14 DE MARÇO DE 1956 507
(...) próprio visitei várias casas dessas, em que há a promiscuidade que todos condenam. Não basta construir; é preciso construir com o mínimo de condições de sanidade, física e moral. Por isso advogo o princípio da obediência a tipos mínimos, não só quando sejam construídas por entidades particulares como
quando o forem por entidades, públicas.
O Sr. Carlos Borges: - Podiam ser mesmo casas de tipo regional.
O Orador: - Naturalmente...
Outro pormenor respeita aos terrenos. A Lei n.º 2030 precisa de regulamentação que fixe o valor dos terrenos sobre o qual tem de incidir a mais-valia, não só para se saber previamente em quanto importará a sua aquisição, mas também para não suceder o caso, infelizmente vulgar, de o proprietário lhe atribuir um valor excessivo, o que origina - conflitos muitas vezes resolvidos injustamente, com sacrifício do interesse da colectividade.
Também se torna indispensável regular as disposições da mesma lei no tocante a demolições, de que, como o Sr. Saphera da Coita tem mostrado em intervenções na Câmara Municipal, se tem, sobretudo em Lisboa, abusado muitíssimo.
Reconheço que as necessidades urbanísticas obrigam a demolir prédios em boas condições de habitabilidade, mas é preciso que sejam justificadas; o que não é admissível é que um proprietário, sem ser por esse motivo, substitua um prédio por outro, a não .ser no caso de o novo edifício, sobre a mesma área de terreno, multiplicar por três a superfície habitável e o número de fogos do prédio a demolir; abaixo disto, parece-me abusivo o consentimento. Impõe-se, enquanto não por regulamentado este ponto, suspender o direito de o aplicar.
Ainda apenas algumas palavras sobre cooperação na tarefa edificadora, nos seus dois aspectos de autoconstrução e sociedades cooperativas.
A construção de casas directamente pelos operários que serão os seus proprietários é uma modalidade excelente e realizável, desde que sejam financiados para a aquisição das terrenos e dos materiais e para pagamento dos serviços que não podem desempenhar. É necessário estudar o processo de um financiamento especial para ente efeito.
Conheço um belo exemplo, de um bairro no Porto, de empregados dos transportes colectivos, impulsionado e dirigido pelo Eng. Prof. Antão de Almeida Garrett, com parte do capital emprestado por membros da Liga Universitária Católica. As casas do bairro, do qual já há algumas habitadas, ficarão por bastante menos do custo que fixei e as mensalidades até à amortização são perfeitamente acessíveis: de 150$.
Relativamente às cooperativas, estudei minuciosamente, o assunto, lendo obtido dados da maioria das existentes. Cheguei à conclusão de que, com a orgânica actual, não têm possibilidades de vida regular e proveitosa. Inscrevem-se os sócio, com a esperança de. dentro de alguns anos. lhes tocar a vez de construir, mas essa esperança é para a enorme maioria ilusória, pelo que uma parte abandona a cooperativa em que se inscreveu, depois de desembolsos durante anos. Ë indispensável estabelecer para elas uma legislação especial, que as torne eficientes, podendo então prestar bons serviços à classe média, pois as classes com pequenos rendimentos não poderão contribuir com as quotas necessárias para que o sistema funcione devidamente.
Vou, por fim, ocupar-me da última parte desta intervenção, o que farei com muita brevidade. Trata do aspecto rural e do melhoramento das velhas casas acanhadas, tais as dos pátios de Lisboa e «ilhas» do Porto. Nestas há muitos anos que começaram a fazer-se beneficiações, decalcadas num inquérito efectuado pela Inspecção de. Saúde. É procedimento que tem de operar-se cautelosamente, preparando, com antecipação, as casas para onde irão os inquilinos das demolidas, para arejar as vizinhas. Se não se fizer assim, o melhoramento arrastará o sacrifício da pobre gente desalojada, o que não é humano; primeiro construir as casas novas e depois melhorar as antigas.
Quanto ao aspecto rural, penso que os pequenos proprietários devem ser auxiliados na despesa a fazer com as obras a realizar nas suas moradias. O caso deve entrar na ordem dos melhoramentos rurais, a comparticipar de maneira semelhante à adoptada para caminhos, fontes, etc.
Os grandes proprietários têm o dever moral de dar casas convenientes aos seus operários, tal como o faz o nosso colega Eng. Amaral Neto, que dá o exemplo de seguir lia prática o que defende em teoria.
Sr. Presidente: chego ao final desta exposição de factos e opiniões, talvez demasiadamente extensa; mas não pude fazê-la mais pequena. Creio que, para o que disse, não podia ser mais conciso. Terminarei apontando, à guisa de conclusões, um resumo dos meus pareceres e os alvitres correspondentes:
A nossa legislação em matéria de construção de moradias, devida ao Estado Novo, é na essência magnífica, e por virtude de ela se tem realizado uma obra, sem favor, notável: carece apenas de alguns aditamentos que apontei e justifiquei.
Para resolver o problema habitacional a atenção deve concentrar-se, imperiosamente, na edificação de casas para famílias com filhos e pequenos recursos, por ser o sector em que é preponderante a carência de habitações, em todos os demais sendo fácil a solução sem necessidade de plano realizador.
Esse plano é indispensável para o referido sector, sem o que se caminhará ao acaso, sem qualquer probabilidade de se atingir o desejado objectivo, de dar um lar a todas as famílias.
Para a execução desse plano não é necessário pedir ao Estado e às câmaras municipais um contributo muito maior do que aquele que até agora têm dado, pois o capital particular pode concorrer para ela em termos de receber uma compensação tão grande ou maior do que a que receberá dentro de alguns anos, se insistir na construção de casas para rendas que só transitoriamente terão o valor actual.
A execução do plano impõe a concentração dos serviços de orientação e fiscalização num organismo único, alvitre e.-«te que. mesmo sem esse motivo, tem sido por diversas vezes formulado, para acabar com a dispersão da matéria por vários departamentos governativos.
Tudo isto tem de ser cuidadosamente pensado, em conjunto, pelo que ouso exprimir, como conclusão final e única desde já realizável, o desejo (para o qual peço o apoio da Assembleia) de que o Governo nomeie, sem demora, uma comissão composta por pessoas que se tenham dedicado ao assunto, umas por devoção e outras por obrigação profissional, com o encargo de estudar o problema e propor as medidas que encontre convenientes para a sua cabal solução.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Requeiro a generalização do debate.