606 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
o funcionamento do acordo comercial com o Brasil e a consequente exportação de muitos produtos para aquele mercado.
O Orador: - Como já disse, não pretendo impor nem uma coisa nem outra, mas é preciso saber-se o que é conveniente e o que é inconveniente.
O Sr. Camilo Mendonça: - Penso que se trata de um problema de coordenação. As grandes obras de rega criam, em todo o mundo, um complexo e delicado problema de coordenação, que é tanto mais difícil de resolver quanto mais baixo é o nível de vida e menores são as possibilidades de utilizar culturas industriais. Entre nós creio que o problema pode ter solução conveniente.
O Sr. Carlos Borges: - Gasta-se muito dinheiro em grandes obras hidroagrícolas, mas gasta-se muito pouco nas pequenas. E isso é que é pena ...
O Orador: - Porque é que neste país, de primaveras ventosas e secas, a irrigarão não é aplicada para o trigo? Dizem-me que é por causa da alforra. Mas o trigo é cultivado no ultramar e lá também existe alforra! Há qualidades de trigo que lhe resistem.
Seja como for, ou se arranja aplicarão económica para as terras irrigadas, além do arroz, e isso não deve ser impossível, ou não vale a pena continuar a fazer custosas obras hidroagrícolas paru criarmos mais um problema grave para a mossa economia. E, porque vivo, infelizmente, quase permanentemente esse clima, afirmo que não conheço nada pior do que viver as complicações angustiosas das produções excedentárias, com o seu cortejo de ruínas e preocupações constantes.
Quero, todavia, pôr diante dos olhos da Assembleia e do País a lição que se pode tirar da cultura do arroz. O facto de ser uma cultura remuneradora levou alguns, não poucos, lavradores a construírem as suas próprias barragens, espalhou com largueza salários generosos, elevou, efectivamente, o nível económico de todos, mas de todos, os que a ela se entregaram. A riqueza criou riqueza e espalhou bem-estar à sua volta.
Muito de longe, porém, em relação a qualquer outro problema agrícola, avulta neste momento o do vinho, manifestamente em plena crise de abundância desde o ano passado.
Estes, porém, são os anos de ponta no conhecido ciclo tradicional; é, pois, natural que entremos agora no período degressivo da produção, que devora resolver as preocupações de momento.
Efectivamente, já este ano a quebra da produção foi de 20 por cento aproximadamente.
Eis porque a existência de vinhos não deve ser motivo para preocupações. Aos que, legitimamente, se preocupam com as novas plantações direi que é indispensável suspendê-las por tempo indefinido e ainda mesmo cassar as autorizações não executadas, pois não nos parece de boa política que, quando se observa rigorosamente a proibição do plantio, possam aparecer pessoas investidas na possibilidade de plantarem largamente apenas porque tiveram o cuidado de se munirem antecipadamente de licença, para cuja execução não tinham ainda terrenos ou capacidade económica. Só as reconstituições deviam ser permitidas. Quanto às outras, devia ser-lhes restituído o que pagaram e cassadas as licenças.
Ao falar recentemente numa reunião dos municípios do distrito de Lisboa, explicando a situação vinícola, tive ocasião de observar que a crise não era específica do nosso país, mas mundial, acrescentando que em França, o primeiro país vitícola do Mundo, a crise era tão grave que se tinha decidido pelo arranque das vinhas, urra tique voluntário e indemnizado, que está aos cuidados do Instituto dos Vinhos de Consumo Corrente, e não de uma repartição oficial. Simplesmente, sucedeu que, o repórter que assistia ou adormeceu ou se distraiu o que constou dos jornais foi que eu advogara o arranque das vinhas. Tal afirmação alarmou a viticultura, e penso que os representantes da imprensa aqui presentes podem ajudar a desfazer esta má impressão, causada pela distracção de um seu colega.
Apenas existência de aguardentes, pela dificuldade de colocação, mesmo com auxílios, constitui motivo sério de preocupações, pois o seu valor sobe 250 000 contos.
Já expliquei à Assembleia que a existência de tal quantidade de aguardentes se deve à falta de capacidade de armazenagem suficiente, mas não importa discutir isso agora.
O que interessa é saber se essa existência é de tal forma gravosa que deva influir na política até aqui seguida desde há vinte anos para com o vinho.
Não há problemas insolúveis; para todos acaba por encontrar-se uma solução.
250 000 contos são apenas 3 por cento das nossas importações, 4 por cento das nossas exportações, 7 por cento de deficit da nossa balança comercial.
Não se trata, portanto, de um valor ou de uma quantidade que com um pouco de habilidade e algum tempo, se não consiga eliminar.
Não podemos, no meio de um mundo utilitário, em que nenhum pais esquece em qualquer momento as suas necessidades e as suas conveniências, defendendo-
as duramente e em todas as circunstâncias, fazer de ingénuos, comprando imoderadamente, sem procurarmos com firmeza, com intransigência, mesmo com dureza, se necessário for, impor os nossos produtos, forçando naturalmente a saída daqueles cujos stocks mais interesse temos em ver diminuídos.
Suponho que a habilidade comercial nunca foi a nossa qualidade dominante, até porque, em sairmos, aliás, do assunto em que estamos, podemos constatar que, dispondo de duas marcas atamadas, mundialmente conhecidas, tais como Porto e Madeira, não contam, aliás, para nos facilitar a vida neste sector, antes pelo contrário, como sucede com o Porto, que, é motivo de gravíssimas preocupações.
De nada valerá, então, a fama o a qualidade?
Creio firmemente que sim, mas é certo que, nestes tempos confusos em que vivemos, fama e qualidade só por si não serão suficientes; indispensável é a habilidade comercial, a propaganda.
Esta, por si só, é capaz de impor até um produto de má qualidade. Não foi ela capuz, em determinado momento, de introduzir em Inglaterra os péssimos vinhos da Austrália?
A confirmar esta afirmação da eficácia da propaganda e habilidade comercial está a existência duma marca de vinho do Porto que, pela acção hábil dos seus titulares, obteve um lugar excepcional na exportação. Embora possa esta afirmação pesar ao nosso distinto colega o meu amigo Sr. Carlos Mantero, esta falta de habilidade para o comércio é, quanto a mim, tradicional, histórica.
O Sr. Carlos Mantero: - Não tenho, Sr. Deputado Melo Machado, qualquer qualificação especial para representar eu defender o comercio. Ocorre-me, porém, perguntar-se não estará V. Ex.a a atribuir ao comércio culpas e responsabilidades alheias?
O Orador: - No período áureo da nossa história, quando estávamos no apogeu da nossa posição no