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402 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 72

bados os médicos da Maternidade que não internaram urgentemente a parturiente e confiaram, como era seu direito científico, na falta de taras e de insuficiências orgânicas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- De que morreu, afinal, esta mulher? Notem VV. Ex.ªs que eu não digo esta doente, o perdoem-me se insisto na banalidade; é que uma gravidez ou um parto que se apresentam e decorrem, como este, normalmente não são doenças, são actos fisiológicos na vida duma mulher. Não se pode deixar de concluir que estamos em frente dum caso de morte súbita. O próprio inquirido, movendo-se no campo das hipóteses, acaba por ser atraído neste sentido: «do estudo atento de todos os elementos dos autos o inquiridor aceita mais a hipótese dum caso de morte súbita» (conclusão 21.ª).
E qual a razão da afirmativa? Vejamos primeiro o que em medicina legal se entende por morte súbita* Está aqui uma consideração primacial do nosso raciocínio. A morte súbita não é simplesmente sinónimo de morte instantânea ou repentina, porquanto a morte súbita pode não ser instantânea. Para que não seja eu a definir, vou ler a VV. Ex.ªs o que aprendi nos meus tempos de medicina legal pelo compêndio de Vibert:

Compreende-se, em medicina legal, sob o nome de morte súbita os casos em que a morte sobrevêm mus ou menos rapidamente em alguns segundos, algumas horas ou mesmo alguns dias, mas duma maneira imprevista, ferindo sem causa aparente um indivíduo até aí em bom estado ou tendo apresentado apenas perturbações de saúde muito ligeiras ou pelo menos assim parecendo às pessoas do seu convívio.

O conceito anda aproximado por outros lados; Thoinot, no livro que ainda hoje serve de base ao estudo da medicina legal na minha Faculdade, escreve: «Deve entender-se por morte súbita a morte rápida, sem ser nacessàriamente instantânea, imprevista, sobrevindo quer excepcionalmente em indivíduos de boa saúde real, quer ordinariamente em indivíduos atingidos de doenças crónicas ou agudas latentes». E o conceito repete-se pelos tratados mais novos da disciplina, pois que nele e em outra doutrinação a medicina legal é, substancialmente, o que era há trinta e seis anos, que são tantos como os que levo de vida clínica.
O muito distinto professor de Medicina Legal da minha Faculdade, Dr. Francisco Coimbra, ensina pouco mais ou menos nestes termos, quando nas aulas aborda a morte súbita:

Suponham que têm um doente muito grave, com uma doença aguda; ao terminar a visita diária, a família, que acompanha o médico até à porta, pergunta sobre a marcha da doença e os senhores respondem que a gravidade se mantém, e, embora o doente vá resistindo, pode haver de um momento para o outro uma falência; se o doente morre repentinamente, a sua morte não é uma morte súbita, porque foi considerada e prevista a sua ocorrência. Mas imaginem um homem ou uma mulher que sai de sua casa depois de uma refeição habitual, vai para o trabalho, para o passeio ou para qualquer distracção e cai bruscamente sem vida; esta é morte súbita, uma morte que surgiu sem ser considerada, que não foi prevista.

Como se vê, em medicina legal a morte súbita tem um carácter essencial, digamos necessário: é uma morte inesperada, uma morte que aparece de supetão, de maneira imprevista. Foi sem dúvida alguma o caso desta mulher; nada nos antecedentes, nada no decorrer do parto deixava prever a morte. Assim o escreveu o próprio inquiridor na sua vigésima conclusão:

De qualquer modo, deve afirmar-se que, já na história pregressa de Esmeralda Henriques, já na história da actual gravidez, não há qualquer dado que explique o incidente considerado neste processo.

Ora bem: aprofundemos um pouco mais. Que mecanismo teria desencadeado a morte súbita? Já vimos que não há doença anterior ou acontecimento obstétrico que possam corresponder-lhe. E o que revela a autópsia? Não mostrou lesões de doença latente por qualquer dos órgãos, lesão capaz de sofrer um episódio adicional de natureza a explicar a morte. «Vê-se - diz o inquiridor - ter-se verificado na autópsia um colapso circulatório, situação da mais alta gravidade». Esta afirmação pede cuidado.
Primeiro, é preciso discutir como na autópsia se objectiva o colapso circulatório. Se o colapso dura, em investigações experimentais, como fez Meesen, e em homens, como encontraram Kienle e Fishberg, podem estabelecer-se pequenos focos de necrose do miocárdio, explicando as alterações electrocardiográficas então obtidas. Se o colapso fulmina em poucos instantes, não deixa sinais anátomo-patológicos que o identifiquem. Em muitas situações cardíacas o colapso que leva à morte repentina é devido à fibrilação ventricular e pela autópsia nenhuma lesão se descobre que explique o êxito letal.
No caso desta mulher a morte deve ter sido repentina: é curtíssimo o tempo que medeia entre o desmaio e a verificação do óbito à entrada do Hospital de S. José. E para que o feto tenha sido extraído com condições de vida é requerido também que a morte sobreviesse em poucos instantes. Está escrito no relatório, e é certo, que, se a mãe, colapsada circulatòriamente e pulmonarmente, continua a viver alguns instantes, o filho morre primeiro, como se, num curioso sacrifício, cedesse em última tentativa o seu próprio oxigénio.
Em breves palavras, o colapso circulatório não se figura na autópsia por uma expressão anátomo-patológica. Assim aconteceu com os próprios peritos, que não verificaram lesões para explicar a morte e aventaram a hipótese de colapso circulatório justamente pela falta de lesões.
Depois, dizer colapso circulatório não é propor um mecanismo suficiente de morte súbita; o colapso é o afundamento brusco das funções circulatórias, e falta esclarecer o primacial, ou seja a razão que levou à depressão circulatória, e que pode ser muito variada, ir desde as causas principalmente cardíacas às causas exclusivamente periféricas. Pela autópsia nem umas nem outras se encontraram.
Sem suporte lesionai suficientemente esclarecedor, o que temos obrigatoriamente de dizer é que neste caso desconhecemos a causa da morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -E não se espantem VV. Ex.ªs que assim seja: a ocorrência verifica-se uma vez ou outra nos institutos de medicina legal, onde são levados para autópsia muitos casos de morte súbita que pelo imprevisto ou inesperado despertam suspeitas. É este o interesse judiciário dos casos de morte súbita.
Os textos de medicina legal voltam a falar bem claro. Encontra-se em Vibert a determinação seguinte:

Há casos de morte súbita em que, apesar do exame mais atento e mais minucioso de todos os