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756 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 89

Cão de vencer a onda de egoísmo em que tantos se afogam. Ainda há, infelizmente, muita gente boa, da que sente os altos deveres para com a família, a sociedade e a, Pátria e procura cumpri-los, cristãmente, de olhos postos em Deus, que a todos julgará pelo que neste Mundo fizeram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda há muita gente boa! A família portuguesa, nos meios em que se não fazem sentir os mortíferos efeitos da pobreza, tem consistência e dignidade, mantém as virtualidades da instituição. As excepções confirmam a regra, e elas são de todos os tempos, e não só da era moderna, apesar dos factores de desagregação inerentes à transformação económico-social que no actual século vincadamente se acentuou.
Com essa transformação da vida comunitária provocou-se a transformação dos costumes familiares, esbateu-se n rígida autoridade do- homem pela possível independência económica da mulher, alargaram-se as comunicações com o ambiente, diminuiu o campo da. convivência dentro do lar. Mas na gente boa o carácter do instituição permaneceu sem alteração sensível, firme na estrutura moral dos teus componentes. E é isto o que conta, muito mais do que as mudanças em aspectos acidentais, que a constante evolução dos costumes com o rodar dos séculos, inevitavelmente acarreta..
Nem é preciso remontar a longínquo passado para o verificar. As gentes da minha- geração assistiram à profunda modificação que tudo foi apresentando desde há sessenta para setenta anos.
Não é preciso ir mais longe do que por volta de 1890 quando principiei a ir à escola. Então ainda não circulavam automóveis, a encurtar distâncias; pelas poeirentas estradas rolava e diligência, pachorrenta, a guizalhar. Tudo era calmo, tranquilo. descansado. Os passeios, a pé ou em carro, eram as distracções dominicais em uso, para pobres e ricos. As raparigas, recolhidas no lar, 90 .raramente, em ousada noviciado, frequentavam o curso secundário. A grande indústria desse tempo seria hoje tida por pequena indústria a electricidade iniciava, da sua expansão; casas e rua» eram iluminadas frouxamente pela chama amarela do candeeiro de petróleo ou pela azulada e vacilante do bico de gás. Jantava-se, as 5 horas da tarde e o ir para a cama depois das 11 era já tido por noitada. Mercê das menores facilidades de dispersão, a família concentrava-se mais no interior do abrigo caseiro; havia lá dentro maior «conchego e maior disciplina doméstica.
Não é sem nostalgia que se recorda aquilo que é de uso chamar «os patriarcais costumes familiares».
Compreendo bem os que, agarrados à ideia de que sem eles a família se perverte, erradamente não acreditam na eternidade da instituirão, no que ela tem de fundamental, perante as modificações que novos rumos da vida económico- social fatalmente lhe imprimirão. Olhemos com cabeça as realidades, embora com o coração cheio de saudade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa saudade ergue-se diante de mim neste momento, lembrando os felizes tempos da infância na .casa paterna. Éramos onze irmãos e o casal mão era rico.
A minha santa mãe, que ocupava- o melhor do seu tempo a coser e a compor a roupa dos filhos, a todos agasalhava. Foi ela que me ensinou a ler, miudito de 5 anos, de pé em cima de uma cadeira, para chegar ao toucador, onde soletrava a cartilha de João de Deus; quando dentro em breve fui para a escola já suína a
letra redonda e a junção dos algarismos, a aos 8 anos fazia exame de admissão ao liceu, pois era no tempo em que a pedagogia não tinha ainda feito a espantosa descoberta de que antes dos 7 anos é prejudicial começar os estudos.
Foi ela que me ensinou a doutrina cristã, que une ensinou a rezar, a ser compassivo e tão misericordioso quanto permitisse o barro humano da nossa pecadora formação.
A hora das comidas tocava a sinala a reunir a filharada dispersa. Todos se postavam diante das cadeiras respectivas, aguardando de pé que os pais se. sentassem. Conversa-se sobre ocorrências de interesse para- cada um e quando havia ordem para levantar todos voltavam a primeira posição, davam as graças ir Deus, e cada um ia para o seu lado. Este era o quadro da vida familiar dessa época.
Onde estão hoje esses costumes? Já não são os mesmos. Porventura ainda se encontrará esse quadro, por excepção, nalgum recanto provinciano. Ë assim, mias não importa.
O essencial é que persista a união íntima, a devoção pelo lar, pela educação dos filhos, e que os pais tenham a contextura moral que garanta estabilidade e a unidade do adregado, dando o exemplo da sua vida aos descendentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente com profunda satisfação vi confirmado o meu parecer de que a causa principal da desagregação da família está nas dificuldades económica- para uma vida era regulares condições. Aspo estas palavras da Sr.ª D. Maria: Margarida Craveiro Lopes dos Reis, pois não saberia exprimir por melhores termos o basilar conceito:
Para que em Portugal a família seja uma presença com que se conte,- pura que ela esteja à altura da sua missão, há que dar-lhe condições para que ela cumpra alegremente o seu dever, para que este se torne atraente aos mais vacilantes, o não surja em tantos e tantos casos como um heroísmo à margem das possibilidades da maioria.

Se assim é para a denominada classe média, a pequena burguesia (que é um dos melhores esteios das sociedades sãs), não o é menos para a dos humildes trabalhadores manuais, onde as dificuldades assumem o ar de miséria, da miséria que conduz a fatal degradação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Os remédios para tais situações são bem conhecidos, foram aqui citados- e justificados, especialmente no que toca ao abono de família e à previdência contra a doença e o desemprego. São problemas estes que é preciso enfrentar com decisão, não só por a sua solução visar o melhoramento do ambiente social como para que não continue a gastar-se em mera assistência uma soma enorme, que mais atalha a crises ocasionais que a impossibilidades de trabalho efectivas, e nada resolve em definitivo, pois ataca efeitos e não actua sobre os factores.
Em complemento desses meios de acção operante coloca-se a valorização moral e profissional do elemento humano: melhor orientação da escola, ocupação dos menores até à idade legal, de trabalho, aproveitamento dos diminuídos. Nada há a acrescentar, a estes respeitos, às exposições das duas senhoras que intervieram no debate.