1276 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 164
transumando do passado e projectando-se no futuro, para honra e glória do próprio Portugal. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, deste lugar, onde a expressão dos anseios dos povos e a franca exposição dos problemas, de ordem nacional ou de simples âmbito regional, têm, porventura, maior e mais eficiente significado do que em qualquer outra parte, solicitar a atenção do Governo para a situação económico-social que, de há anos para cá, atravessa a cidade de Setúbal. Este importante centro populacional, de cerca de 50 000 habitantes, sofre as graves consequências de viver quase exclusivamente de uma indústria - a das conservas de peixe - sujeita às imprevisíveis contingências da escassez ou total falta de pescado.
O que representa a economia de uma cidade, assim alicerçada em base tão contingente, avalia-se com nitidez - e, além disso, com inevitáveis apreensões - ao examinarmos a baixa, a queda incessante que tem sofrido a indústria setubalense das conservas de peixe. Estou convencido de que a Assembleia partilhará do interesse e cuidados que me levaram a tratar aqui este problema quando tomar conhecimento dos ligeiros apontamentos estatísticos que peço licença para reproduzir.
No decénio do 1927 a 1936, época de que possuímos os primeiros elementos oficiais, a pesca da sardinha atingiu, em Setúbal, a média anual de 18 038 t.
No decénio seguinte (1937 a 1946J a média anual desceu para 10107 t.
Nos nove anos que vão de 1947 a 1955 essa mesma média não passou das 59 t.
Estamos, pois, em presença de uma quebra de actividade industrial, tanto da indústria propriamente da pesca como da das conservas, para que aquela fornece a matéria-prima, que se tem reflectido com extensão grave e pelas mais lamentáveis formas no panorama social da cidade e da região de que ela é o fulcro económico.
Se, independentemente das médias indicadas, verificarmos que no ano de 1955 somente se pescaram 2320 t, avaliamos ainda com maior rigor a seriedade da situação.
É certo que, graças ao desenvolvimento da camionagem, que trouxe ao nosso pais a melhoria da rede rodoviária incessantemente realizada pelo Governo, a carência do pescado que tem flagelado o porto de Setúbal foi, embora em grau reduzido, atenuada pela indústria local de conservas por meio de aquisições de peixe de outros centros piscatórios.
Setúbal, que foi sem dúvida o mais importante fornecedor de magnifica sardinha a todo o País, passou a depender, para alimentar as suas fábricas, de outros portos da costa portuguesa. Mas isso não evitou que, de uma produção de 425 709 caixas de conservas no ano de 1947, baixássemos, em 1955, para a verdadeiramente ruinosa cifra de 220 080 caixas. E, para dar mais completa ideia do lamentável reflexo desta queda de actividade industrial, veja-se que o número de fábricas, sendo de 42 ao redor dos anos de 1947 e 1949, está presentemente reduzido a 32 unidades ...
No que respeita n utilização da mão-de-obra, ao lado das consequências da escassez de matéria-prima, a evolução técnica do fabrico tem substituído, cada vez mais intensamente, o homem pela máquina, e até, numa natural defesa económica dos fabricantes, o trabalho do homem pela mão-de-obra feminina.
O problema social da cidade, por tudo isto, agrava-se de ano para ano. A medida que as fábricas se aperfeiçoam, a máquina dispensa o trabalho humano, e assim, nos escassos dias de laboração permitidos pelas exíguas quantidades de peixe obtidas, empregam-se hoje muito menos operários do que nos períodos áureos em que Setúbal viu desenvolver-se, talvez um tanto exagerada e ilusoriamente, a sua indústria quase única.
O reflexo social desta situação económica merece, sem dúvida, a cuidadosa atenção das entidades locais e dos Poderes Públicos.
Como vive hoje a população de Setúbal? São muitos os lares onde os que têm por missão granjear o sustento diário lutam com faltas pungentes de meios de existência normal. Há numerosos trabalhadores do mar e fábricas que, à custa de duros sacrifícios e longas caminhadas, buscam ocupações diversas em outras localidades, nos concelhos da margem sul do Tejo, nos campos ou nas salinas.
Algumas centenas de jovens que saem anualmente, com os seus cursos industrial ou comercial, da magnifica escola técnica com que o Estado Novo dotou Setúbal são atirados para a vida sem probabilidades de encontrar trabalho, meditando perigosamente sobre a inutilidade dos diplomas que levaram anos a tirar, à casta, sabe Deus, de quantos sacrifícios e privações.
Nestes jovens desocupados, assim como nos pais sem trabalho e sem pão, encontram tantas vezes terreno propício as perigosas infiltrações da terrível epidemia social da nossa era.
Penso, Sr. Presidente, que não podemos continuar a assistir a este avolumar da crise que Setúbal atravessa. É inegável o valor da acção da assistência com que as autoridades, a organização corporativa, a Igreja, todo um conjunto magnífico de obras sociais, têm combatido os perniciosos efeitos da crise social da cidade.
Multiplicam-se, nas épocas de maior desemprego, os trabalhos públicos de emergência ordenados pelo Governo; a Delegação de Saúde, os dispensários, os serviços médico-sociais, a Casa dos Pescadores, as associações de socorros mútuos, as obras religiosas, a Santa Casa da Misericórdia, toda a aparelhagem felizmente existente na nossa terra impregnada pelo espírito cristão do amor do próximo merece que se lhe reconheça o quanto tem contribuído para aliviar a doença, as privações e a miséria. Mas não será incoerente e anacrónico mesmo confiar apenas na assistência para ir mantendo precariamente na situação actual uma cidade de 50 000 habitantes, à espera que volte, com a miragem de uma nova era de peixe abundante, a prosperidade e o ouro e então a colocação para alguns desempregados?
O problema de Setúbal, segundo julgo, só pode ser resolvido pela criação de novas indústrias, que vão absorvendo, a pouco e pouco, a grande massa operária, hoje exclusivamente atida à pesca e às conservas. Embora haja ainda uma esperança de ver instalada em Setúbal uma nova importante industria, que insuflaria na precária vida económica da cidade o alento de novas actividades, não devem terminar por esse facto as diligências para resolvermos o problema crucial da substituição da indústria única pela indústria múltipla.
Evidentemente, estas simples palavras não podem conter quaisquer projectos formais ou iniciativas concretas de solução do caso. Mas peço licença para extrair das considerações formuladas uma sugestão que me permito concretizar nestes termos: não poderia o Ministério da Economia encarregar uma comissão constituída por representantes da Direcção-Geral dos Serviços Industriais e das autoridades e organismos económicos locais que, assistida dos técnicos que fosse conveniente recrutar, promovesse, em prazo curto, um estudo criterioso e prático das possibilidades de criação de indústrias novas em Setúbal?
Por sua iniciativa ou sobre sugestões o propostas que lhe fossem apresentadas, parece-me que a comissão que me permito sugerir, desde que a sua acção fosse orien-