ou mal afeiçoadas à vida, ato aos últimos corolários, para constituírem primorosos edifícios intelectuais, completos e atinados nos mais extremos pormenores, que as realidades impiedosas e invencíveis não raro se comprazem em aluir a breve trecho. Tais, esquecendo que o óptimo é inimigo do bom, quanto mais se apuram mais se arriscam! Gizam outras vezes lindos quadros em que, como escreveu algures o grande e mordaz Camilo, a poesia se dá as mãos com a geometria linear; mas a forca das coisas não os poupa e borra-lhes também as pinturas!

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Como dizia recentemente o prof. Marcelo Caetano: mal do homem de estado que não consegue reproduzir no seu espírito, remi vigorosa nitidez, as condições reais do meio que governa, as necessidades e as aspirações dos governados e os resultados das medidas do governo. Mal dele e das suas obras.
Pois eu tenho, Sr. presente, que o nosso novo Código da Estrada sofreu seu tanto destes males, agravados pela época, e venho, como amigo, lembrar alguns remédios caseiros para lhe curar as mazelas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - isso que apelidei de perfeccionismo de escrivaninha, a que só o óptimo satisfaz - o suposto óptimo de curta concepção das coisas, de determinada conjuntura de circunstâncias, que o rodar dos tempos pode depressa modificar -, leva naturalmente a sem-cerimónias com a bolsa do público, chamado a pagar tudo o que de mais excelente ocorre aos perfeccionistas.
Esta sem-cerimónia transparece com frequência no código, em exigências que atingem desde a utilização e reclamento dos veículos ao equipamento das escolas de condutores, impondo de várias maneiras e a muitos títulos montagens de aparelhos a acessórios, substituições de material, reforma de instalações, quebras de aproveitamento, etc.
Dificílimo se torna um cômputo do peso de tantas incidências sobre a economia dos transportes automóveis, e não o é menos entender como o Ministério das Comunicações, apostado em arreliar meio inundo no que ele chama a defesa de certos ramos destes transportes, não obstante lhes aplica com perfeito à-vontade encargos que não podem deixar de sentir-se.
Dei-me, no entanto, ao trabalho de fazer algumas averiguações, e não devo poupar VV. Ex.ª na defesa da tese que já pus, a ouvirem mais uma enfiada de números.
Para o custo do equipamento de um camião só em placas, luzes e reflectores, compreendendo a segunda luz vermelha atrás, a chapa das velocidades permitidas e a luz respectiva, quatro reflectores de 55 mm de diâmetro - os de 110 mm, aparentemente mais do agrado da Polícia de Viação, encarecem logo o petrechal em cento e tantos escudos -, indicadores luminosos de mudança de direcção e a montagem de tudo, ouvi cotar preços entre 870$ e 1.200$, que me levaram a estimar a média de um conto por carro.
Note-se, porém, que isto não inclui o custo dum estranho, complicado, mirífico, gancho de reboque exigido, sob pena de multa de 100$, pelo n.º 3 do artigo 35.º Este intrigante acessório, que o regulamento especifica haver de ter mobilidade para todas as bandas, dispositivo de segurança, mola amortecedora e dimensões fixadas até ao décimo de milímetro, este ninguém sabe quanto custa, pela razão simples de ainda não se encontrar no mercado nem notícia de onde se possa mandar vir! Arbitrem-lhe VV. Ex.ª o preço que entenderem, mas digam-me se com isto tudo exagero avaliando o encargo do código, só para a camionagem
o apenas a estes títulos, na bagatela de 25 000 contos.
O mais modesto equipamento de reflectores e silvais luminosos de mudança de direcção para um automóvel ligeiro, só com dois «pisca-pisca» Literais, não se alcança por menos de 450$; se os «pisca-pisca» forem quatro, na frente e na retaguarda, vai a 680$, sempre preço económico; com braços sinaleiros nem procurei saber a quanto montaria. Creio não ser imprudente pensar que o encargo se imporá a pelo menos, uns 40 000 automóveis ligeiros: aqui temos outros 25 000 contos.
A este imediato brindezinho de 50 000 contos - calculados por baixo - a garagistas e vendedores de acessórios, que nem o solicitaram, mais, muito mais, há, porém, a somar.
São outra vez os camiões, com a sua capacidade de transporte de cargas leves reduzida em 20 a 35 por cento; são os 155 000 carros de tracção animal condenados, pela quebra até além de metade da carga permitida por centímetro de largura de aro de ferro, a passarem a trabalhar a meios fretes; são os centos de milhares de ciclistas e carreiros chamados a tirarem as suas cartas; são os automóveis das escolas de condução na maior parte tornados obsoletos; são ... Ponham VV. Ex.ª o mais que saibam ou possuiu avaliar: isto para mini já me basta!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parafraseando o dístico famoso: não achais o quadro belo?
Pois bem, a economia do código é assim!
Produto de uma tecnocracia, que muito urge chamar a mais atenta consideração das realidades, a maior respeito dos interesses do público, só por causa dela se jus-