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264 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111

Façamo-lo numa ligeira síntese, embora essas «naus Gatrinetas» tenham muito que contar
Os mais idosos lembram-se e os mais novos, decerto; ouviram, falar do caso do apresamento daqueles setenta navios alemães e dois austríacos, ancorados nos tranquilas águas portuguesas, em 1916.
Sabem que foi este acto que originou a declaração de guerra pela Alemanha a Portugal e depois a nossa intervenção no campo europeu das hostilidades, intervenção que não é oportuno discutir perante o facto, consumado, tanto mais que, se muitos discordaram dela, muitos outros a defenderam.
Apenas um apontamento: Em contrário do que se quis fazer acreditar, á Inglaterra quis marcar posição, pondo-nos restrições, como a de que «a rotura com à Alemanha deveria ser claramente motivada por questão entre Portugal e este país e provocada no interesse de Portugal, e não imposta à Alemanha com uma obrigação da parte de Portugal, para com a Inglaterra». Textual.
Material de guerra? Sim, mas pagando-se ela com o preço do afretamento dos navios que lhe era feito.
Mas, prossigamos:
Apesar da nossa carestia de transportes, sendo setenta ë dois os navios apreendidos, num total de 242 441 t brutas, quarenta e dois, representando 154 008 t brutas, ou 241 564 t deadwteigth, foram afectados à Inglaterra. Portugal ficou apenas com 88 433 t, representadas por trinta navios; e não menos porque a própria Inglaterra renunciou a seis dos que lhe estavam, destinados.
E, então é logo surgiu a grande negociata através de um misterioso contrato com a firma Furness With, Ltd., o escandaloso «contrato Furness», cujos termos completos nunca foram divulgados è os lucros exorbitantes e os seus compartilhantes ficaram e continuam envoltos i uma espessa nuvem de mistério, que, infelizmente, agora, decorridos trinta e cinco anos, já não pode dissipar-se.
Não vou entrar em pormenores, porque a escassez do tempo de que disponho não o permite, e para exemplificação basta recordar alguns aspectos, ou seja:
Que os quarenta a e dois navios foram alugados até seis meses depois da guerra ao preço vil de 14 xelins e 3, pence mensais a tonelada bruta e a Furness, a quem a Inglaterra en regara a exploração, da frota, chegou depois a afrentámos, por seu turno, a outros países por preços muito superiores, como à França, a 50 xelins, e aos Estados Unidos, a 160 dólares a tonelada, etc. e nós mesmo afrentámos por exemplo, o Goa, em 1920, a 190 xelins em time-charter; . Que o segundo dos navios, foi ajustado pelo baixo valor de £ 20 a tonelada bruta, do que resultou um enorme prejuízo para nós com a perda de, nada menos, vinte e dois navios enastrados, representando o total de 69.076 t brutas;
Que nunca exigimos a actualização daqueles preços; com a agravante de apenas dois navios nos terem dentro do prazo estabelecido no contrato, apesar dos esforços empregado pelo Doutor Egas Moniz então Ministro dos Negócios Estrangeiros, junto do Sr. Balfour e terem vindo muitos em péssimo estado - impossibilitados de obter a classifição dos Loyds.
A guerra germinou em 1918 e só em 1921 nos foram devolvidos os últimos navio!
Só do que fica exposto resultou para o Estado Português uma perda superior á 8 milhões de libras, que, ao câmbio médio dê então, correspondiam já a cerca, de 400 000 contos e ao de hoje atingem uma cifra astronómica!
O que venho de exemplificar diz apenas respeito aos quarenta e dois navios cedidos à Inglaterra, pois em relação aos trinta que nos restaram as coisas ainda correram pior, devido a uma administração desordenada, caótica e absolutamente inepta e ruinosa; mal este acrescido de estadias infindáveis, do custo enorme e demoras nos reparações e de negociatas ma compra e venda de canibais e de carvão com as suas enfarruscadelas, calotes, faliu de escrita, ou em parte feita em linguados; de papel, etc.
Mas há mais, muito mais! Pior, muito pior!
Nas vagas alterosas desse mar de lama afundaram-se o prestígio e de crédito do País, o nome e a honra da Nação, enxovalhados, em. todas as partes do Mundo, com arrestos, retenções ou demoras forçadas «biltras providências cautelares, promovidos pêlos numerosos credores dos Transportes Marítimos, sem exclusão dos próprios, agentes!
A fama e o descrédito criados correram Mundo e foram tais que se chegou ao ponto de, por exemplo, em Bombaim, ter sido recusado o fornecimento de carvão ao Quelimane sem pagamento adiantado. E, quanto a arrestos sob a bandeira da República- de então, posta assim • em percalços de almoeda, basta referir os do Gaza, em Baltimore, do S. Tiago, em Nova Iorque, do Lourenço Marquei, em Hamburgo, ao Amarante, em Montevideu, do S. Vicente, em Belford, do Fáru, em Porto Artur, do Lima e do Pangim., em Antuérpia, etc.! ; Quê Vergonha, que miséria!

Vozes: - Muito bem!

O. Orador: - E deu-se então o caso inédito e cómico-marítimo do Sines, que vale a pena recordar.
O Sines, que ainda há poucos anos por aí vogava no transporte de carvão, não foi arrestado pêlos credores, é certo, mas ficou retido em Cardife, sob compromisso de palavra, do agente de que não levantara ferro sem que todas as dívidas estivessem saldadas. Resultado: onze meses de estadia;, e os tripulantes, privados dos seus próprios vencimentos, adoptaram, como solução extrema, o expediente de carrear terra para o convés do navio e plantar uma horta de couves!. Quando, na anos, aqui o referi, um deputado republicano exclamou « Que beleza de hortaliça! . . .».
Mas basta. Para quê mais exemplos, se o libelo foi deduzido mesmo por destacadas e insuspeitas figuras do regime?
O Presidente do Ministério engenheiro António Maria da Silva,, que já exclamara em pleno Parlamento que o País estava a saque, cognominou os Transportes Marítimos do Estado de foco de infecção.
O Deputado Dr. Joaquim Ribeiro, ao iniciar-se o debate da lei-liquidatária daquele valhacouto, exclamou da sua bancada:
Vamos tratar dessa quadrilha de ladrões rios Transportes Marítimos!
O Deputado e inspirado poete, jornalista de combate e director da República, Dr. Ribeiro de Carvalho, que tantas vezes vi aqui revoltado contra a maioria e contra o seu Governo e tão afastado havia de mostrar-se depois perante o Estado Novo, indignava-se, no seu jornal de 22 de Março de 1922, assegurando que o formidável déficit destes serviços provava que eles estiveram alguns anos a saque. E, no mesmo diário, exclamou ainda n propósito:
Pratica um acto de desonestidade quem toma conte de um serviço para que não tem a menor competência.