O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE ABRIL DE 1955 753

dignidade e profundidade de espirito que a tez definir por cosa mentale. como Da Vinci dizia também da pintura. Arquitectura pobre? Não! Arquitectura nobre!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Foi este o conceito que presidiu às criações de Bramante e Brunelesco e persistiu de certo modo em Leo Alberti e em Miguel Angelo, e ó notável que todos eles defenderam na arquitectura o domínio da horizontalidade sobre a verticalidade.
Seja como for, a obra arquitectónica ó sempre concebida globalmente, numa unidade de conjunto. E, para lutar contra a fadiga da monotonia, anima-se a construção com o que poderemos chamar a diversidade na unidade.
Nada que venha quebrar o movimento musical solene da obra arquitectónica. A substituir o ornato aplicado, apenas o relevo dos elementos intrínsecos à construção produzindo o jogo de luz e de sombras necessário para pôr em saliência as linhas arquitectónicas. Este fim é conseguido pelo relevo das caixilharias e das linhas divisórias dos andares e pelo contraste de cor e de luz obtido pela colaboração entre as cantarias e a alvenaria.
Por isto mesmo se me afiguram da mesma forma destituídos da razão- os desejos que tantas vezes tenho ouvido exprimir de ver forradas com paramentos de lioz as superfícies intermediárias de alvenaria.
Não. A arquitectura do Terreiro do Paço foi concebida para ser assim tal qual é. Reside aqui o seu melhor efeito de luz, e a luz é o grande elemento valorizador da arquitectura. E esta diferença de materiais permito ainda a intensificação deste jogo de claro-escuro pelo auxilio da cor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por isso, seja dito de passagem, me parecia mais perfeita a antiga cor. Aquela cor de camurça, macia e aveludada, quente e luminosa, tinha mais afinidade com a patina natural do sol. Reconheço, entretanto, que, apesar da sua substituição por um tom frio, este encontra a sua razão de agrado certamente na afinidade existente com a cor das águas em cuja superfície a vista do terreiro se prolonga.
Ouvi já por vezes aduzir como razão justificativa para novas intromissões arquitectónicas a pretendida existência de um projecto primitivo mais complexo, também concebido por Eugênio dos Santos e consequentemente integrável no plano geral da cidade.
Será certo? Julgo que não, mas é possível. Porém, este argumento não tem para mim o poder de convicção que algumas vezes em outros já observei. E isto porque há um argumento de enorme valor a favor deste projecto e contra qualquer outro: é que é este, e não outro, o que foi realizado.
Argumento parado, insignificante e retrógrado, pode parecer à primeira vista. Pois bem! Não ousaria insistir nele se o considerasse à segunda vista tão dês valioso como à primeira. Se o não considerasse mesmo dum alto valor. Eu explico.
Para além de qualquer projecto ainda não realizado, e quer seja visto na sua planificação pormenorizada e isolada, quer numa visão de conjunto em desenho ou em vulto, existe sempre entre a antevisão e a realidade futura uma zona cega, um hiato misterioso que os nossos olhos não conseguem desvendar e mercê do qual ninguém pode estar seguro do que será a obra depois de concluída.
Desta sorte, a obra futura tem sempre alguma coisa de imprevisível para o próprio artista que a imaginou, arquitecto, escultor ou qualquer outro artista plástico, e conserva, consequentemente, um grande contingente de dúvidas e decepções a que não podemos sujeitar a obra já realizada.
A interferência dos volumes que se erguem em todo o campo visual, a partir da obra para fora do local onde ela existe ou a partir do exterior para o local em que ela se construiu, modifica o aspecto da construção, como a impressão cromática de uma cor pode modificar a outra que se empregou ao lado na mesma obra pictural.
Neste último caso é possível que o artista, depois de verificado o efeito obtido, emendo a mão. O mesmo se torna já muito mais difícil em relação à escultura. E de uma desilusão destas proveio a morte dramática de Bresciani, que não pode sobreviver ao desgosto que sofreu com a decepção que teve em face do seu Moisés. Porém, o que é difícil na escultura torna-se muito mais difícil, quando não irrealizável, na grande arquitectura.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-O que seria outra obra imaginada pelo próprio Eugênio dos Santos? Ao certo não o sabemos. Porém, isto que aqui está sabemo-lo nós. Daqui provém a força deste argumento, que assenta no existencialismo da obra.
E se toda a obra perfeita constitui uma lição útil a contemporâneos e vindouros, o perigo de a prejudicar provém de que esse inconveniente afecta as multidões que dia a dia cruzam os seus aspectos e deixam de colher uma lição subconsciente, quando mesmo a obra não constitui, como tantas que por aí existem, um exemplo deplorável para a sensibilidade dos incultos.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Como poderia um aumento da cércea deixar de colidir com os volumes de edificações que se vão encastrar nos edifícios do terreiro? E com o arco triunfal da Rua Augusta? E com as proporções estabelecidas para a própria estátua equestre? Lembremo-nos de que Machado de Castro a harmonizou, tanto nas medidas da parte arquitectónica do pedestal como nas da escultura, com o jogo de volumes, a superfície do terreiro o a altura do seu enquadramento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Depois de considerarmos este problema, analisando-o no seu aspecto intrínseco, havemos de o considerar ainda no aspecto citadino das necessidades da vida pública.
Os tempos são outros. E a vida moderna tem as suas exigências, capazes de determinar novos conceitos de estética. Ah, sim! Escusam de nos falar em tom de revelação nas belezas do utilitarismo e do progresso como novo dispensador de cânones inéditos para n visão moderna dum novo urbanismo. Tudo isso nós sabemos sentir e compreender desde há muito, graças a Deus.
Nós sabemos que também as actividades utilitárias e as coisas que as servem (escritórios comerciais, indústrias, burocracia ...) tom a sua expressão susceptível de se ajustar a obras de beleza, quando não têm mesmo a sua beleza própria.
Também para nós Marinetti escreveu o sou Manifesto de 1010, que poucos anos depois chegava a Portugal e tanto apaixonou o entusiasmo do jovem que eu era então.
Também aprendi com ele (e guardo cm meu espírito a sua lição) que mais um motivo de beleza e uma nova expressão de formas de arte surgiam dos maquinismos, das indústrias, de planos, volumes, linhas e cores em que se materializa a velocidade e a força e se enriquecem as sugestões visuais do espaço e do tempo.