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14 DE JULHO DE 1956 1319

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei que institui as corporações. Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vaz.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: a organização corporativa surgiu como um imperativo da época actual que todos os povos sentem e praticamente realizam, embora a maior parte deles não tenha a franqueza de assim a designar, como nós o fazemos, com toda a clareza, no artigo 5.º da nossa Constituição Política.
Ali se diz que o Estado Português é uma República unitária e corporativa.
E convirá ter sempre presente e não o esquecer este preceito constitucional, para não nos perdermos em construções teóricas, porventura muito interessantes, mas que nos afastam da visão objectiva do problema em debate.
E resulta da necessidade de através dela se procurar a paz pública pelo equilíbrio económico e social que a economia capitalista do século XIX destruiu, originando o dualismo marxista da luta de classes.
Com efeito, se pelo individualismo se organizou a sociedade em função do indivíduo, originando o aparecimento do capitalismo e dos seus erros, pelo socialismo foi o indivíduo organizado em função da sociedade, o que provocou o aparecimento do colectivismo e da sua aberração humana.
O capitalismo fez do trabalho humano uma simples mercadoria; mas o colectivismo ainda fez uma coisa pior, porque reduziu o homem à triste condição de mísero escravo. Ambos estes males ameaçam a concepção da vida de que dependem os valores da civilização actual, de fundas raízes cristãs, e constituem uma perigosa ameaça para a estabilidade e segurança dos regimes em que ela se apoia.
Estes sentem-lhe a virulência e procuram fórmulas que lhe assegurem a imunidade. Daí a necessidade da organização corporativa.
Na base, portanto, destas preocupações está o problema social, que fui o seu pensamento originário. Mas como o equilíbrio social não se consegue senão através do equilíbrio económico, ao princípio inicial veio juntar-se um outro, de natureza económica.
E, assim, os objectivos predominantes da organização corporativa foram de carácter económico-social, embora, como acontece entre nós, outros se lhes tenham acrescentado, como os de ordem moral e cultural.
Reconhecida a necessidade da organização corporativa, importa defini-la.
Teòricamente a corporação assenta no sentimento de solidariedade humana existente entre todos os que se dedicam à mesma actividade ou exercem a mesma função social, o que é, sem dúvida, a sua causa eficiente; é constituída pela associação de todos os elementos dessa actividade ou função, formando um corpo profissional independentemente do seu ofício, situação ou categoria, o que constitui o seu elemento material que dispõe do poder de a si própria se dirigir, no que respeita à solução dos seus problemas particulares, que é o elemento formal da sua autonomia e se destina a resolvê-los, tanto económica como socialmente, o que nos elucida acerca da sua finalidade.
Na concepção jurídica portuguesa a corporação constitui, segundo a definição do artigo 41.º do Estatuto do Trabalho Nacional, a organização unitária das forças da produção e representa integralmente os seus interesses; possui a autonomia necessária para estabelecer entre si as normas gerais e obrigatórias sobre a disciplina interna e a coordenação das actividades, com o assentimento do Estado (idem, artigo 43.º).
Reconhece-se o princípio natural da solidariedade profissional ao estabelecer-se que a organização profissional não é normalmente obrigatória, o que dá à organização portuguesa a característica de corporativismo de associação.
Também, e porque é uma organização unitária, se lhe reconhece a constituição de um corpo profissional, em que, dentro da mesma actividade ou função, estão integrados todos os seus elementos individuais, estejam ou não inscritos nos respectivos organismos (idem, artigo 43.º).
A sua autonomia, porém, é limitada pelo assentimento do Estado.
E, por último, assinalam-se os fins que tem em vista, pela representação integral dos interesses profissionais (idem, artigos 41.º e 42.º), tanto de ordem económica como social (artigos 42.º, 48.º e seguintes).
Já por aqui se vê que a corporação portuguesa, tal como a define o estatuto, contém em si todos os elementos definidores essenciais de uma corporação como ela teoricamente se concebe.
O Estatuto do Trabalho Nacional, na definição que lhe deu no § 3.º do artigo 41.º, não a dimensionou com a amplitude que já a Constituição lhe conferia no seu artigo 16.º, pois parecia limitá-la aos domínios económicos e sociais, quando ela, constitucionalmente, abrangia outros sectores, como o moral e o cultural, doutrina que o Decreto n.º 29 110 e outros diplomas posteriores amplamente perfilharam e que já se continha no disposto no artigo 40.º do mesmo estatuto.
É dentro deste condicionalismo legal e - frise-se mais uma vez - constitucional que o mecanismo institucional da corporação tem de ser encarado, sob pena de nos embrenharmos em concepções dialécticas discutíveis; entrarmos nos domínios das abstracções, fugindo às realidades das situações concretas.
É dentro deste realismo, que nos é imposto pela lei, que a proposta governamental foi apresentada.
E nem doutra forma essa apresentação se poderia conceber.
E é ainda dentro dele que ela tem de ser apreciada.
Sr. Presidente: a organização corporativa portuguesa não absorve todas as actividades nacionais, como lucidamente o reconhece o parecer da Câmara Corporativa.
Efectivamente, todas as actividades que estão afectas directamente à Administração, que delas se não demite, estão fora do seu raio de acção. Mas, além destas, muitas outras actividades privadas não estão nela enquadradas, pela impossibilidade manifesta de se fazer a sua integração corporativamente.
Estão neste caso, por exemplo, as actividades ligadas ao artesanato e aquelas que se prendem com a numerosíssima classe dos consumidores.
A constatação deste facto leva-nos a duas ordens de conclusões diferentes. A primeira é que o nosso corporativismo, não sendo integral, segundo a concepção de Manoilesco, nem mesmo será, como o considera o parecer da Câmara Corporativa, quase integral, mas de um tipo intermédio, visto escaparem à sua esfera de acção numerosos ou, pelo menos, alguns importantes sectores das actividades nacionais.
A segunda é que em virtude de estes sectores não serem susceptíveis de integração corporativa nunca a sua orgânica poderá arrogar-se a qualidade de ser a representante exclusiva das actividades e interesses nacionais, mas só e apenas de algumas delas, embora numerosas.