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10 DE ABRIL DE 1957 595

Àqueles que se interessam por esta questão, médicos ou não médicos, têm de possuir a educação geral suficiente para julgar o que está escrito. E quem não percebeu não perceberá. Repetir é, portanto inútil.
Creio que o documento do Sr. Ministro do Interior constitui um belo exemplo da forma a que aludi no meu último discurso: em como é fácil demonstrar que existe aquilo que julgamos não existir e como afinal está tudo certo.
A negação sistemática de quase tudo quanto eu disse, mesmo quando a verdade transparece a todos; a recusa repetida em aceitar qualquer crítica; a ideia de que a força do espírito reside em nunca dar razão - constituem um teste, terrível e infalível. Não se deve discutir nestas condições e o esclarecimento do pormenores, que se justificaria numa discussão leal, não tem agora qualquer utilidade. Fiquemos por aqui.
Mas o Sr. Ministro, na sua resposta, não contente em deitar por terra os meus três anos e meio de esforço como crítico, decidiu também atingir-me pessoalmente. O Sr. Ministro do Interior, saindo do plano da matéria em discussão, inclui na sua resposta dois aspectos que nada têm que ver com os princípios gerais debatidos e que se referem exclusivamente à minha pessoa como director do serviço de clinica cirúrgica.
Acusa-me S. Ex. ª de prejudicar os doentes pelo facto de manter no meu serviço o arquivo inerente. Já tive ocasião de expor a necessidade de um arquivo central onde vão parar as informações essenciais dos doentes, necessárias para o estabelecimento das estatísticas gerais e especiais do Hospital. Mas as observações e exames em si devem ficar no serviço, pois que, por pouco que um serviço trabalhe, o arquivo está sempre em constante movimento.
O arquivo é a alma do serviço, e sem arquivo organizado o serviço torna-se um mero posto de tratamento. Um arquivo central que recolha todas as histórias e observações num hospital de mil e quinhentas camas exigiria instalações vastas e complicadas e, apesar de todo o seu aperfeiçoamento, constituiria um grave obstáculo à consulta rápida e fácil do observações que no decurso de uma manhã são requisitadas pelos motivos mais variados. Só os homens como aqueles que citei no aviso prévio, e que dizem não precisar de arquivos, poderão apoiar uma medida tão esterilizante.
Quanto a prejudicar um só doente pelo facto de o arquivo se encontrar no serviço, onde a qualquer hora uma observação pode ser retirada imediatamente, situação que talvez não surja uma vez no ano, isso só pode ser dito por alguém que não é médico e nunca viveu a vida dum serviço hospitalar.
Pela fornia como Sr. Ex. ª se refere ao meu «arquivo privativo» dá a impressão a quem o ler que tenho esse arquivo aferrolhado para exclusivo uso próprio e que todos os outros directores de serviço enviam regularmente as suas observações completas para o arquivo central.
De facto, é com verdadeiro prazer que posso afirmar que no serviço de clínica médica, do Prof. Mário Moreira, no serviço de propedêutica médica, do Prof. Eduardo Coelho, no serviço de ginecologia e obstetrícia, do director clinico do Hospital, o Prof. Freitas Simões, no serviço de pediatria, do Prof. Castro Freire, no serviço de doenças infecto-contagiosas, do Prof. Morais David, e em todos os serviços restantes os arquivos se encontram tão retidos pelos seus directores, estão tão aferrolhados por eles e prejudicam tanto os doentes como os arquivos do serviço que dirijo.
O meu prazer em enumerar estes serviços provém de poder dizer que ainda há interesse pelos doentes, poios serviços, pela organização e pela investigação nos homens que dirigem a medicina do Hospital Escolar.
Para manter o meu arquivo organizado e utilizável gastei do meu bolso, em ordenados, desde 1948, a quantia que o Sr. Ministro do Interior conhece, cuja importância não tenho que declarar nesta Casa, mas que tive do ganhar com o meu trabalho. Digo isto apenas com o fim de demonstrar a que ponto um arquivo organizado é vital. Se fossem simplesmente paru um serviço centralizado as observações e radiografias de todos os serviços, isso corresponderia a contribuir apenas para a criação de mais um museu e para o estorvo constante à consulta fácil daquilo que constitui a base de trabalho clinico o cientifico.
No Mundo há de tudo. Mas o que é bom num sítio pode não o ser noutro e também nem tudo o que se faz de novo é forçosamente bom. Turnos cabeça para pensar e experiência para julgar.
O segundo aspecto pessoal sob o qual S. Ex. ª me honra com a sua atenção é o do meu valor como director de serviço. Pelo conteúdo da acusação, este aspecto é incomparavelmente mais grave 11 não menos injusto rio que o primeiro.
Começa S. Ex. ª por dizer que nem todos os serviços dão o rendimento que poderiam dar e ser esse o caso da clinica cirúrgica, isto é, do serviço que dirijo. E para demonstrar o desleixo aponta a média de dias de internamento por doente, que é superior no meu serviço às médias dos serviços de patologia cirúrgica e obstetrícia. E para demonstrar a minha incompetência compara a taxa de mortalidade do meu serviço (4,1 por cento) com as taxas de mortalidade dos dois serviços referidos, que são, respectivamente, de 1,0 por cento e 0,6 por cento.
Esta apresentação de números sem explicação do substrato de doentes em que se fundam ó inexpressiva, superficial - e não pode servir para condenar ou elogiar seja quem for. Posso assegurar que o mais mal intencionado dos médicos nunca ousaria produzir semelhante acusação numa sociedade cientifica, pela sensação nítida do fundo de má fé que isso traduziria perante os seus colegas. Mas não é preciso ser médico paru se compreender que, se os doentes a operar são escolhidos entre os riscos operatórios pequenos e se os doentes inspiráveis pelo seu estado suo rejeitados das admissões, uma estatística melhora logo, mesmo quando corresponda a cirurgiões de pouca experiência. E que, se é dada a preferência aos doentes portadores de afecções com risco operatório grande ou em situação desesperada, a mortalidade sobe a números impressionantes, mesmo nas mãos dos melhores cirurgiões do Mundo.
Finsterer, o grande vienense, dizia que a maior honra para um cirurgião consistia em salvar um doente em dez considerados perdidos e inspiráveis. Isto representa uma mortalidade de 90 por cento. Se no meu serviço se der a preferência de internamento às hérnias, apendicites crónicas e úlceras do estômago com excelente estado geral, posso muito facilmente produzir uma taxa de mortalidade inferior a 0,5 por cento. E se eu fizer admitir exclusivamente cancros do estômago em todas as sua fases de evolução não será fácil deslocar a taxa de mortalidade para baixo de 20 ou mesmo 30 por cento.
Da mesma maneira, se um serviço se encontra predominantemente ocupado por afecções crónicas ou de evolução lenta, a média de hospitalização será mais elevada do que se a maioria dos doentes sofre de doenças que permitem uma alta aos sete ou doze dias de internamento. Se aplicarmos estes princípios aos três serviços citados por S. Ex.a, podemos explicar facilmente os números apontados.
Na cirurgia ginecológica a mortalidade é geralmente baixa porque a maioria das afecções ginecológicas não correspondem a riscos cirúrgicos muito grandes. Isso explica a taxa de 0,6 por cento apontada pelo Sr. Ministro. E isso explica que a taxa de mortalidade da gine-