24 DE ABRIL DE 1957 717
preocupações de trazer a esta Casa um estado profundo de características cientificas ou técnicas, para o qual, ai de mim, me faltam os necessários recursos e a preparação adequada, permito-me, porém, tratar, embora perfunctoriamente, de um problema de autêntico interesse público que vem sendo objecto de instantes reclamações e de reiteradas queixas e para o qual é urgente encontrar a solução conveniente.
As ligeiras considerações que vou fazer têm apenas valor e sentido representativos e coadunam-se perfeitamente com as funções essenciais de uma assembleia política, e não técnica, como é a Assembleia Nacional.
É a nós, Deputados, que falamos em nome da Nação, que compete trazer até aqui as justas reclamações dos povos, os seus legítimos anseios, o seu sentir e o seu licito desejo de bem-estar e de felicidade.
Sr. Presidente: o problema genuinamente nacional que vou abordar é de extraordinária importância e de superior interesse e situa-se entre os que mais caros são ao meu espirito e ao meu coração: diz respeito à saúde pública, a que o Governo, com a mais alta compreensão e com os mais elevados propósitos, tem dedicado um esforço notável,, traduzido em belas, úteis e frutuosas realizações.
E se é certo que neste sector muito há ainda que fazer, sobretudo nos meios rurais, é justo dar público louvor e agradecer ao Governo, e de um modo especial aos Srs. Ministro do Interior e Subsecretário da Assistência Social, tudo quanto há longo tempo já vêm fazendo em prol da saúde do povo português.
Sr. Presidente: o nosso pais continua a sofrer de uma enorme invasão de novos medicamentos especializados, uns em desfavor da economia nacional, vindos de fora, outros oriundos da produção nacional.
Assiste-se a uma verdadeira avalancha de medicamentos, grande parte dos quais deficientemente ensaiados e de hipotético interesse terapêutico.
Verifica-se uma produção desordenada e sem limites, invadindo o mercado farmacêutico com medicamentos desnecessários e dispensáveis.
Este «fenómeno» parece ser de ordem geral, pois, recentemente, num congresso de farmacêuticos alemães foi demonstrado que, entre 25 000 especialidades médicas registadas naquele país, 8000 bastavam para as necessidades da população.
A industrialização do medicamento prevalece sobre a manipulação, consequência fatal e inexorável dos novos tempos, das novas ideias, dos novos costumes, da evolução da vida, enfim.
A farmácia passou a ser apenas a intermediária entre o produtor e o consumidor e o farmacêutico deixou de ser o profissional manipulador competente e sério, baixando no conceito do público.
Sem, de nenhum modo, pretender defender a limitação à actividade dos sábios biologistas e químicos e dos técnicos fabricantes de medicamentos, pois nunca é de mais encarecer e louvar o seu meritório esforço na procura do remédio ideal para todas as doenças, afigura-se--nos vantajoso e conveniente que antes de postos à venda e receitados se averigúe do seu estado de conservação, do grau da sua eficácia e da sua composição.
Assim, parece-nos, se evitaria, em beneficio da economia nacional, a importação de medicamentos iguais ou inferiores aos já existentes e o investimento de capitais para a sua aquisição por parte dos farmacêuticos, pondo-se termo a dispêndios inúteis com produtos farmacêuticos ultrapassados e fora de moda, e poupar-se-ia ao doente um enorme dispêndio para o mesmo fim com medicamentos iguais ou semelhantes, numa profusão interminável.
É que, Sr. Presidente, o factor psicológico impera extraordinariamente.
O doente é facilmente sugestionável; confia nas virtudes que o medicamento diz possuir e para obter a cura ou ao menos alívio para os seus padecimentos adquirirá, se isso lhe for materialmente possível, todos os medicamentos que lhe apontem como conducentes à melhoria da sua saúde.
Do desenvolvimento da indústria de medicamentos e da concorrência sem limites entre os seus produtores e fabricantes deveria resultar a melhoria de qualidade, por maneira a fazer baixar a entrada de medicamentos estrangeiros e a diminuir o seu custo, de modo a poderem ser adquiridos por todos os doentes, mesmo os de mais baixos recursos.
Assiste-se, porém, no nosso pais, a esta realidade lamentável:
Procura-se provocar um maior consumo de medicamentos, tem-se como fim exclusivo o de vender mais para pagar mais salários e evitar o desemprego, e o resultado é o medicamento nacional ser batido pelo medicamento estrangeiro, que é preferido não só pela sua superior qualidade como até pelo seu preço.
O relatório da direcção da Associação Industrial Portuguesa do ano de 1954 diz-nos que «de 1945 até 1953 o número de embalagens nacionais seladas passou de 7 966 221, para ascender a 16 177 967, ou seja sensivelmente para o dobro; as estrangeiras ascenderam de 2 643 923 a 11 804 379, o que corresponde a cerca de quatro vezes e meia. Estes simples elementos, conjugados com o valor absoluto das especialidades estrangeiras vendidas -302:758.140;$ em 1953-, reflectem claramente os aspectos de gravidade que toma no mercado português a concorrência dos produtos estrangeiros, sobretudo se «e considerar quanto os nacionais entre si assumem já, por vezes, feição excessiva».
Sr. Presidente: o Decreto n.º 39 633, de 5 de Maio de 1954, para além da alta finalidade de servir e defender os interesses da saúde pública, tem como principal objectivo a repressão da produção desordenada e defeituosa dos medicamentos especializados, e por via dele só serão autorizados os medicamentos verdadeiros.
Aguarda-se, porém, a regulamentação deste diploma legal, o que vem agravando a questão em causa, não obstante a suspensão de autorização de novos medicamentos especializados ordenada pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos.
É de inadiável urgência, pois, impor condições à produção desta indústria, publicando um regulamento pelo qual se fixem normas destinadas a impedir que se fabriquem e ponham à venda medicamentos com denominações impróprias, produtos iguais com os mais fantasiosos nomes, artigos farmacêuticos insuficientemente observados para averiguar da sua estabilidade e conservação, etc.
O que se está passando neste sector da saúde pública com medicamentos especializados de eficácia ainda não inteiramente comprovada e outros, de composição conhecida, a que se atribuem virtudes terapêuticas que de facto não possuem -como é afirmado por técnicos abalizados e competentes -, e que conseguem impor-se por virtude de uma propaganda cara e desprovida de qualquer base cientifica, não deve continuar; as consequências que deste estado de coisas derivam para as farmácias, pletóricas de medicamentos similares para satisfazerem as exigências do receituário, o que representa um dispêndio de capitais incomportável para a maior parte dos seus proprietários, sem que dal advenha beneficio algum para o doente, devem cessar de vez; o que se está verificando com as amostras clínicas fornecidas gratuitamente à classe médica para ensaios parece não atingir qualquer finalidade e encarece o custo do medicamento, além de que se lhe atribui uma função distribuidora que lhe não pertence.