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26 DE JANEIRO DE 1955 401

Compreendo perfeitamente a delicada posição do Sr. Subsecretário em frente das conclusões hesitantes. Mas a verdade é que o sincero desejo de procurar melhor luz e a clara afirmação de que não se hesitaria na aplicação de sanções revigoraram, por muitos lados, e em efeito despolarizado, a convicção de que se estava na pista dos culpados.
E para desfazer esta confusão que decidi intervir no caso, tanto mais que já outro ilustre Deputado, o nosso muito querido coronel Durão, o deixou aqui envolto em emocionante ansiedade. Sou médico, como médico estudei o caso, e vou dizer o que sobre ele a medicina permite. Não estranhem VV. Ex.ªs que eu me antecipe aos resultados do processo disciplinar. É que as peças fundamentais do caso estão apuradas e, em meu juízo, como vão ver, definitivamente apuradas.
Encontram-se apensas ao inquérito: a papeleta dos vários exames a que a mulher foi repetidamente submetida durante a gravidez nos serviços do Instituto Maternal; a ficha dos médicos que a observaram no serviço de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa e que com ela seguiu para o Hospital de S. José; o depoimento dos médicos da Maternidade e do operador do hospital; o depoimento das enfermeiras de um e de outro lado; o depoimento do porteiro da Maternidade; o depoimento do marido e da irmã que acompanharam a parturiente desde a sua casa até à Maternidade e, depois, desde a Maternidade até ao Hospital de S. José, e também o relatório da autópsia.
Acabou a oportunidade de colher mais dados objectivos; o julgamento médico tem de basear-se nas observações já feitas e que se não podem repetir. Nem se dirá que não fica o sossego de que o julgamento clínico se movimenta neste caso com elementos de valor, entre os quais bem se pode fazer sobressair o conhecimento dos antecedentes.
Resumamos o caso: era uma mulher de 36 anos de idade, que estava no termo da sua quarta gravidez e que vinha sendo seguida com frequência, ultimamente em observações quase quinzenais, nos serviços do Instituto Maternal; fizera-se com regularidade o desenvolvimento do útero e nenhuma tara orgânica ou insuficiência funcional se apurou; nada de alarmante ocorreu durante a gestação e se uma vez a tensão arterial se alterou, elevando apenas a máxima para 16, logo se corrigiu até números satisfatórios; as gravidezese os partos anteriores decorreram normalmente e com filhos vivos; às 5 horas do dia 15 de Janeiro apresentou-se no serviço de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, porque sentia ligeiras dores - moinhas - e suspeitava estar em trabalho de parto; foi observada por um médico, que verificou haver realmente trabalho de parto, com dilatação de um a dois dedos e não rotura da bolsa de águas; as camas do serviço de urgência estavam ocupadas e havia apenas uma vaga, que se destinava a casos complicados ou em ameaça de complicação; regia no serviço a norma, e assim se tinha feito em milhares de casos, de transferirem, uma vez esgotada a lotação da Maternidade, para os Hospitais Civis as parturientes que não oferecessem perigo.
Como a situação obstétrica não era premente, deu-se guia para o Hospital de S. José, contendo o registo da observação médica, tal como nessa mesma noite já se havia procedido com duas parturientes em idênticas condições ; a parturiente entrou e saiu da Maternidade pelo seu pé, descalçou-se e calçou-se sem qualquer ajuda; enquanto esperava pelo táxi, que o seu marido foi buscar à Praça do Duque de Saldanha teve vómitos e sentiu romper-se a bolsa de águas; a irmã foi dizer ao porteiro da Maternidade para avisar o médico destes factos, tendo o porteiro respondido, sem notificar os médicos, que, uma vez indicado o caminho do Hospital de S. José, assim se devia fazer; a parturiente entrou pelo seu pé no táxi e no Campo de Sant'Ana, a poucos metros do Hospital de S. José, desmaiou e não deu mais acordo de si; no banco deste Hospital foram sentidos pelas enfermeiras movimentos intra-uterinos do feto e foi chamado o médico de vela, que, depois de verificar o óbito, praticou uma cesariana imediatamente, na própria maca, o que permitiu extrair uma criança com sinais de asfixia, mas que pôde recuperar-se; a autópsia do cadáver não revelou lesões dos órgãos que explicassem a morte e formulou-se o diagnóstico de colapso cardíaco.
Estes são os factos; e, repito, objectivamente não há maneira de colher outros. O que dizem estes factos? De que morreu a parturiente? Foi vítima da situação obstétrica? Faleceu por falta de assistência obstétrica? Surgiu alguma complicação do parto que bruscamente lhe roubasse a vida? Nessas circunstâncias uma intervenção a tempo evitaria o desenlace?
Em nome dos factos respondo desde já a estas interrogações. É claro, é terminante, que a morte não resultou da situação do parto ou de qualquer das suas complicações.
O parto pode, por várias razões, levar a um estado de choque. Mas o quadro não é de um estado de choque; a mulher desmaiou bruscamente, nunca mais deu acordo e, poucos instantes decorridos, entrou sem vida no banco do Hospital de S. José.
O quadro é duma morte brusca, repentina. E nenhuma, absolutamente nenhuma, das condições que produzem a morte repentina durante o parto se encontrou ou na intervenção ou na autópsia, seja a hemorragia, seja a rotura uterina, seja a embolia pulmonar.
O parto evolucionou sem qualquer complicação desde que os médicos da Maternidade a observaram, mesmo desde que, à porta da Maternidade, se rompeu a bolsa de águas. Mais, o parto não se rematou até à chegada ao Hospital de S. José; continuou o feto dentro do útero, e um feto em condições de viver.
Quer dizer: a morte não derivou do parto. E, portanto, não se evitava com a vigilância obstétrica exercida desde a chegada à Maternidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por este lado é perfeita a posição dos médicos da Maternidade ao considerarem o parto dentro da rotina que transferia para os Hospitais Civis as parturientes sem complicações e sem urgência e guardando a cama de reserva para outra necessidade, como aconteceu com nova parturiente que pouco depois foi procurar o socorro da Maternidade. E por este lado fica também ressalvada a posição do porteiro, já que o parto continuou sem complicações e com tempo, mesmo depois da rotura da bolsa de águas, e indiferente os vómitos, que são, durante o trabalho do parto, um fenómeno frequente e banal.
Façamos, então, outras perguntas:
Faleceu a parturiente por motivo de doença estranha à situação obstétrica, mas por ela agravada ou precipitada?
E, nestas circunstâncias, internada a tempo, os cuidados profilácticos poderiam ter evitado a morte, como, por exemplo, nos casos mais frequentes de doenças de coração?
Tudo quanto se colheu e se arquiva de objectivo deixa responder negativamente: na história da mulher, até na normalidade das anteriores gravidezes e partos; na cuidada vigilância que precedeu o parto, através de repetidas consultas feitas nos postos do Instituto Maternal, e mesmo na autópsia, não se descobrem sinais de padecimentos ou lesões de órgãos, nomeadamente do coração e do sistema nervoso central. E mais uma vez ficam ili-