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754 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 89

Também nós sentimos que novos motivos de beleza poderiam florescer ua ópoca das máquinas, das locomotivas, dos transatlânticos, dos automóveis, dos aeroplanos. E que de tudo isto podem surgir formas imprevistas, capazes de contaminar todas as artes. E que da conquista de novos materiais poderiam resultar novas fornias na construção. Porém, para cada coisa o seu lugar, o seu ambiente e o seu apropósito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tais obras de arte hão-de surgir no meio apropriado e de constituir elas próprias a sua unidade. Em todo o seu desenvolvimento hão-de continuar o prolongamento progressivo de um ritmo inicial.
Porém, numa obra de arte existente não consideramos admissível o sacrifício da estética que lhe é própria ao desenvolvimento das necessidades funcionais que dentro dela se cumprem. Isto repugna a quantos compreendem o valor do funcional na arte em toda a sua extensão e sabem, por consequência, que as funções do espirito também têm a sua participação nas necessidades e no conforto da vida material.
Quando o utilitarismo pelo seu desenvolvimento se de adapta da obra de arte, impõe-se, não que se modifique a obra de arte, mas que se desloque o excesso dos serviços que o edifício já não comporta.
Porém, no caso que nos ocupa, ouso negar, em nome do próprio utilitarismo da vida actual, que seja vantajoso o alargamento dos serviços nos edifícios em que se encontram. É que não há problemas restritos ao seu âmbito próprio. As necessidades e o movimento dos serviços têm de considerar-se integrados nas necessidades e no movimento geral da urbe.
Os tempos são outros!
Os mais modernos conceitos urbanísticos impõem por toda a parte o combate à pletora das actividades localizadas e ao consequente congestionamento da circulação.
O desenvolvimento da vida actual, com a complexidade e os novos aspectos dos factores económicos e sociais dos grandes centros, deu origem a um novo conceito da cidade moderna, a que Jean Fourastié chamou «a cidade terciária». Desenvolve-se a cidade contemporânea em oposição ao conceito, do habitat secundário, que informou o urbanismo de há cem anos para cá, deixando-o desenvolver-se em obediência a um determinismo económico de base industrial, cujas condições se encontram ultrapassadas.
A concentração substitui-se a dispersão. Ao grande centro, os pequenos centros, tal como se vai verificando nos Estados Unidos da América, onde a cidade secundária havia realizado o máximo da concentração.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A cidade é um grande organismo vivo onde a actividade humana se integra de cada vez mais num grande sistema circulatório. Da mesma maneira que uma célula primitiva se multiplica em outras células por cissiparidades sucessivas, assim as grandes células dos serviços públicos, em vez de se hipertrofiarem patologicamente, deverão multiplicar-se em novas células, que serão naturalmente migratórias quando se trate de servir ou, pelo menos, de não prejudicar a vida duma cidade a cuja orgânica são imprescindíveis as actividades circulatórias.
Não deve o Terreiro do Paço, para se desenvolver no ritmo das exigências modernas, procurar tumefazer-se. inchar, esticar, para abarcar dentro de ai todas as exigências do incremento dos múltiplos serviços que comporta. Deverá, antes, diminuir o número desses serviços na proporção em que outros se vão alargando, cedendo a uns o espaço tornado livre pela migração dos outros que se irão separando da célula primitiva para se fixarem em locais diferentes, levando consigo um fermento de vitalização para novos bairros. É esta a forma única de resolver o problema da circulação, que está atormentando a vida activa da capital.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Foi por migrações desta natureza que se deslocou - e muito bem - a. antiga Direcção-Geral da Instrução Pública do Ministério do Interior, que, transformada num novo Ministério, se foi instalar no Campo de Santana. O mesmo sucedeu com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que foi para Alcântara, e à Camará Municipal de Lisboa, que foi para o Largo do Pelourinho. A mesma solução se impõe deslocando do Terreiro do Paço alguns serviços que, ao mesmo tempo que impedem a ampliação de outros, se sentem por eles limitados.
Dispersão, e não excesso de centralização, ó o que exige o progresso da cidade em todos os aspectos da sua vida activa. E, se isto se impõe como solução -a mais moderna para o problema constantemente mais grave da inflação da vida citadina -, mais prementemente se impõe esta solução quando ela ë também a única fornia compatível com a salvaguarda dos documentos nobilitantes da nossa cultura artística no passado, no presente e no futuro.
Quem pensaria em acrescentar o Louvre paru aumentar os seus museus, em vez de, como de resto se fez já, instalar em novos museus o excesso das suas obras de arte? Quem pensaria em aumentar os edifícios das nobres construções que tornaram a urbanização de Paris a mais bela urbanização de todo o Mundo?
Quando as grandes realizações urbanísticas atingem o alto valor de conjunto das edificações do Terreiro do Paço, que tornam esta praça uma das mais notáveis existentes em todo o Mundo, tais obras devem considerar-se intemporais e intangíveis como toda a obra de arte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É falta de sensibilidade o de cultura empregar-se contra a sua intangibilidade o argumento de que os tempos são outros. Na realidade, no decorrer de todas as idades os tempos vão sendo outros, mas, através de todos os tempos, o respeito pela obra de arte permanece o mesmo, dentro do espirito de todos os povos cultos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-E não venha o menosprezo pelas criações artísticas do passado merecer aos da posteridade o labéu que as gerações futuras não deixarão de lançar sobre o espírito dos nossos tempos. Lembremo-nos da ironia e dicacidade critica da apreciação das obras do reformador do Panteão, o Papa Urbano VIII, membro ilustre da família romana dos Barberini, que retirou o bronze da cobertura do pórtico. «O que os bárbaros não fizeram fizeram-no os Barberini»! E, contudo, a retirada desse bronze, que nem sequer modificava a forma arquitectónica do Panteão, destinava-se a ser fundido para uma obra do grande Bernini!
Sr. Presidente: a notícia que provocou esta minha intervenção, destinada a significar um apelo a S. Ex.a o Ministro das Obras Públicas, lançou em meu espirito o receio de que se não encontro devidamente actualizada a nossa legislação no que se refere à protecção das obras de arte e monumentos nacionais.