29 DE MARÇO DE 1957 487
(...) são correntes para trabalhar dentro de ordens de grandeza que não podem deixar de conter erros. Por isso mesmo me parece arriscado estarmos a pretender, como é corrente dizer-se, aproximar uma medida ao milímetro quando a fita métrica de que dispomos facilita o erro de um centímetro.
O Sr. Sousa Rosal: - Tenho visto que está a ser discutido o caso sob o ponto de vista de calorias, proteínas e gorduras, mas penso que é indispensável considerar também os sais minerais e as vitaminas.
O Orador: - Adiante me referirei ao caso, aliás, em comprovação da minha tese.
O Sr. Moura Relvas: -E é preciso também não esquecer que o trabalhador necessita de maior número de calorias que o intelectual.
O Orador: - Evidentemente. Mas, continuando:
2.º É evidente, também, a possibilidade de melhoria de condições em muitos casos verificados - a atestar um inegável progresso feito - por via de organizações de carácter social, pelos abonos de família, pelas rendas modestas, pela contribuição de possibilidades de bens próprios, pelo auxílio aos proventos familiares acarretado pelo trabalho da mulher e dos menores; contudo, e na generalidade, continua a impor-se a conclusão de uma acção persistente e viva para melhoria da situação em que ainda se encontra uma grande parte da população portuguesa; conclusão que, aliás, se pode tirar tranquilamente em face das possibilidades que o nosso território oferece nas condições actuais da técnica e da ciência.
3.º Muito embora, e dum modo geral, se tenha verificado melhoria nas condições de vida em Portugal, como se impõe reconhecer, zonas há em que essa melhoria está longe de se ter verificado ainda ou o grau em que ela se verificou está muitas vezes, igualmente também, longe de garantir uma alimentação modesta, mas relativamente equilibrada, e uma vida em condições normais de higiene e de dignidade; mesmo admitindo que os minerais indispensáveis à saúde vêm de mistura com os alimentos que consideramos - o que nem sempre é exacto-, o certo é que as vitaminas de que carecemos são-nos principalmente fornecidas pelas frutas, pelos legumes frescos, etc., de que uma grande parte da nossa população vive carecida, particularmente nas cidades. E convirá acrescentar que, para equivalência de proventos, é muitas vezes mais grave a situação económica do chefe de família da classe média - tal como o empregado comercial, o funcionário público, o servidor do Estado-, que, por um lado, tem, pela posição social que ocupa, certos encargos que o operário dispensa e, por outro, só raramente possui determinadas facilidades e auxílios que as empresas ou o Estado garantem no trabalho industrial.
4.º A nossa situação, pelo que toca à análise que fizemos, não é por enquanto comparável à situação corrente nos países de igual grau de civilização do nosso, particularmente na maioria daqueles que fazem parte da O. E. C. E. Temo-nos aproximado dela à custa dum louvável esforço, mas impõe-se um grande trabalho ainda para a poder igualar. De facto, e em relação a eles, os valores médios totalizaram, entre 1953-1954, 2860 calorias por habitante, nos quais se contavam 97 g de gorduras e uma distribuição, em 85 g de proteínas, de 44 por cento de origem animal, contra 56 por cento de origem vegetal.
De resto, aqueles valores já em 1953-1954 foram igualados, ou até ultrapassados, pela Dinamarca, Irlanda, Noruega, Suécia, Suíça e Inglaterra, pelo que respeita a calorias; pela Dinamarca, França, Irlanda, Noruega e Suécia, pelo que respeita a proteínas, e pela Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca, Alemanha Ocidental, Irlanda, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Inglaterra, pelo que respeita a gorduras.
Em face dos custos alimentares que referi, fácil é compreender a impossibilidade que se poderá encontrar quanto a conseguir mo nosso país uma média calórica que tocasse aquela que a O. E. C. E. nos aponta; mais ainda: não nos podemos espantar de ver esse mesmo organismo internacional situar-nos, em relação ao balanço alimentar -Food Balance Sheet- para 1951-1952, num escalão ainda baixo, dando-nos por companhia a Itália, a Turquia e a Grécia, numa situação duma média inferior a 2600 calorias por habitante e por dia.
Colocam-nos assim, nesse campo de comparação internacional, fora ainda de qualquer dos outros quatro grupos restantes: 2600 a 2800 calorias, como para a França, a Alemanha Ocidental e a Áustria; 2800 a 3000, como para a Inglaterra, a Holanda e a Bélgica; 3000 a 3200, como para a Suíça, a Noruega e a Suécia, ou 3200, e mesmo mais, como para a Dinamarca e para a Irlanda.
Os últimos números publicados em La Situation Mondiale de PAlimentation de PAgriculture, em 1956, pela F. A. O. dão um significado especial à carência da nossa dieta alimentar média; de facto, num conjunto de países definido pela Áustria, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha Ocidental, Grécia, Irlanda. Itália, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, Inglaterra, Jugoslávia -com um mínimo de 2500 calorias para a Grécia e um máximo de 3565 para a Irlanda -, Portugal era apontado entre os países de mais baixo consumo calórico. Deve observar-se, porém, que as próprias estatísticas da O. E. G. E. para 1954 já não só levantam o número do nosso consumo para 2450, como reconhecem o avanço realizado a partir do pós-guerra, no intervalo de 1950 a 1954; contudo, não admitem que naquele último ano tenhamos atingido valores considerados ainda como médias satisfatórias.
Há mesmo estatísticas responsáveis que chegam a pretender que alguns outros países, cujo nível é notoriamente baixo, se apresentariam com um consumo ca-lórico a confrontar com o nosso.
É evidente a precipitação que pode haver nesta confusão, por deficiência ligada aos números relativos a Portugal ou por exagero daqueles que respeitam a alguns dos países considerados: há erros graves de colheita de dados, com certeza, e o simples bom senso nos leva a crer que deverá ser assim ; seja, porém, como for, a nossa posição metropolitana, muito embora podendo não satisfazer a uma realidade de valores exactos, define-se por ordens de grandeza que, por muitas correcções a introduzir, e sob todas as eventuais rectificações a fazer, denunciam ainda uma deficiência alimentar média para uma grande parte da nossa população, deficiência esta que, aliais, o poder de compra dos diferentes proventos que podemos admitir numa larga generalidade deixava imediatamente prever, tanto mais que igual processo seguido para avaliar das possibilidades de cobertura dos outros países leva imediatamente ao confronto de posições relativas que nos desfavorecem.
De resto, a companhia, neste caso, de certos países do Mundo, ou até o facto de podermos considerar uns tantos em posição inferior à nossa, não aquece nem arrefece para concluirmos de uma situação que só a nós respeita e donde podemos e devemos sair.
Não faltam, de resto, hoje em dia trabalhos excelentes e sérios sobre as situações de possibilidades e de (...)