10 DE DEZEMBRO DE 1958 59
favorecem ambições, não premeiam interesses: apenas exigem sacrifícios. E, todavia, há mais de quatrocentos anos que perduram e cada vez são mais numerosas, cada vez mais extenso o papel assistencial que desempenham.
O exemplo é talvez único. Das nossas instituições tradicionais, daquelas que, moldadas na rude forja do tempo, serviram de berço à própria alma da grei, quase nada de vivo resta já - ou porque a superstição de outros ídolos as apartou da aceitação geral, ou porque realmente a mudança dos tempos as veio envelhecer e transformar em coisas veneráveis, mas inúteis. E as Misericórdias vão já no quinto século da sua existência.
São muito numerosas as que vem do tempo das Descobertas e muitas delas representam a continuação de outras piedosas obras cuja memória, de tão antiga que é, se vai perder na cerração dos tempos.
Das insígnias e bandeiras que agora mandaram a Lisboa não sei se há alguma que não seja uma ou muitas vezes centenária. E não se trata de relíquias retiradas de vitrinas de museus nem de pergaminhos inventados para as circunstâncias, mas de alfaias que continuam a servir como coisas válidas e úteis, ferramentas que vieram com a recomendação de que voltassem depressa, porque, além da falta que estão fazendo, os povos notam muito a sua ausência ...
Flores de raiz perene, essas velhas Misericórdias portuguesas acabam de dar mais um testemunho de verdadeira vitalidade, e a voz que levantaram não foi a de que as restaurassem ou de que reanimassem de novas forças uma velhice ilustre, mas, bem ao contrário, a de que as deixem viver tais quais são e sempre foram, a de que não se vá perturbar, com imposições centralizadoras, a sua alma própria, que ao longo dos séculos outra coisa não fez que tomar orgulhosa consciência de si mesma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Há nessa atitude muita beleza e há uma lição que importa assinalar e compreender: trata-se de instituições cujo espírito, porque se enraíza em fé in-temporal, os tempos não puderam corromper; e a lição é precisamente essa - a de que só o tutano do pensamento sobrenatural consegue tornar duradouras as instituições dos homens.
A segunda palavra é sobre a importância social e sobre a evidente oportunidade dos votos que ficaram expressos. A todos foi já dado o mais amplo conhecimento público; todos procedem de um estudo honesto, prolongado e alicerçado no insuprível contacto directo com os problemas, e todos constituem, por isso, um depoimento que seria uma injustiça não ouvir e imprudência não satisfazer. Entre todos, porém, desejo realçar um que, pela sua especial natureza, domina todos os restantes, que dele se podem dizer a mera regulamentação.
Foi proclamada a conclusão de que «o Congresso não esquece que há realizações notórias nas actividades gerais de protecção social do povo português, principalmente a partir da publicação da legislação sobre previdência social, em 1933, e do Estatuto da Assistência Social, de 1944.
Em particular, reconhece o esforço desenvolvido quanto a edificações e equipamento de hospitais. Reputa porém inadiável uma expansão dos benefícios efectivos de protecção às classes mais desfavorecidas, cuja condição geral, em nível de vida assim como em nível educacional e sanitário, tarda a chegar à suficiência».
Foram essas palavras aprovadas por aclamação, e entre aplausos veementes, por uma assembleia constituída por provedores e mesários, por membros de ir-mandades, por homens que estão dando - ou que já deram - às Misericórdias o desinteressado impulso que as mantém de pó. Homens vindos de todas as comarcas do Pais e que conhecem bem aquilo de que falam: porque quase todos tinham a imensa autoridade que vem de fazer assistência com a bolsa própria, de sarar as feridas com as próprias mãos, de conhecer as carências de que falavam com os próprios olhos.
Especialmente relevante é pois, a voz das Misericórdias quando elas se pronunciam em matéria de política social. Não nos vem dizer uma coisa nova; mas vêm consagrar, com a imensa autoridade dos seus séculos de experiência viva, a posição dos que, com os olhos postos nos tempos que estão para vir, têm reclamado que se olhe mais atentamente e que se proceda mais rapidamente no cumprimento dos programas exigidos pelas necessidades de justiça social do nosso tempo.
Deste encontro de opiniões ousaria dizer que são o passado e o futuro que se dão as mãos - mãos postas numa oração que sobe, ansiosa, do mais profundo da
alma portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: é esta a terceira vez que ouso ocupar-me nesta Câmara dos problemas do azeite.
A primeira teve lugar a 17 de Março de 1954 e seguiu-se a um período delicado da nossa oleicultura, mercê das dificuldades de escoamento da safra de 1953 aos preços da tabela oficial; a segunda, na sessão de 24 de Abril de 1956, após haver sido ordenada a mistura do óleo e do azeite como medida de recurso. Hoje proponho-me chamar, do novo, a atenção do Governo para o problema, na esperança de que venha a evitar-se, no próximo ano, quer a situação de 1956, quer a de 1949, precisamente dez anos depois.
Em conjunturas diversas procurei fazer compreender uma verdade simples e de fácil apreensão, mas que me não parece tenha sido, mesmo dolorosamente, compreendida: o sistema vigente da comercialização, sobrevivência de um período já muito longínquo, inadequado e injusto, é o grande responsável pelas sucessivas vicissitudes por que o abastecimento tem passado. De facto, nos últimos anos tem havido menor irregularidade de produções do que anteriormente; todavia as crises de abastecimento têm sido mais violentas e indomáveis.
O problema é, porém, mais vasto, pois deve enquadrar-se dentro do desarranjo maior em matéria de política de gorduras.
Comecemos por aqui.
Creio não andar longe da verdade ao pensar que o desacerto da política das gorduras tem já quase vinte anos e origem num raciocínio simplista que duas décadas não bastaram para tentar remediar.
O raciocínio foi este: qualquer melhoria do preço do azeite não influí no aumento próximo da produção, ao contrário do que ocorre com as gorduras animais, cuja produção responde imediatamente a uma elevação de preço.
Daqui, deste ponto de vista, decorreu travar-se, do justo até ao injusto, a elevação do preço do azeite, que se operou apenas por arrastamento, em desfasamento da generalidade dos preços agrícolas, e se conteve a nível inferior.
Paralelamente, seguiu-se caminho oposto com os preços das gorduras animais, que se desproporcionaram dos do azeite, subvertendo-se por completo as razões normais de preços entre as gorduras animais e vegetais. Em consequência, aumentam as disponibilidades de gorduras ani-