O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE ABRIL DE 1951 751

como obras capitais pela sua perfeição e monumentalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na pompa senhorial e sóbria das suas arcadas, na estabilidade maciça das suas fachadas despidas de ornatos, nada existe que se dirija à irreflexão de quem não medita sobre as impressões dos primeiros momentos ou às predilecções primitivas das almas incultas, incapazes de distinguir nas obras de arte a essencialidade sóbria das grandes linhas de beleza. Nada que se destine a iludir o gosto fácil de quem se deleita sobretudo naqueles acessórios e pormenores cuja pequenez melhor se ajuste às concepções limitadas do seu gosto.
Da horizontalidade das águas que lhe correm próximo nasceria a quietude perfeita das grandes linhas clássicas que lhe definem as formas e estabeleceram as proporcionalidades da praça através dos tempos no decorrer de sucessivas edificações.
Ainda hoje ressuscitamos para além da sua última forma as linhas gerais dos nobres Paços da Ribeira, em cuja traça andara a mão experimentada de mestre João de Castilho, que na antiga praia ribeirinha, ao sopé dos Paços Novos de El-Rei, erguera os dois pilares gigantescos, ao redor dos quais haviam de se lançar os calabres e correntes para amarração das caravelas, naus e galeões da África e da índia.
Estes pilares fazem-nos lembrar que todo o amplo terreiro, invadido em parte pelo estuário do rio, tão largo neste ponto que os nossos cronistas lhe chamavam mar, já antes de ser o átrio dos Paços de El-Rei havia sido os Paços da Navegação e da Conquista. Que, para aguardarem o regresso das embarcações que voltavam de além-mar, ali se edificavam desde o século XV os longos armazéns já faciados de arcarias, com lojas e dois andares sobremontados por terraços e sua torre de fortaleza a avançar para dentro da água na defesa do primitivo cais.
Primeiro se edificara a Casa de Ceuta, depois as Casas da Mina, da índia e da Guiné. Ao lado os arsenais da armaria.
Para enobrecer ainda mais a arquitectura daquele terreiro, traço de ligação entre Portugal e o mar, praça marinha onde pulsavam o coração de Lisboa e alma de Portugal, baixava D. Manuel dos acumeados Paços da Alcáçova de S. Jorge a erguer os Paços Novos sobre as feitorias e armazéns abarrotados de tesouros e perfumados de especiarias que, no dizer de Damião de Gois, mais se deveriam chamar empório dos aromas e pedras preciosas do que Casa da índia.
Era sobre ela que se erguia o novo palácio junto ao cais, recortando o seu pórtico de colunas sobranceiro ao mar para que mais depressa pudesse el-rei descer à beira de água a receber os navegantes e as riquezas e as noticias de todas as partes do dilatado império.
Todas as construções e até o palácio de el-rei, erguidos a marginar o cais e a vastidão do largo areal, foram, pois, construídos ao ritmo das descobertas e conquistas, e dai o desdobrarem-se em compridas alas de limitada cércea como braços abertos para o mar à espera das naus da índia, das Áfricas, das ilhas e dos Brasis.
Do sentimento deste destino, que lhe delineou as formas e proporções a partir do século de Quatrocentos, persistiu na arquitectura da reconstrução do século XVIII o sentimento da medida própria na horizontalidade das suas Unhas abertas num amplexo a receber quantos peregrinos vêm de todos os continentes tomar contacto com Portugal.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Alterem as suas medidas e perder-se-á a expressão da sua forma.

Acrescente-se-lhe um enxerto e cegar-se-ão os olhos para o símbolo vivo desta harmonia arquitectónica. Emudecerá esta linguagem expressiva que há séculos vem falando aos ouvidos de quantos sabem escutar e entender a voz das pedras. Quebrar-se-á aquele fluido espiritual que lhos lança a evocação desse largo trecho da história em que a Pátria aguardava neste cais de recepções os baixéis que regressavam de todos os mares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se inquietem os espíritos dos que se julgam mais positivos por considerarem fora das linhas da razão os argumentos da sensibilidade histórica, poética ou artística. Eu desejo falar para todos. Para uns e para outros. E também responderei dentro em breve aos possíveis argumentos da razão fria e de ordem utilitária.
Antes, porém, olhemos ainda para estes Paços da Cidade no panorama natural donde emerge a sua cenografia. E verificaremos que os conceitos arquitectónicos das modernas especialidades da arquitectura urbanística e paisagista existiam já naquele século XVIII, em que Eugênio dos Santos delineava a planta geral dá Baixa pombalina e riscava o plano local do Terreiro do Paço.
Da larga superfície do Tejo, donde flui a calma serenidade peculiar ao espraiamento de todas as águas, engolfa-se a vista no espraiamento da praça, que se estende como um segundo estuário para onde convergem à maneira de outros tantos afluentes as ruas mais nobres da cidade. O amplo terreiro memora na sua vastidão o antigo cais onde vinham terminar as teracenas da Ribeira das Naus e em cujo seio ainda por meados do século XVII ressoava o fragor da faina dos calafates que por ali construíam as caravelas e os galeões.
Ao deslocarmo-nos entre as robustas construções que enquadram, como num forte caixilho, o plano da praça e conduzem a vasta perspectiva aérea que sobre ela se alteia, sentimo-nos como que embebidos no volume diáfano do céu. A altura das suas construções não nos afasta do seu contacto directo.
Como estamos longe do desterro produzido pelas grandes alturas de vertiginosas edificações! Estas, que depois de nos afastarem da natureza no plano do próprio terreno, ainda mais nos afastam da transparência leve da atmosfera, não nos deixando haurir a sensação de liberdade e de força que a visão larga dos céus infunde no nosso organismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não é este influxo do ar livre elemento que se deva desprezar na urbanística moderna. Há um expressivo mito da Grécia antiga que nos fala de Anteu, hercúleo filho de Neptuno e da Terra, cujas forças se multiplicavam de cada vez que poisava no chão com maior firmeza os robustos pés.
Pois o mito de Anteu perdeu a actualidade para o homem dos nossos dias. Muito pelo contrário, o nosso corpo aumenta de energias de cada vez que pode sorver a longos haustos, pela boca e pêlos olhos, a fluidez vitalizadora da atmosfera. E isto torna-se de cada vez mais necessário à medida que a intensificação do desgaste de energias quotidianas vai desvitalizando mais continuamente a fonte energética dos nossos esforços. Falo com o moderno sentido higienista da urbanização.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - O estuário do Tejo, o terreiro e a proximidade do céu, tudo isto faz parte integrante da ar-