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598 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

A sua tese sobre as «Anomalias ópticas em cristalografia» (feita aos 25 anos), que lhe valeu naquela época o máximo grau universitário e medalha de ouro e ainda hoje citações de todos os que ao assunto se dedicam, deu azo, segundo muitas vezes ouvi dizer, a que a Universidade afirmasse «haverem sido (pelo jovem português) abertos novos horizontes num ponto onde a ciência parecia ter parado».
Não consegui averiguar se, por aquelas ou por outras palavras, a ideia que a frase encerra foi de facto enunciada, mas, dado o excepcional valor da tese, o Sr. Prof. Torre da Assunção considera-a perfeitamente verosímil, e ninguém mais autorizado em Portugal para o afirmar.
Ao terminar os estudos foi o Dr. Bensaúde convidado pura subdirector do Museu de Hamburgo e privat dozent da Universidade de Friburgo, mas, para dar o seu trabalho à Pátria, desprezou o futuro brilhante que se lhe abria na Alemanha.
O amor pelas ciências pedagógicas teve origem certamente na incompreensão dos mestres, que não souberam aproveitar a natural tendência que desde criança manifestou pelas coisas da natureza, para lhe despertar o gosto pelo estudo.
A inabilidade dos primeiros professores que teve em S. Miguel (um dos quais chegou a desesperar de lhe ensinar a ler), e mesmo na Alemanha, antes de iniciar os estudos superiores, deixou-lhe no espirito marca indelével, bem patente em conversas e escritos seus.
Também no sangue lhe terá vindo natural propensão para as ciências da educação e do ensino. De facto, José Bensaúde, pai do Dr. Alfredo Bensaúde, vulto notável de invulgar envergadura mental, que fez parte do grupo chamado «A grande geração» - homens que encheram a última metade do século XIX com iniciativas do maior interesse espiritual e material para a ilha de S. Miguel-, sempre se interessou pela educação e pelo ensino.
Os temas sobre pedagogia não faltavam nas revistas de filosofia, permanentemente actualizadas, com que a vigorosa inteligência de José Bensaúde ainda aos 86 anos entretinha os sócios de uma vida profissional intensa, mantida em pleno labor até à morte.
Assim preparado e orientado, a vida pública de Alfredo Bensaúde desenvolve-se em Portugal entre os estudos científicos e a cátedra.
Em 1883 está na Secção dos Trabalhos Geológicos, como mineralogista e petrografista, e no ano seguinte faz concurso para professor de Mineralogia e Geologia no antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.
Organiza o Instituto Superior Técnico em 1911 e toma a respectiva direcção até 1921. De 1922 até 1940 - ano em que morre - o Dr. Alfredo Bensaúde dirige a fábrica de tabacos, que seu pai fundara.
Tarefa grande a de criar a escola de Lisboa, em 1911, que o espirito superior do Dr. Brito Camacho, esclarecido por observação directa do ensino em Portugal e no estrangeiro, tornou possível, mas maior batalha foi a de mante-la através do caos administrativo que se seguiu àquela data e contra os despeites, que no estado político do País encontravam fácil meio de cultura.
A organização do Instituto Superior Técnico constituiu também uma revolução nos métodos de ensino, onde o esclarecídissimo pedagogo deu marca da sua altura.
A engenharia civil em Portugal inicia-se no ano de 1887. Em Lisboa, a partir daquela data, fazem-se engenheiros civis e de minas, com o estudo dos preparatórios na Escola Politécnica e das disciplinas especializadas na Escola do Exército. Este sistema mantém-se até à fundação do Instituto Superior Técnico.
No Porto cria-se a Real Academia Politécnica em 1837, onde se preparam engenheiros de pontes e calçadas, de minas, construtores de navios e geógrafos.
Em 1885 reforma profunda modifica a orientação, formando-se somente engenheiros civis, de minas e industriais. Com a fundação da Universidade do Porto em 1911, os preparatórios de Engenharia passaram a fazer-se na Faculdade de Ciências e a especialização na Escola de Engenharia.
Quatro anos depois surge a Faculdade Técnica da Universidade do Porto. A organização daquela Faculdade, com as mesmas especializações que existiam no Instituto Superior Técnico desde 1911, é o reconhecimento, por entidade competente, da excelência do critério seguido por Bensaúde em Lisboa.
Passados quarenta e cinco anos, embora com modificações no número e programas das disciplinas versadas, a que a evolução cientifica obrigou, a organização fundamental da Engenharia em Portugal, com cinco especialidades, unificada em Lisboa e Porto, mantém-se intacta, e esse facto constitui a confirmação, pela experiência, da superior visão do fundador do Instituto Superior Técnico.
O Dr. Alfredo Bensaúde modificou o método do recrutamento dos professores, que escolheu de entre os engenheiros de reconhecido valor como práticos, e, levando-os a reger mais de uma cadeira, procurou conseguir remunerações que permitissem aos catedráticos uma dedicação completa ao ensino; paralelamente, os trabalhos laboratoriais tomaram desenvolvimento e, como consequência da orientação seguida, a eficiência e o prestigio da escola tomaram vulto.
O Dr. Alfredo Bensaúde soube tirar das faculdades que Deus lhe deu e das circunstancias que se lhe proporcionaram o melhor rendimento. Criou para a sua vida privada um ambiente superior, serviu notavelmente a ciência e prestou relevantes serviços à Pátria.
Artista, reúne na sua casa da Rua de S. Caetano, durante quarenta anos, o escol da intelectualidade portuguesa no campo das letras e das artes. Trabalha então para si próprio - mas não é pecado esforçarem-se os homens por impregnar o meio em que vivem, e até o ar que respiram, de alta espiritualidade e procurarem fugir às coisas mesquinhas do Mundo.
Cientista, realiza com extraordinária mestria muitos estudos sobre mineralogia, geologia, arqueologia pré-histórica, etc., grande parte dos quais, infelizmente, não vemos publicados, e, com alguns períodos de pouca actividade, produz quase até à morte, pois, passados os 80 anos, faz um trabalho interessantíssimo, verdadeiro canto do cisne, sobre «Um caso recente de formação de opala». Paga com o esforço despendido neste campo a favor da ciência universal, «à qual abriu novos horizontes», o tributo que todos os homens suficientemente do todos devem à humanidade.
Patriota, ainda bem novo despreza altas posições cientificas no estrangeiro, que podiam satisfazer justificado desejo de luzir, para trabalhar em Portugal. Mais tarde, consciente do que vale e sabe e do que deve à terra onde nasceu, sacrifica a comodidade do lar e, sem qualquer vantagem material, vai dar nova orientação à engenharia portuguesa. Produzindo obra u todos os títulos notável, serviu, desinteressadamente, a Pátria.
Sr. Presidente: ao homem ilustre a quem me tenho estudo a referir bem pode aplicar-se o conceito que o Sr. Deputado Cid dos Santos há pouco tempo, com tanta felicidade, formulou para sintetizar a figura de um grande cientista português, e por isso termino afirmando que e Dr. Alfredo Bensaúde «ganhou a vida».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.